“Por esses dias...
Hoje é o sétimo de uma série de dias sobre os quais é difícil dissertar. Tudo é incerto e cada ato, decisão, mesmo no que é mais quotidiano - como sair para comprar o pão - está dependente da expectativa de que as coisas estejam tranquilas, da esperança de que sairemos à rua e voltaremos sem sermos vítimas ou testemunhas de algum ato de violência.
Alguns estabelecimentos comerciais arriscam-se com suas portas abertas, tentando minimizar seus prejuízos e também responder às necessidades da população. Porém, o horário de funcionamento é reduzido.
As pessoas que saem de suas casas andam olhando para todos os lados, desconfiadas e a passo apressado. Não se pode dar bobeira! Cada notícia, falsa ou verdadeira, que se recebe pelas redes sociais contribui para que o medo e a apreensão dominem os corpos, os sentidos, os afetos. Cada um busca a seu modo manter a razão, a calma, a sanidade.
O temor maior é que comecem a invadir as residências.
As informações que chegam pelos noticiários também não contribuem para melhorar o estado de espírito: o quadro pintado é de um governo que não aceita negociar enquanto os policiais militares não voltarem às ruas; do outro lado, quem protesta não aceita desfazer o movimento sem que haja negociação.
Eu, particularmente, não acho que as coisas sejam tão simples assim: governo vs polícia. Nessa rede de intransigências e interesses, são muitas as linhas que se cruzam, os nós. Mas é preciso tempo para que se produza uma reflexão sóbria.
O fato é que no meio disso tudo se encontra uma população refém, sem saber ao certo quem é seu verdadeiro algoz. Será apenas um? Muitos dizem viver hoje um cárcere privado: impedidos de desenvolver suas atividades habituais, limitado no agir.
O exército já está nas ruas! – dizem. Mas aqui na periferia ainda não há policiamento.
As escolas estão fechadas, os órgãos públicos não atendem. Muitas empresas dispensaram os seus funcionários. Na área da saúde, apenas hospitais e postos de atendimentos emergenciais estão funcionando. Os ônibus [autocarros] não estão circulando. Por todos os lados ocorrem assaltos, arrastões, arrombamentos e saques a lojas. O temor maior é que comecem a invadir as residências. O número de assassinatos já passa dos 100 e por agora esses indivíduos permanecem sem nome, sem história, apenas números. Isso também me incomoda.
Sentimo-nos abandonados. Até quando isso continuará ninguém sabe.
Os governantes pedem que a população retome suas atividades. Mas como sair de casa se a todo instante tomamos conhecimento de mais um assalto, mais um tiroteio, mais um assassinato? O exército já está nas ruas! – dizem. Mas aqui na periferia ainda não há policiamento. E, sinceramente, como é que um tanque de guerra andando pelas ruas ou caminhões com soldados portando fuzis (ou seja lá que arma de fogo for) podem fazer com que eu me sinta segura?
Numa rede social um amigo indagou: “Não é surreal que uma força armada seja praticamente a única política de segurança adotada?” O que está escancarado em Espírito Santo hoje é que pensar em redução de violência e criminalidade apenas pela via da secretaria [ministério] de segurança pública é enxugar gelo, e reduzir política de segurança pública a policiamento armado é, no mínimo, pouco inteligente.
A violência não é uma questão só de segurança pública, é antes de tudo uma questão social, reflexo de uma distribuição de rendimentos desequilibrada. O país vive um momento de crise e os cortes efetuados recaem com maior força na aérea social, na educação, por exemplo. Para reduzir a violência é preciso oferecer melhores condições de vida à população, para que a criminalidade não seja tão atrativa.
Muitas perguntas por fazer e muitos mais desabafos no meio do caos e da desordem que vivemos aqui [em Vitória]. Por vezes não se acredita que tudo isso esteja realmente acontecendo. Sentimo-nos abandonados. Até quando isso continuará ninguém sabe. Apenas se espera por dias melhores. O mais triste nisso tudo é perceber que, se como sociedade dependemos de polícias nas ruas para que tudo funcione normalmente, significa que como sociedade já fracassamos há muito tempo.”
Esta sexta-feira o Governo do Estado do Espírito Santo acusou 703 polícias militares pelo crime de revolta.
A greve das forças militares é proibida pela lei brasileira, portanto, se forem condenados estes militares poderão ser sujeitos a penas de entre oito e 20 anos de prisão. Dos seus salários será igualmente descontado o valor dos dias em que não estiveram a trabalhar.
As medidas foram anunciadas pelo secretário de Segurança Pública do Espírito Santo, André Garcia. Este adiantou ainda que as autoridades estão a identificar as mulheres dos polícias que estão a impedir a saída dos agentes dos quartéis. Estas poderão ser responsabilizadas pelos custos do envio das forças armadas para Espírito Santo - o governo reforçou o contingente militar nas ruas do Espírito Santo na sequência desta greve iniciada sábado.
Apesar de a polícia militar estar em greve, a polícia federal e civil - assim como os militares do exército destacados - continuam a patrulhar as ruas. Todavia, a resposta possível fica aquém das necessidades.
Uma das exigências do movimento de contestação é não apenas a reposição parcial de salários, como também a garantia de uma amnistia para os polícias em greve e o abandono da ação contra as associações de polícia.
106 pessoas já perderam a vida na onda de criminalidade que assolou Espírito Santo na sequência da greve. O impasse entre Governo e polícia mantém-se. Até quando.
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