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No passado dia 19 de outubro, assaltantes vestidos como trabalhadores da construção civil entraram na Galeria de Apolo no Museu do Louvre, em Paris e, em poucos minutos, partiram duas vitrines e fugiram de mota com oito jóias avaliadas em 88 milhões de euros.

O acontecimento, que poderia parecer saído de um filme, mostrou que mesmo com sistemas de vigilância avançados, sensores inteligentes e alertas para ciberataques, a tecnologia sozinha não garante segurança. É um episódio que levanta questões sobre fragilidades que também existem no nosso país.

“Nós não podemos confiar totalmente nas tecnologias ou dormir dizendo que a tecnologia pode resolver todos os nossos problemas”, alerta João Neto, presidente da Associação Portuguesa de Museologia (APOM).

Apesar da confiança crescente na tecnologia, o apaixonado por museologia explica que a presença de pessoas nas salas é fundamental para perceber comportamentos suspeitos e evitar incidentes. Segundo o presidente da APOM, o assalto demonstrou que lacunas de segurança só poderiam ser detetadas por uma equipa humana: o roubo foi planeado ao longo de meses e envolveu conhecimento dos procedimentos do museu.

Prevenir o que nem sempre é remediável

“Quando as equipas dos museus chamam a atenção, é preciso estarmos mais atentos, para não chorarmos depois”, avisa João Neto.

A prevenção, diz, passa pelo reforço dos recursos humanos, que considera o fator mais crítico na proteção do património. A colaboração com a PSP, GNR e Polícia Judiciária é importante, mas insuficiente. “A segurança pública deve estar lá fora. Dentro dos museus, quem tem de garantir proteção é o próprio pessoal”, sublinha.

O problema, admite, é antigo. “Sempre que se fala em museus, fala-se em falta de recursos humanos”, lamenta.

“Por muito sexy que pareça reduzir investimento em pessoas, isso pode ter consequências sérias. A perda de património histórico é muito menos reparável e não há inteligência artificial que substitua o vínculo emocional entre uma peça autêntica e um ser humano.”

Casos como o do Louvre, defende, devem servir de aprendizagem. É preciso reforçar a vigilância humana, ouvir as equipas dos museus e investir em recursos antes que seja tarde demais.

“Só quem for tonto é que não aprende com estes acidentes”, conclui João Neto, apelando a que cada alerta interno seja levado a sério para evitar tragédias semelhantes.

Porque falhou a tecnologia?

Numa outra análise, Carlo Hruby, especialista italiano em proteção de património cultural e diretor de uma empresa de vigilância, admitiu estar “profundamente surpreendido” com o sucedido.

“Tudo indica que faltavam sistemas adequados”, afirmou Hruby.

Embora não tenha acesso a todos os detalhes da investigação, o perito acredita que uma operação tão rápida só foi possível devido a falhas graves, tanto organizacionais como técnicas.

O principal ponto fraco, sublinhou, foi a ausência de um sistema de videovigilância moderno integrado com inteligência artificial.

Segundo Hruby, os tempos em que os seguranças passavam horas a observar dezenas de ecrãs já ficaram para trás. O modelo antigo em que as imagens servem apenas para reconstituir os factos depois do crime “está ultrapassado”.

A tecnologia moderna permite monitorização proativa com IA, capaz de analisar situações em tempo real e detetar ameaças antes que se concretizem.

“Num sistema ideal, os monitores permanecem desligados até a IA detetar algo invulgar. Por exemplo, se um elevador de construção se aproximasse da fachada do museu, o sistema acionaria imediatamente um alarme”, explicou Hruby.

Estas ferramentas podem identificar não só entradas não autorizadas, mas também sinais mais subtis, movimentos de objetos, pânico súbito no público ou alterações bruscas nos padrões de movimento humano. Isto permite às equipas de segurança reagir em segundos e evitar o desastre, ou seja, a inteligência artificial poderia ter detetado a atividade “estranha”.

Os sistemas modernos também conseguem reconhecer padrões de comportamento suspeito, como o chamado loitering (permanência ou circulação repetida). Hruby está convencido de que os ladrões estudaram previamente a galeria e as rotas de segurança.

“Se o Louvre tivesse sistemas baseados em IA, provavelmente teriam sido detetados movimentos repetidos das mesmas pessoas junto às vitrinas nas semanas anteriores ao roubo”, afirmou.

A segunda teoria aponta para a falta de pessoal. Trabalhadores do Louvre tinham recentemente denunciado sobrecarga de trabalho devido ao excesso de turistas.
Ainda assim, Hruby não considera isso uma explicação suficiente.

Mesmo que um museu procure reduzir custos de pessoal, o preço de sistemas modernos de vigilância é irrisório quando comparado com as perdas provocadas por um único roubo desta dimensão.

O que diz o Orçamento do Estado

O Orçamento do Estado para 2026 prevê uma despesa de 638,1 milhões de euros para a Cultura, um aumento de 21,9% face à estimativa de execução para 2025.

A Museus e Monumentos de Portugal (MMP), entidade responsável pela gestão dos museus e monumentos nacionais, apresentou o Plano de Atividades e Orçamento 2025-2027, que define como prioridade o reforço de recursos humanos e a melhoria da gestão e conservação do património. Neste plano não são referidas verbas específicas destinadas à adoção de novas tecnologias de segurança.

O documento sublinha que a estabilidade das equipas e o investimento em formação são fundamentais para garantir a qualidade dos serviços e a sustentabilidade da operação. O mapa de pessoal aprovado para 2025 prevê 1091 trabalhadores, incluindo 59 novas contratações de curta duração (até seis meses), num investimento total de 30,5 milhões de euros em despesas com pessoal.

Enquanto aumenta o número de empresas que despedem trabalhadores para investir em novas tecnologias, neste setor, eventos como o do Louvre mostram que a tendência deve ser inversa. É preciso investir em recursos humanos aliados a uma tecnologia moderna, sob pena de se perder parte do nosso património histórico.

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