O conselho de administração da Transtejo/Soflusa, que assegura ligações fluviais no rio Tejo, pediu hoje a exoneração, após um relatório do Tribunal de Contas (TdC) que acusa a empresa de "faltar à verdade" e de práticas ilegais e irracionais.
"Apresentamos a demissão após a crítica do Tribunal de Contas na compra de 9 navios elétricos sem as respetivas baterias", começou por dizer a presidente do Conselho de Administração demissionária em conferência de imprensa prestada esta tarde.
Em causa está a compra de nove baterias, pelo valor de 15,5 milhões de euros (ME), num contrato adicional a um outro contrato já fiscalizado previamente pelo TdC para a aquisição, por 52,4 ME, de dez (um deles já com bateria, para testes) novos navios com propulsão elétrica a baterias, para assegurar o serviço público de transporte de passageiros entre as duas margens do Tejo.
"A Transtejo comprou um navio completo e nove navios incompletos, sem poderem funcionar, porque não estavam dotados de baterias necessárias para o efeito. O mesmo seria, com as devidas adaptações, comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais, reservando-se para um procedimento posterior a sua aquisição", considerou o TdC.
Segundo o Tribunal, "o comportamento da Transtejo, com a prática de um conjunto sucessivo de decisões que são não apenas economicamente irracionais, mas também ilegais, algumas com um elevado grau de gravidade, atinge o interesse financeiro do Estado e tem um elevado impacto social".
Para a gestora, as considerações do Tribunal de Contas são "ofensivas e ultrajantes".
"O procedimento foi bem feito e promoveu o interesse público", respondeu hoje a presidente do conselho de administração, Marina Ferreira, em declarações aos jornalistas no Terminal Fluvial do Cais do Sodré, em Lisboa.
A gestora explica que receberam um acórdão a recusar o visto prévio para a compra do Tribunal de Contas, informando que se trata de "um processo muito escrutinado".
"Inicialmente, estava previsto um modelo da compra de baterias diferente deste, nunca, nunca, foi sequer imaginado que os navios podiam vir sem baterias, porque estão a ver nas nossas caras não somos maluquinhos, sabemos perfeitamente que não há navios sem baterias e, por isso, lamento a falta de respeito que têm pelas pessoas e assim acho importante estar aqui a dar a cara", afirmou a gestora. "Nós somos pessoas sensatas, razoáveis, informadas e que tentam tomar as decisões acertadas", declarou Marina Ferreira visivelmente transtornada com os comentários do TdC.
"Em 2019, quando este processo foi preparado, o preço das baterias estava a descer vertiginosamente, e o prazo das baterias é bastante mais curto que o dos navios porque as baterias são bens consumíveis. Daí que haja marcas de automóveis que vendem baterias com um contrato diferente das dos automóveis", explicou a administradora demissionária.
"Era um modelo que estava em exploração em 2019. Não foi uma experiência, mas sim a necessidade de precaver que se caso - como os navios só iriam ser entregues bastante anos depois - caso os preços das baterias mantivesse aquela tendência de descer, não fossemos à partida comprometermo-nos com um valor que passados dois ou três, quatro anos, estaria em metade ou em um quinto do preço. E, portanto, optámos por deixar de fora o conjunto principal das baterias e incluir apenas as baterias necessárias para um navio", esclarece.
Marina Lopes Ferreira explica que se tratava de "um concurso de conceção e construção, tínhamos de ter a certeza que o processo que estávamos a altercar era um processo bem concretizado. E digo-vos que é difícil fazer concursos para navios".
"O navio está validado por todas as autoridades nacionais e internacionais e é um navio que funciona e que está pronto para servir. Os navios só serão entregues depois das baterias instaladas. Portanto, não há navios sem baterias", afirma.
O que está em causa é como é que a Transtejo irá agora fazer a aquisição das baterias. "Vai comprar ao estaleiro, que era o processo agora recusado. Vai lançar novo concurso internacional? Vai fazer outra solução que o código da contratação pública pretende?", questionou a gestora.
"Entendemos que, do ponto de vista do risco para a Transtejo, aconselhávamos a que, nesta fase, a compra fosse efetuada diretamente ao estaleiro para que os navios viessem direitinhos e já com as baterias todas montadas", sugere Marina Ferreira.
Mas o "Tribunal de Contas entendeu que esta forma não é adequada. Quem cá estiver, e eu iria acolher a indicação do TdC, sem o prejuízo de repudiar totalmente os comentários que foram feitos ao nosso zelo, à nossa inteligência e respetiva capacidade", lamentou.
Questionada sobre o interesse financeiro do Estado ser atingido que faria mais sentido ter menos navios equipados, Marina Ferreira sublinha que "nunca esteve em causa que esta solução fosse a mais cara. Pelo contrário, estas baterias foram compradas ao estaleiro com base no preço estipulado em 2020".
A Transtejo é responsável pela ligação do Seixal, Montijo, Cacilhas e Trafaria/Porto Brandão, no distrito de Setúbal, a Lisboa, enquanto a Soflusa faz a travessia entre o Barreiro, também no distrito de Setúbal, e o Terreiro do Paço, em Lisboa.
As empresas têm uma administração comum.
(notícia corrigida às 16h42: o nome da administradora é Marina Ferreira e não Mariana)
*com Lusa
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