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De acordo com a ANL, estes concursos públicos recorrem à subcontratação de serviços de colheita de análises clínicas, canalizando e internalizando os atos laboratoriais e afastando o recurso à rede convencionada.

"A ANL considera que as Unidades Locais de Saúde (ULS) estão a violar frontalmente o quadro legal em vigor ao lançarem procedimentos de contratação direta para serviços que já existem no setor convencionado", diz ao 24notícias Nuno Castro Marques, Diretor-Geral da ANL, dando alguns exemplos.

"Em 2025, várias ULS, como as de Matosinhos, Braga e Baixo Mondego, abriram concursos para “internalizar” análises clínicas, ignorando a obrigatoriedade legal de recorrer primeiramente aos prestadores convencionados. Tal prática infringe o Regime Jurídico das Convenções (Decreto-Lei n.º 139/2013) e o Despacho n.º 12876-C/2024, que estabelecem uma hierarquia vinculativa: se o SNS não tem capacidade interna em tempo útil, é obrigatório encaminhar os utentes para o setor convencionado; só em última instância, quando nem internamente nem via convenção haja resposta, se admite contratação externa pontual. Este Despacho, em vigor desde outubro de 2024, proíbe expressamente a abertura de concursos ou contratos diretos para atos disponíveis na rede convencionada. Ao ignorarem essa regra, substituindo o modelo aberto de convenções por acordos ad hoc fora das convenções, as ULS estão a atuar à revelia da lei, violando princípios basilares como os da legalidade, da concorrência leal e da boa gestão pública", salienta.

"A nível do modelo de prestação de cuidados, a contratação direta pela ULS elimina a concorrência entre os prestadores de cuidados de saúde, bem como a liberdade de escolha do utente, criando monopólios artificiais. No modelo legal das convenções, qualquer laboratório convencionado pode ser escolhido pelo utente"Nuno Castro Marques, Diretor-Geral da ANL

Esta opção, de acordo com a ANL, acarreta mesmo "impactos negativos significativos a vários níveis".

"Desde logo, a nível financeiro, representa um grave desperdício de recursos públicos. Um estudo independente da consultora Roland Berger, acompanhando pelo Ministério da Saúde e ACSS, concluiu que não há qualquer vantagem económica em internalizar análises clínicas, pelo contrário, os custos totais nos hospitais (pessoal, equipamentos, reagentes, logística, etc.) tendem a ser superiores aos preços convencionados praticados pelos laboratórios privados. E nestes casos em especial, os concursos lançados pelas ULS fragmentam despesas e duplicam encargos: por exemplo, as ULS passam a pagar separadamente consumíveis (colheitas, reagentes, etc.) ao prestador contratado e ainda suportam internamente os custos fixos dos seus laboratórios (instalações, equipamentos, pessoal), custos esses que no regime convencionado já estão incluídos no preço por exame. Em suma, esta medida fere a racionalidade económica, gastando mais dinheiro do erário público para obter o mesmo serviço", diz Nuno Castro Marques, exemplificando outros impactos.

"A nível do modelo de prestação de cuidados, a contratação direta pela ULS elimina a concorrência entre os prestadores de cuidados de saúde, bem como a liberdade de escolha do utente, criando monopólios artificiais. No modelo legal das convenções, qualquer laboratório convencionado pode ser escolhido pelo utente, estimulando concorrência em qualidade e eficiência; já numa internalização, a ULS escolhe um único prestador para lhe prestar os serviços e obriga os utentes a só realizarem as suas análises nos locais da ULS, afastando todos os outros prestadores daquela região. Isto traduz-se em concentração da procura num só operador, com potencial desincentivo à inovação e à eficiência, já que deixa de haver pressão concorrencial para melhorar. A médio prazo, esta concentração pode levar à redução da oferta disponível no território, vários laboratórios podem encerrar por falta de volume de trabalho, reduzindo a resiliência do sistema de saúde. Ou seja, o afastamento do setor convencionado fragiliza o SNS, que perde a flexibilidade e capacidade de resposta de uma rede ampla, complementar e que tem sido sempre chamado em caso de emergência ou incapacidade de resposta, ficando assim mais exposto a falhas caso o prestador único não consiga dar resposta adequada", refere o diretor da ANL.

Nuno Castro Marques não está apenas preocupado com o setor e com as "ilegalidades" que algumas ULS estarão a cometer. Segundo revela, também os utentes poderão sair prejudicados com o que está a acontecer nas Unidades Locais de Saúde.

"Estas práticas ilegais têm consequências graves para os utentes do SNS. Em primeiro lugar, os utentes perdem a liberdade de escolher o laboratório convencionado da sua preferência, um direito consagrado na lei, ficando obrigados a utilizar apenas o serviço imposto pela ULS. Isto pode implicar perda de proximidade e conveniência, pois muitos utentes deixam de ter acesso a postos de colheita perto da sua residência ou local de trabalho, fornecidos pela vasta rede de laboratórios convencionados, e veem-se obrigados a deslocações mais longas ou a horários limitados impostos pela ULS", salienta Nuno Castro Marques, apontando depois ao tempo útil desta opção.

"Estas práticas ilegais têm consequências graves para os utentes do SNS. Em primeiro lugar, os utentes perdem a liberdade de escolher o laboratório convencionado da sua preferência, um direito consagrado na lei, ficando obrigados a utilizar apenas o serviço imposto pela ULS"

"Cria-se uma dificuldade acrescida. Ao restringir a oferta a um único prestador, muitas vezes com capacidade limitada, aumenta o risco de atrasos na realização de exames e de violação dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos. Isto é, os utentes podem esperar mais do que o clinicamente aceitável para obter um diagnóstico ou tratamento. Tal atraso coloca em causa o seu direito constitucional a cuidados de saúde em tempo adequado, e parte dos utentes ou veem o seu acesso prejudicado, ou vêem-se na 'obrigação' de realizarem os seus exames fora do SNS, como infelizmente já vem sucedendo, caso não queiram sujeitar-se a espera prolongada. Ao afastar injustificadamente os convencionados da realização dos exames aos utentes do SNS, as ULS prejudicam os utentes com menos opções, mais demoras e deslocações, e comprometem a continuidade e a qualidade dos cuidados de saúde prestados. Aliás, não deve esquecer-se que os laboratórios privados convencionados são os únicos que se encontram licenciados, porquanto os laboratórios das ULS têm estado, inexplicada e infundadamente, isentos do cumprimento de regras de licenciamento e, portanto, de qualidade", diz.

Nuno Castro Marques
Nuno Castro Marques Nuno Castro Marques, Diretor-Geral da UNL

Perigo de "desmantelamento" de rede de cuidados

Outra das acusações que a Associação Nacional de Laboratórios Clínicos faz perante estes concursos públicos feitos por algumas ULS é que esta medida coloca em causa a sustentabilidade deste setor, salientando que muitos laboratórios poderão "deixar de ser viáveis" a curto prazo.

"A ANL pretende alertar que o afastamento sistemático dos prestadores convencionados pelo SNS e ULS coloca em risco a viabilidade de um setor fundamental para o sistema de saúde. O setor convencionado dos laboratórios clínicos engloba mais de 3.100 pontos de acesso, sendo a verdadeira rede capilar e de acesso dos portugueses, e que se encontra disponível em qualquer aldeia e garantindo verdadeiro acesso e coesão territorial. Em 2024, os laboratórios associados da ANL realizaram mais de 101 milhões de análises, 55 milhões para utentes cerca de 7.5 milhões de utentes do SNS que atenderam. É uma rede essencial para garantir acesso próximo e atempado a meios de diagnóstico em todo o país", afirma Nuno Castro Marques, abordando depois aquilo que chama de possível "desmantelamento" no setor.

"Essa destruição de capacidade instalada no setor privado convencionado pode ter efeitos irreversíveis, uma vez fechados vários laboratórios locais, perde-se resposta territorial - sobram menos pontos de acesso para os utentes - e o mercado tende à concentração em poucos prestadores"

"Quando afirmamos que determinadas medidas ameaçam a sustentabilidade deste setor, referimo-nos ao perigo de desmantelamento desta rede de cuidados e complementar do SNS. Se as ULS continuarem a ignorar o setor convencionado, desviando de forma injustificada um grande volume de análises para esquemas internos ou contratos externos exclusivos, muitos laboratórios privados poderão deixar de ser viáveis economicamente, vendo-se forçados a encerrar unidades ou concentrar operações. Essa destruição de capacidade instalada no setor privado convencionado pode ter efeitos irreversíveis, uma vez fechados vários laboratórios locais, perde-se resposta territorial - sobram menos pontos de acesso para os utentes - e o mercado tende à concentração em poucos prestadores", refere, salientando também que o que está a acontecer poderá prejudicar o próprio Serviço Nacional de Saúde.

"A quebra da rede convencionada fragiliza o próprio SNS, que deixa de contar com um parceiro indispensável para suprir as suas insuficiências, e compromete o direito dos cidadãos à saúde. A Constituição e a lei preveem um SNS articulado com o setor privado. Se o Estado não assegurar a viabilidade desse setor complementar, compromete a efetividade do direito à proteção da saúde, nomeadamente no acesso geograficamente equitativo e tempestivo a cuidados. Portanto, pôr em causa a sustentabilidade do setor convencionado significa arriscar colapsar um pilar essencial do SNS, que hoje assegura mais de metade dos diagnósticos com elevados padrões de qualidade, e sem o qual o SNS perderá capacidade de resposta em numerosas regiões. A ANL alerta que é preciso evitar esse cenário, garantindo condições para que o setor convencionado continue a ser sustentável e a servir a população lado a lado com o setor público", aponta.

Por último, Nuno Castro Marques faz um apelo ao Governo de Luís Montenegro e apela à suspensão dos processos de contratação direta.

"A ANL considera que urge uma intervenção decidida do Governo e das entidades públicas competentes para corrigir estas situações e prevenir a sua repetição. Em concreto, a ANL defende que o Ministério da Saúde, a Direção Executiva do SNS e a ACSS devem ordenar a imediata suspensão dos processos de contratação direta em curso, e que violem o Despacho n.º 12876-C/2024 e o regime das convenções, salvaguardando o respeito pela legalidade. Adicionalmente, o Ministério deve reafirmar politicamente a complementaridade do setor convencionado, garantindo que o SNS valoriza os prestadores privados convencionados como parte integrante da resposta de saúde pública. Isto inclui promover ativamente os mecanismos previstos no Despacho 12876-C/2024 para integrar os convencionados, assegurando a liberdade de escolha dos utentes e o recurso tempestivo às convenções sempre que necessário, ou pretendido pelo utente", conclui.

O 24notícias tentou uma reação do Ministério da Saúde e das Unidades Locais de Saúde, mas as entidades não quiseram fazer quaisquer comentários.

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