Recordando que "ainda em fevereiro o Governo já estava a trabalhar para a questão das condições laborais - estatuto de intermitência - e das carreiras contributivas dos profissionais das artes e do espetáculo", Graça Fonseca garantiu hoje, em declarações aos jornalistas, que a alteração legislativa que isso implica será feita "até ao final do ano".
A ministra da Cultura falou com os jornalistas no Palácio Nacional da Ajuda, onde se situa o ministério, depois de ter recebido um grupo de profissionais do setor que hoje ali se deslocaram, numa ação de protesto.
Essa ação consistia na entrega a Graça Fonseca de 219 euros, numa referência ao valor máximo do apoio a trabalhadores independentes por redução de atividade, e de um cabaz de ajuda alimentar, visto esta ser uma forma através da qual os profissionais do setor se têm "ajudado uns aos outros".
A entrega foi feita por um grupo de profissionais do setor, que preferiram não se identificar com os seus nomes verdadeiros, estando dois eles a encarnar as personagens 'Bonnie' e 'Clyde', vestidos como o casal de criminosos norte-americanos que ficou famoso na década de 1930.
O 'casal' chegou ao Palácio Nacional da Ajuda numa Renault 4L branca, que tinha na bagageira um saco de sarapilheira com 151 euros em moedas - o valor que conseguiram angariar na campanha de 'crowdfunding' "Não deixemos a Graça caia na desgraça", que decorreu na plataforma GoGetFunding -, e um cesto de vime com latas de comida, limões, alhos, batata e esparguete, entre outros alimentos.
Antes de serem recebidos por Graça Fonseca, 'Bonnie' e 'Clyde' vão lembrando aos jornalistas como "a situação já era difícil" no setor das Artes e da Cultura, antes da pandemia da covid-19, e como os seus profissionais precisam de "apoios de emergência efetivos" e de um "estatuto do intermitente".
Já depois de serem recebidos, contaram aos jornalistas que "a ministra agradeceu e ficou com o cabaz de alimentos", mas não os 151 euros.
"Disse-nos que não pode ficar com os 151 euros porque não é legal, então vamos distribuir por todos os trabalhadores de Arte e Cultura precários de Portugal", referiu 'Clyde'.
"A senhora ministra comprometeu-se, até ao fim do ano, a termos o estatuto do intermitente. A termos a Segurança Social e o sistema fiscal retificado, trabalhado e analisado para nós, trabalhadores do tecido cultural português", contou 'Bonnie'.
No início deste mês, o Ministério da Cultura anunciou a constituição de um grupo de trabalho “para análise, atualização e adaptação dos regimes legais dos contratos de trabalho dos profissionais de espetáculos e respetivo regime de segurança social”, que inclui, além da Cultura, representantes dos ministérios das Finanças e do Trabalho.
O grupo de trabalho reúne-se de duas em duas semanas e é composto, além de representantes dos três ministérios, por elementos da Direção-Geral das Artes, da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, do Instituto do Cinema e do Audiovisual, da Direção-Geral da Segurança Social, da Autoridade para as Condições de Trabalho e da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Além disso, periodicamente, o grupo reúne-se “com as diversas associações representativas dos vários setores da cultura”.
O estatuto do intermitente é uma das “três prioridades absolutas” da ministra da Cultura.
As outras são: “que esse estatuto seja feito este ano o mais rapidamente possível, para que no próximo ano já possa ter impacto na vida dos profissionais do setor” e “um maior investimento público na Cultura”.
“Se antes já era importante, agora é ainda mais”, visto que “a situação de pandemia tem este impacto particular na Cultura”.
Graça Fonseca lembrou que tem feito o seu trabalho, “que é defender que a área da Cultura necessita de um aumento gradual de financiamento, porque tem muitas décadas, muitos anos, de subfinanciamento estrutural”.
Mas, alertou para a necessidade de se “compreender que não se consegue, num ano ao dois, resolver problemas de décadas”.
‘Clyde’ referiu ainda que hoje, além de se comprometer com a criação do estatuto do intermitente até ao final do ano, a ministra da Cultura disse que a tutela iria “reforçar no imediato os apoios financeiros para emergência, para questões de subsistência e de precariedade e não somente para novos projetos”.
Mas, segundo a ministra, não foi bem assim.
“O que lhes disse foi que agora o Governo irá apresentar o orçamento suplementar e nas dimensões que temos que trabalhar – estatuto de intermitência este ano, e a sua implementação no próximo ano – [é necessário] simultaneamente, batalhar por aumento do financiamento público na área da Cultura”.
Essa ‘batalha’ pelo aumento do financiamento público tem, para Graça Fonseca, “dois momentos importantes: agora, o orçamento suplementar, e o plano de relançamento da economia no quadro europeu”.
“Não posso aceitar que a Cultura não seja incluída em qualquer plano de relançamento da Economia. Batalharei para que possa existir aumento do investimento público na área da Cultura”, afirmou a ministra.
Entre os apoios de emergência ao setor anunciados pelo ministério da Cultura está a Linha de Apoio de Emergência às Artes, que recebeu 1.025 candidaturas, das quais 636 foram consideradas elegíveis e, destas, apenas 311 receberam apoio.
Anunciada inicialmente com um orçamento de um milhão de euros, a linha foi depois reforçada com 700 mil euros.
Os resultados foram criticados pelas estruturas representativas dos trabalhadores do setor, nomeadamente por se ter tratado de um concurso e por não terem sido anunciados os resultados na íntegra, ou seja, que estruturas e profissionais receberam apoio e qual o valor desse apoio.
Graça Fonseca, recordando que a Linha de Apoio de Emergência às Artes “não é um concurso da Direção-Geral das Artes”, mas uma “verba do Fundo de Fomento Cultural”, anunciou que “esta semana” as entidades e pessoas beneficiadas “vão começar a assinar protocolos para poderem receber” as verbas, e “depois será divulgada a lista [com nomes de beneficiários e valores atribuídos], como sempre se faz no Fundo de Fomento Cultural”.
Em relação ao reforço de 700 mil euros, a ministra esclareceu que este “vem à mesma do orçamento do Ministério da Cultura”.
“Temos estado a fazer uma gestão flexível dentro do orçamento, de maneira a poder colocar mais verbas que temos para as áreas mais atingidas e mais vulneráveis nesta situação muito complexa”, disse.
Quando questionada sobre a verba de um milhão de euros destinada ao TV Fest, programa de apoio ao setor apresentado pela tutela e entretanto cancelado, Graça Fonseca respondeu que esta verba “desapareceu enquanto verba do TV Fest”. “A partir do momento em que está cancelado, será mobilizado em função das necessidades”, afirmou.
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