O mercado de transferências de futebol fecha hoje. A notícia é espalhada pelos quatro ventos, no entanto, não é bem assim. Ou antes, será se analisarmos de um ângulo específico, o da maioria das ligas que detém mais poder económico e, consequentemente, mais apetite para ir às compras.

Essas estruturas competitivas estão concentradas, em grande parte, na Europa. Dos 53 países que compõem a UEFA, o grosso dos que “dão cartas” na compra e venda fecham a segunda janela do período de transferências hoje, dia 31. Falamos do mercado alemão, inglês, francês, espanhol, holandês, italiano, belga, por exemplo. E com uma especificidade: encerram entre as 23h00 ou as 24h00, explicação encontrada no fuso horário.

Mas o mercado não para. Há transferência todos os dias do ano em qualquer ponto do globo. Se olharmos para o FIFA TMS (FIFA Transfer Macting System), plataforma online criada em 2010 pelo organismo máximo do futebol mundial para regulamentar as transferências internacionais entre clubes (comporta 211 membros a nível mundial e mais de 6500 clubes profissionais, e que desde 2018 contempla também o futebol feminino), acrescentando a esses movimentos transparência, constatamos, por exemplo, que nas janelas de transferência há ainda mercados “gulosos” em funcionamento para lá da meia-noite (hora portuguesa) do mês de janeiro.

Falamos da Rússia e da Ucrânia por exemplo, na Europa. Na pátria de Putin, o mercado fecha dia 22 de fevereiro (abriu no passado dia 23), e no país onde Paulo Fonseca treina, os clubes iniciaram as compras ontem, 30, compras essas que se prolongam até 1 de março.

Fora da Europa, a tabela do FTMS mostra ainda que a agitação no campeonato da Arábia Saudita dura mais uns dias, até dia 4 de fevereiro. Como nota, em relação aos países vizinhos e que têm estado no radar do futebol português, o Qatar fecha hoje e os Emiratos Árabes Unidos encerrou ontem.

E se Europa fecha as portas às compras, em relação às vendas, essas podem continuar. A Liga chinesa fecha a primeira janela de transferências do ano no dia 28 de fevereiro. Assim como o Brasileirão (3 de março), a Major Soccer League, liga norte-americana, cujo mercado abre a 13 de fevereiro e fecha a 7 de maio, e o Japão (29 de março) são hipóteses para o bilhete de ida para qualquer jogador profissional.

O mercado aberto 365 por ano não é do agrado de muitos dos homens do futebol. São comuns os lamentos, em especial no verão, arranque da temporada na Europa, em que a porta está aberta com as competições a decorrerem, em especial, as europeias, sendo que outras lamúrias se prendem com a não uniformização de janelas de transferências.

“Em relação ao ITMS não é uma situação nova, no que toca às janelas de transferências, discutir-se um alinhamento do mercado em termos de continentes ou de Confederações (UEFA, CONCACAF, por exemplo)”, esclarece Rui Alexandre Jesus, advogado especialista em direito desportivo da sociedade Rogério Alves & Associados.

A situação “não reúne consenso dentro da própria UEFA e não acontece porque não há grande imposição por parte da FIFA que deixa a liberdade a cada uma das federações” quanto a esta matéria, sublinha. Rui Alexandre Jesus acrescenta, no entanto, que após um “menor cerco regulamentativo” assiste-se hoje em dia a “um crescimento de imposição de regras por parte do organismo que regulamenta o futebol mundial, com as já anunciadas em relação aos intermediários”, adianta.

A especificidade portuguesa

Hoje, os telefones de jogadores, treinadores, empresários e presidentes de clubes não têm descanso. E à medida que os ponteiros do relógio avançam, entre negócios e pechinchas de última hora, a cada minuto que passa mais parece que entramos num Black Friday futebolístico. Um last minute em que determinado clube poderá adquirir os direitos desportivos de um jogador, ou, se olharmos de outro prisma, fazer uma venda de última hora — porque um qualquer acordo não foi celebrado noutro lado e um clube interessado virou agulhas para aquele jogador.

Certo, certo é que nos tais mercados europeus de que falamos no início, tudo tem que ser apresentado a tempo e horas para evitar casos como o de Adrien Silva (transferência falhada do Sporting para o Leicester, em 2017), no qual os documentos foram enviados depois da hora do fecho das inscrições e a FIFA não aceitou a transferência (nesses casos os clubes podem recorrer da decisão para o TAS – Tribunal Arbitral do Desporto – com sede em Lausanne, Suíça).

Para entrar em Portugal, para se consumar a transferência, os jogadores têm que carregar no tal sistema “o contrato de trabalho, passaporte ou documento de identificação, documento do SEF de autorização de entrada e seguro de acidentes de trabalho”, explica João Leal, jurista da Federação Portuguesa de Futebol, Direção de Registos e Transferências. Em sentido inverso, para quem sai, nos documentos devem constar a verificação do TPO (Third Party Ownership – participação de terceiros nos direitos económicos dos jogadores), que não é obrigatório em Portugal, certificado com o histórico do jogador, vínculo de autorização do clube anterior e documento com sanções disciplinares que tenha eventualmente a cumprir”, continua.

E nesta questão de deixar tudo para a última hora, Portugal tem uma especificidade em relação aos demais cuja janela de transferências fecha hoje. Se olharmos para o FTMS verificamos que a data que consta é 2 de fevereiro. Desengane-se, no entanto, quem pensa que temos mais uns dias. João Leal explica.

“Mantendo o respeito pelas regras internacionais conseguimos um delay [adiamento] até dia 2 de fevereiro para carregar todo e qualquer eventual documento em falta que tenha ficado por carregar no TMS até às 24h00 do dia 31”, informa. Por vezes, há questões administrativas que podem impedir a inscrição de um jogador. “Este completar de documentos internos não briga com a obrigação regulamentar que está bem expressa a nível interno no comunicado da Liga enviado a todos os clubes profissionais para que estes enviem toda e qualquer documentação até às 23h00, para terem tempo de enviarem para a FPF”, finaliza.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Mercado de transferências: quando é que tudo começou?

Embora o plano de estabelecer janelas de transferências tenha começado nos anos 90 do século passado a ser discutido pelas associações, o primeiro sistema oficial instruído pela FIFA aos clubes só arrancou em 2002.

O que esteve por detrás?

Dar estabilidade contratual aos jogadores e aos clubes era intenção que escondia a limitação dos trabalhos dos intermediários que faziam negócios durante o ano inteiro com os jogadores que agenciavam. Foram criadas as janelas de verão e de inverno.

FTMS o que é e quando começou?

O TMS, Transfer Macting System é plataforma online criada pela FIFA em 2010. A ela aderiram 211 associações e mais de 6500 clubes profissionais. Transparência nas transferências, defesa da integridade dos negócios e proteção de menores esteve na génese da sua criação. Em 2015, foi introduzido o item sobre queixas no que toca à compensação por formação e mecanismo de solidariedade dos jogadores e, no ano passado, o futebol feminino entrou nas contas.

Quando é que há transferências?

Há transferências quase todos os dias. E isto acontece porque o calendário competitivo a nível mundial não é uniformizado. O campeonato brasileiro termina quando a Europa vai a meio, por exemplo. A FIFA decretou duas janelas, uma maior, no arranque dos campeonatos, e outra a meio, por um período de um mês.

As janelas em Portugal?

A FPF estabelece, como época oficial, o período que decorre entre dia 1 de julho ao dia 30 de junho, inclusive, do ano seguinte. No que toca a janelas de transferências, no verão o mercado abriu a 2 de julho e fechou a 31 de agosto, sendo que o atual período (aberto a 3) decorre até hoje, existindo a tal possibilidade de completar a documentação até dia 2 de fevereiro.

Uma questão inglesa e os parâmetros FIFA

A FIFA estabelece as janelas, mas dá liberdade às Federações e Ligas de cada país no que toca à data exata. A Liga Inglesa, na janela de verão, institui, a partir da atual época desportiva, que decorre de 9 de junho até às 17h00 (hora inglesa) da quinta-feira antes do arranque da temporada. Os clubes podem, passada essa hora, vender jogadores para campeonatos cujas janelas de transferência ainda estejam abertas ou outras com diferentes janelas de transferência, como seja a MSL (Major Soccer League).