Estas posições sobre a situação de impasse à esquerda nas negociações em torno da proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2022 constam de um artigo hoje publicado por José Sócrates na revista brasileira “Carta Capital”, ao qual a agência Lusa teve acesso.
Na perspetiva do antigo líder do executivo português entre 2005 e 2011, não haverá em breve crise política em Portugal, com eleições legislativas antecipadas, porque prevalecerá “o cálculo político”.
“O Governo vai sobreviver. Ferido de asa, é certo, mas vivo”, defende.
Neste seu artigo José Sócrates começa por assumir que a sua análise em relação aos mais recentes episódios políticos “é necessariamente especulativa”, mas “assenta, no fundamental, num aspeto que costuma ser determinante: O cálculo político”.
“Na verdade, não vejo interesse de nenhum partido de esquerda (nem dos socialistas, nem dos comunistas, nem do Bloco de Esquerda) em ir para eleições. E em face daquilo a que assisti nos últimos anos, não me parece que o atual Governo tenha outro desígnio maior que não seja aguentar-se no poder. E, numas eleições, nunca se sabe”, sustenta o antigo líder do PS entre 2004 e 2011.
Para o antigo primeiro-ministro, a questão central entre as diferentes forças políticas de esquerda é a “crise de confiança”.
“Os outros partidos de esquerda invocam, agora abertamente, os compromissos acordados no passado e que, segundo eles, não foram cumpridos. Depois de uma parceria de seis anos com o PS, esses partidos parecem desconfiados da palavra do primeiro-ministro [António Costa] e do Governo quanto a reformas que fazem parte da sua agenda política, em particular nas áreas da legislação laboral, da previdência social e da qualidade dos serviços públicos, nomeadamente do Serviço Nacional de Saúde”.
Já no PS, segundo José Sócrates, “a habilidade negocial parece ser agora vista como a grande qualidade da liderança e os seus dirigentes esperam do seu primeiro-ministro que consiga mais uma vez o que conseguiu nos anos anteriores – aprovar o Orçamento e manter o partido no Governo”.
Neste seu artigo, José Sócrates volta a criticar a ausência de um “documento programático” assinado entre PS, Bloco e PCP na sequência das eleições legislativas de 2019, alegando que o segundo executivo de António Costa “deixou de ser um governo com apoio maioritário no parlamento para passar a ser um Governo minoritário, forçado a negociar anualmente a sua própria sobrevivência”.
“Esta nova situação deveu-se ao interesse do PS em aumentar a sua margem de manobra. Julgo que é justo dizer que está agora a pagar o preço dessa decisão”, assinala.
No entanto, de acordo com o antigo secretário-geral socialista, apesar da progressiva degradação das relações entre os diferentes partidos de esquerda “um qualquer acordo acabará por ser alcançado” em relação ao Orçamento para 2022.
“A sombra de 2011 ainda está presente”, justifica, referindo-se então à história da queda do seu segundo Governo (2009/2011) - um que também tinha suporte minoritário na Assembleia da República.
José Sócrates diz que em 2011 “os partidos à esquerda do PS votaram ao lado da direita para derrubar um acordo assinado pelo Governo do PS com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Conselho Europeu que visava impedir que Portugal necessitasse de pedir assistência financeira internacional”.
“Esse chumbo levou à queda do Governo e à convocação de eleições. A consequência foi a vitória da direita, a austeridade brutal, os cortes nos apoios sociais, o fim do décimo terceiro mês e do subsídio de férias, o aumento brutal dos impostos e a venda das principais empresas públicas. A direita conseguiu tudo o que há anos almejava – o enfraquecimento do estado social - e a esquerda perdeu as eleições”, escreve.
José Sócrates aponta, ainda, que, na sequência dessas eleições legislativas de 2011, “apesar de o PS ter sido o principal derrotado”, o Bloco de Esquerda foi o partido que mais baixou, perdendo “quase metade do seu eleitorado”.
“Os partidos de esquerda fazem o possível por não falar nesse episódio e nesse período. Mas ele está presente no espírito de todos eles. Não, não penso que os partidos cometam duas vezes o mesmo erro. Não no curto espaço de dez anos”, acrescenta.
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