Isto da pandemia, confinamentos e quarentenas são uma espécie de coma em que estamos induzidos há quase um ano. Como qualquer coma prolongado, e assumindo que vamos acordar, espera-nos um longo período de reabilitação para ficarmos novamente na posse de todas as nossas capacidades pré-covid. Vamos precisar de uma espécie de fisioterapia para o corpo e para a mente para nos livrarmos das sequelas causadas ao longo deste tempo. Não estou a falar das possíveis mazelas físicas ou psicológicas para quem esteve infectado ou internado, falo do que desaprendemos a fazer com tanto tempo nesta nova normalidade.

Tal como alguém que sofre sofre lesões na coluna pode ter de reaprender a andar, um passinho de cada vez, também nós teremos de reaprender muitas coisas, como, por exemplo, a cumprimentar pessoas. Saberemos ainda dar apertos de mão? Sabemos que força utilizar ou vamos esmagar a mão da outra pessoa? Pior, depois de mais de um ano sem uso, será que perdemos a força e vamos dar daqueles passou-bens moles que parece que estamos a oferecer lulas em mão à outra pessoa? Saberemos ainda como se dão dois beijinhos? Antigamente já havia situações de beijinhos desajeitados em que duas pessoas colidem com maçãs do rosto com demasiada força, como se fosse um idoso com Parkinson a tentar estacionar. Temo que, depois de tanto tempo, já não saiba dar dois beijinhos e, sem querer, ainda acabe a mamar da boca de uma tia. 

Por tudo isto, vou deixar aqui uma espécie de plano de treino para nos irmos preparando para quando houver imunidade de grupo e um desconfinamento total.

Apertos de mão - 3 séries de 15 repetições. Apertar a mão gentilmente e largar. Repetir até ficar confortável com o movimento. Treinar em casa num manequim e, mais tarde, passar para pessoas reais. Para casos mais graves começar com luvas cirúrgicas para ir habituando o corpo ao movimento sem medo de apanhar bicheza. Ao fim de algumas semanas, deve começar a ver melhorias e a perder o impulso de estender o cotovelo ou o punho fechado às pessoas.

Beijinhos - 2 séries de 20 repetições ou, no caso de serem de Cascais, 10 repetições apenas de um dos lados. Treinar num manequim antes de passar para pessoas reais. Controlar a força no encosto da cara e tentar não deixar bocadinhos de baba na outra pessoa porque assim é normal que haja quem nunca mais vos queira cumprimentar com beijinhos. 

Luzes e portas - 3 séries de 10 repetições a ligar e desligar interruptores sem ser com o cotovelo ou com o dedo mindinho porque achamos que coçamos menos a cara com ele. Aplicar o mesmo método para abrir e fechar portas, perdendo lentamente o hábito de o fazer com o cotovelo ou com o pé numa espécie de performance artística contemporânea.

Lavar as mãos - É preciso fazer um desmame da quantidade de vezes que lavamos as mãos ou passamos álcool gel. Tal como o tabaco, há quem não consiga simplesmente parar e precise de ir reduzindo paulatinamente. Um dia lava as mãos 20 vezes, no outro tenta lavar apenas 19 e assim sucessivamente. Pode ser necessário recorrer a bisnagas com água para borrifar as mãos, simulando que é álcool gel, servindo como placebo para enganar o cérebro.

Outra coisa importante seria irmos publicando várias fotografias nas redes sociais sem filtros nem maquilhagem nem boa luz. Fotografias onde estejamos como somos verdadeiramente, ou seja, maioritariamente feios. Porquê? Para nos irmos habituando a caras normais, já que as únicas que temos visto são nas redes sociais, sempre cheias de filtros, ou na rua, com máscara a tapar a cara. Já aqui escrevi sobre a desilusão que é sempre que alguém tira a máscara, pois o nosso cérebro imaginou sempre a pessoa mais bonita do que o que ela é na realidade. Por isso, é importante irmos preparando as pessoas para as nossas caras medonhas para que a taxa de natalidade tenha um boom depois do desconfinamento.

Mais tarde, trabalharemos em exercícios para conseguirmos passar perto de pessoas na rua sem nos desviarmos nem sustermos a respiração. Até lá, bons treinos.

Sugestões: 

Para ver: Até que a vida nos separe, na RTP e RTP Play

Para ouvir:  Podcast Janela Aberta de Miguel Luz