Neste momento, existem não duas, não três, mas dez telenovelas diárias na televisão portuguesa. A SIC conta com cinco, três portuguesas e duas brasileiras, e a TVI com as restantes cinco, todas portuguesas. Se, por um lado, são boas notícias para a ficção portuguesa e para quem trabalha no meio, temos de admitir que são, na sua grande maioria, uma merda. A realização não é grande coisa e ficou parada em 2005, os actores, 90% são péssimos e os restantes 10%, apesar de serem bons, têm de trabalhar com diálogos que foram escritos por pessoas que não devem interagir socialmente e saber como as pessoas reais falam. A novela sempre foi o ópio do povo feminino enquanto o masculino estava a ver a bola. Aliás, o aumento do número de novelas é directamente proporcional ao aumento do número de programas a falar de futebol, que são, igualmente, demasiados e, na maioria, ridículos.

Sou do tempo em que o horário nobre da televisão tinha mais ou menos este formato: telejornal (1 hora); programa de humor; novela; filme ou série. Agora é: telejornal (2 horas); novela; novela; novela; novela. Parece-me muito, mas bem sei que é porque dá audiências e isso é o que dita tudo e não a responsabilidade de fornecer bom e variado entretenimento às pessoas. Sabem porque é que se fazem tantas novelas portuguesas de seguida e ao mesmo tempo? Porque é fácil escrever uma telenovela portuguesa. É essa razão. É preciso ter zero criatividade e zero atenção aos detalhes e à escrita dos diálogos para ter uma novela de sucesso que depois ganha prémios lá fora daqueles que não valem nada, mas que cá parece que foi um feito importante. Aqui fica a receita para quem quiser experimentar e enviar para uma produtora:

Ter um actor de renome que serve para atrair espectadores com o trailer e que morre no primeiro episódio, nunca por acidente, mas sempre por homicídio. Este crime ocorreu há pelo menos dez anos do presente da novela.

Ter uma família rica daquelas que têm tempo para uma hora de pequeno-almoço com sumo de laranja natural incluído. Essa família deve ter como maior receio, o medo de que os escândalos apareçam nas revistas – este ponto serve para cativar o espectador que toda a gente sabe que são os mesmos que compram a revista Maria e a Lux.

Ter uma família pobre, mas honesta, onde o maior receio é não ter dinheiro para pagar as contas – este ponto serve para criar empatia com os espectadores que estão nesta situação que são a maioria.

Romance proibido entre dois membros de ambas as famílias. Esse romance é dado no primeiro episódio, mas ao longo da novela devem-se adicionar pelo menos duzentas e trinta separações desse casal, sempre com mal entendidos ou interferência de terceiros, mas no fim acabam juntos para “surpresa” de todos.

Adicionar vários problemas à família rica para o pobre que está a ver pensar que o dinheiro afinal não é tudo e que o que importa é ter saúde.

Ter duas personagens “cómicas” que servem para encher chouriços e que têm zero contributo para a evolução da narrativa.

Enfiar músicas foleiras inteiras com personagem sozinha em casa a chorar. Usar e abusar disto para encher chouriços, especialmente quando no canto do ecrã já diz “Últimos episódios” que é para conseguir render o peixe mais dois meses.

Usar imagens aleatórias e “poéticas” de uma cidade entre cada uma das cenas para encher chouriços.

Ter pelo menos uma parte da acção passada no estrangeiro. Espanha não serve, tem de ser um destino paradisíaco e exótico.

Enfiar publicidade à bruta sem qualquer critério a meio de diálogos tensos. Quem nunca a meio de uma conversa sobre um familiar que morreu sacou de medalhões de pescada Pescanova e se pôs a dizer os seus benefícios? Perfeitamente natural.

Temperar a gosto com estes clichés: gémeos separados, um bom e outro mau, um rico e um pobre; amores à primeira vista em câmara lenta; alguém pobre que quer ficar rico a todo o custo e casa com alguém por interesse; sede de vingança; empregadas cuscas; alguém que era feio e virou bonito.

Quando acabarem o guião, só falta darem-lhe um nome qualquer o mais abstracto possível: Chuva molhada; Calor de Paixão; A batalhadora; Pão Pão, Queijo Queijo; depois é chamar o Toy para fazer o genérico e está feito.

Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:

Se não gostarem de novelas, podem sempre ver a nova temporada de Black Mirror que em termos de qualidade fica a dever muito às novelas portuguesas, mas é o que se arranja.

Quem quiser começar o ano a rir e a ajudar uma causa nobre, pode comprar bilhete para o mega-evento de comédia solidário cujas receitas revertem na totalidade a favor da Fundação do GIL, dia 16 de Janeiro, na Altice Arena. Bilhetes neste link.