Pedrógão Grande: Cinco pontos para resumir este julgamento

A Investigação:

Os incêndios de Pedrógão Grande deflagraram em 17 de junho de 2017. Dois dias depois, o MP abriu um inquérito, que foi dirigido pela procuradora da República Ana Simões. A investigação foi delegada na Polícia Judiciária, neste caso na Diretoria do Centro.

O despacho de acusação tinha 656 pontos, na qual o MP contabilizou 63 mortes - a maioria das vítimas mortais foi encontrada na Estrada Nacional (EN) 236-1, que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos - e 44 feridos quiseram procedimento criminal.

Foram acusados dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES), três da Ascendi (a subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava a EN 236-1, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior), o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, e os antigos comandante e 2.º comandante operacional distrital de Leiria, Sérgio Gomes e Mário Cerol, respetivamente.

Acrescente-se o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes e o atual presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Técnico Florestal deste município, Margarida Gonçalves.

O Julgamento

Este julgamento arrancou em 24 de maio de 2021, na principal sala do Palácio da Justiça, na qual foi limitado o acesso da comunicação social e do público, o que originou críticas. No mesmo edifício, foram disponibilizadas outras duas salas, para que jornalistas e público pudessem acompanhar, através de áudio, o julgamento.

A Ordem dos Advogados juntou-se às críticas do Sindicato dos Jornalistas, notando que a sessão “foi realizada sem as necessárias condições de segurança, uma vez que os lugares destinados aos advogados não possuíam o distanciamento social exigido” devido à pandemia de covid-19.

Outra das questões suscitadas prendeu-se com um recurso do Ministério Público (MP) para o Tribunal da Relação de Coimbra a propósito da classificação dos autos como megaprocesso, defendendo nova distribuição. O MP pretendia que o recurso fosse suspensivo, o que não impossibilitaria o início do julgamento.

O recurso foi admitido pela presidente do coletivo de juízes, Maria Clara Santos, que determinou que o mesmo subiria “nos próprios autos, conjuntamente com o recurso da decisão que vier a pôr termo à causa, com efeito meramente devolutivo”.

Face a esta situação, advogados alertaram que ainda não estavam reunidas todas as condições para que o julgamento se iniciasse “com plena estabilidade” e para a possibilidade, caso o Tribunal da Relação dê razão ao MP, de a prova feita em julgamento poder vir a ser anulada.

O primeiro dia de julgamento ficou ainda marcado pela greve dos funcionários judiciais, que obrigou à interrupção da audiência durante uma hora.

A acusação:

O MP, secundado pelo juiz de instrução criminal, atribuiu responsabilidades aos funcionários da antiga EDP Distribuição e da Ascendi, autarcas e ex-autarcas, assim como à então responsável pelo Gabinete Técnico Florestal, pela omissão dos “procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível”, quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas.

Quanto ao comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, os procuradores imputavam responsabilidades no âmbito das operações de socorro.

Nos despachos de acusação e pronúncia lia-se que “os arguidos, ao não satisfazerem os deveres de cuidado de base legal” que sobre si impendiam, criaram “um risco não permitido e aumentaram um risco já existente de produção de lesões na vida e na integridade física de outrem”.

“Cada uma das ações que omitiram, embora não constituam de ‘per se’ [por si] causa única de produção de lesões na vida e na integridade física”, criaram e incrementaram o risco dessa produção. Consideraram ainda que os arguidos violaram normas de “modo não irrelevante”, o que se traduziu na morte de pessoas e em lesões nos sobreviventes.

O Veredito:

Hoje, os 11 arguidos julgados no processo para determinar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017, foram absolvidos pelo Tribunal Judicial de Leiria.

“Acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em julgar a pronúncia, a acusação e as acusações particulares totalmente improcedentes e não provadas, e absolver os arguidos da prática de todos os crimes”, disse a presidente do coletivo de juízes, Maria Clara Santos, na leitura do acórdão.

No entender do coletivo de juízes, conforme se pôde ler numa nota à imprensa sobre o acórdão “(…) não resultou provado que os óbitos e ofensas à integridade física verificados tenham resultado, por ação ou omissão, da conduta de quaisquer dos arguidos, as quais não são causais dos gravosos e múltiplos resultados desvaliosos verificados”.

Na mesma nota, o Tribunal considerou provado que à data dos incêndios “o concelho de Pedrógão Grande era um território com 72% da sua área ocupada por uma densa mancha floresta contínua, essencialmente constituída por povoamentos de pinheiros-bravos, eucaliptos e acácias, com elevada carga de combustível e altamente inflamáveis”.

“Mais resultou provado que, resultante da combustão de elevada carga de material combustível e muito inflamável, e encontro de frentes de fogo, se verificou a consequente criação de coluna convectiva/’outflow’ convectivo, com aumento de projeções e aumento de velocidade de propagação do fogo e formação de tornados de vento e tornados de fogo”, lê-se ainda na nota.

Quanto aos pedidos de indemnização cível, o tribunal julgou-os totalmente improcedentes, absolvendo os arguidos e os demandados. No que se refere aos assistentes, o coletivo de juízes condenou cada um ao pagamento de cinco unidades de conta de taxa de justiça, "levando-se em conta a já paga".

As Reações:

À saída dos tribunais, as equipas legais a cargo de defender os arguidos congratularam-se com a decisão dos juízes.

  • À saída do tribunal, Castanheira Neves, o advogado de Fernando Lopes, congratulou a decisão da justiça e deixou duras críticas ao Ministério Público, que, no seu entender, precisa de “refletir e ter bem mais cuidado com a formulação das acusações”, lamentando que os procuradores tenham formulado “uma acusação completamente infundada, injustificada, que arrasou em todos os planos os arguidos".
  • Para João Lima Cluny, advogado que representou os arguidos da E-Redes, o tribunal concluiu que “os arguidos foram absolvidos porque ficou demonstrado que cumpriram os seus deveres. Quer eles, quer a empresa, aplicaram tudo o que tinham de aplicar”, sendo que “o tribunal considerou que nenhuma responsabilidade tiveram na infeliz tragédia que ocorreu”.
  • Por sua vez, Magalhães e Silva, advogado de Valdemar Cunha, falou numa “justiça que vem tarde”. “Este processo podia ter acabado a partir do momento em que chegou ao Ministério Público o relatório da Comissão Técnica Independente, estava claro o que se tinha passado e que aqui ficou provado”, adiantando o advogado do ex-autarca que “este incêndio e as mortes que causou se deveram sobretudo a uma tempestade de fogo que ninguém poderia prever nem combater”. Além disso, deixou um apelo à “estrutura hierárquica” do MP que tenha “o decoro processual de não interpor recurso desta decisão”.

Já para os advogados das pessoas que perderam familiares, ficou patente o sentimento de injustiça:

  • André Batoca, advogado de seis assistentes, disse que esta é uma “decisão totalmente surpreendente”. O advogado relembrou as palavras do Presidente da República e do primeiro-ministro, que “disseram e bem que a culpa não podia morrer solteira, sendo certo que esta decisão acaba por contrariar essa conclusão, porque não existem as causas e os responsáveis pela tragédia de 17 de junho de 2017”. “Assim, salvo melhor opinião, não se fez justiça à memória das vítimas”, sublinhou.
  • A advogada Patrícia P. Oliveira, que representou os pais do bombeiro que morreu nos incêndios, diz que “lamentavelmente, este processo acaba por ficar aquém de tudo aquilo que estávamos à espera, nomeadamente na descoberta da verdade e na realização da justiça”. “O sentimento que fica na família das vítimas é realmente de injustiça e de falta de proteção e de descoberta da própria verdade, porque o acórdão diz que o combate inicial não foi feito como deveria ter sido, pelo que há aqui uma responsabilidade por isso não ter sido realizado”, enfatizou.

E Marcelo, que prometeu que “a culpa” não poderia morrer “solteira”, o que disse?

“O que a justiça decide está decidido, a menos que haja recursos do Ministério Público e não seja uma decisão final. Eu respeito essa decisão, se for essa a decisão final, isto é, o que se chama em direito transitado em julgado”, respondeu aos jornalistas.

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