Medina encerrou a longa comissão de inquérito à gestão da TAP. Relatório final será divulgado em julho. O que foi hoje dito
“Isto nunca mais acaba”, ouviu-se do balcão do café por um dos clientes habituais que, enquanto segurava o cimbalino, olhava para a televisão pendurada numa das paredes do estabelecimento. “Já nem ligo a isso, está ligada por estar”, respondeu o dono, ao mesmo tempo que pega no comando e coloca a emissão da SIC Notícias em silêncio (note-se que não mudou de canal, tão pouco desligou a tv)...
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão da TAP terminou hoje com Fernando Medina no banco frontal para os parlamentares que o questionaram durante mais ou menos 6 horas (começou às 11h40, terminou às 18h00).
Esta audição foi a última das previstas pela CPI. Foram cerca de 60 sessões iniciadas em março e que os deputados consideraram necessárias para o esclarecimento sobre a tutela política da gestão da TAP.
Na sessão desta sexta-feira, que começou com ligeiro atraso, era esperado que o atual ministro das Finanças explicasse a nomeação de Alexandra Reis para o governo, poucos meses depois de sair da companhia aérea com uma indemnização de 500.000 euros, e a exoneração dos ex-presidentes da transportadora.
Últimos resultados da TAP “positivos”, mas…
Sem usufruir das declarações iniciais a que tinha direito, por opção sua, o ministro das Finanças começou por responder ao deputado Bruno Dias, do PCP, ao confirmar que a situação da TAP, em 2019, era negativa. Contudo, Medina lembrou que os resultados de 2022 são positivos e que isso “dão animo”.
Mas, esses “resultados positivos” não significam que “as dificuldades terminaram”, sublinhou o ministro, e que já se pode diminuir o “controlo de custos”, disse. “Seria um erro gravíssimo. Seria deitar fora o esforço dos trabalhadores que deram um contributo muito importante”, afirmou, acrescentando ser este o momento de “construir as bases de um caminho mais virtuoso", referindo-se a aumentos salariais sustentados e acordos com os trabalhadores mais modernos.
"Governação em outsourcing"
Pelo que tem sido dito, sobretudo ontem e hoje, na CPI, parece que houve negligência por parte das auditorias externas. Tanto o ministro, como o ex-ministro ontem ( e o ex-secretário de Estado, no dia anterior), aludiram em determinada altura que “achavam que estavam a fazer tudo dentro da legalidade”, ou seja, que confiaram nas consultorias externas.
Todos os envolvidos na indemnização acreditavam "que o estavam a fazer no cumprimento da lei", disse hoje Fernando Medina. E por essa razão, o ministro defendeu que se tem de reduzir o número de consultorias externas contratadas pelo Estado, “salvo casos obrigatórios”.
Mas é preciso fazer um "esforço para reduzir o recurso a auditoria externa", afirmou o responsável pelas finanças do Estado.
Declarações que terão levado à provocação do deputado do Bloco que, quando teve a palavra, ilude, ironicamente, sobre pelo que tem ouvido nas CPI, as grandes decisões estarem a ser remetidas para os advogados numa "governação por outsorcing", disse.
O que levou o ministro das Finanças a discordar da ideia de degradação da capacidade jurídica do Estado, e lembra demissões no caso TAP para mostrar que se está a enfrentar todas as responsabilidades. Ainda que com consequências "muito pesadas e profundas".
Declarações que se referem ao caso Alexandra Reis, que dominou boa parte da audição, e às exonerações da CEO da TAP e restantes administradores.
“Só soube do que estava em causa [Alexandra Reis] pelo Correio da Manhã”
Fernando Medina disse que só soube do caso Alexandra Reis através do Correio da Manhã, “quando este enviou perguntas no dia 21 de dezembro de 2022”, disse, e acrescentou que, quando convidou Alexandra Reis para ser secretária de Estado do Tesouro, ela vinha da NAV e não da TAP.
Medina disse que “fez um pedido para esclarecer o enquadramento jurídico”, e que cuja resposta fez com que esse esclarecimento fosse enviado para a Inspeção-Geral de Finanças (IGF). Garante que “a demissão não foi pelo valor, mas pela reação ao valor”. E assumiu que, “obviamente”, tinha a “convicção que se tratava de um valor particularmente significativo”.
O ministro disse que não se lembrava se, naquele momento de pedido de relatório à IGF, em conjunto com as infraestruturas, já sabia da autorização daquele Ministério para o pagamento dos 500 mil euros e acrescenta que foi a própria Alexandra Reis que "teve a preocupação de o pôr a par”. Um “comportamento de grande correção", pondo o lugar de secretária de Estado “à disposição”, enfatizou.
“Registei esse comportamento e, posteriormente, fiz-lhe o pedido”, de demissão. Medina justifica a demissão por considerar que “a autoridade do Ministério não estaria protegida com uma secretária de Estado envolvida num debate e polémica relativa ao pagamento de uma indemnização”.
“Devemos separar o que são duas áreas de natureza distinta. Uma questão são as matérias de legalidade, e aí fizemos despacho para IGF. A segunda dimensão é de natureza política, é outra esfera”.
Nesta fase, o ministro das Finanças reconheceu que “tornou-se clara a incompreensão do país relativamente ao pagamento de uma indemnização daquele montante”, e que, “não havia condições de assegurar” a manutenção da autoridade política do Ministério das Finanças se Alexandra Reis “continuasse em funções”.
“É no dia 27 [de dezembro] que lhe faço o pedido para a sua demissão. Aceitou o pedido que lhe fiz e apresentou a sua demissão”, referiu.
Medina garante que ex-CEO da TAP foi informada da exoneração por justa causa
“Estou a transmitir o relato fiel, verdadeiro, integral do que foi o âmbito da conversa no domingo [5 de março], uma reunião formal para lhe comunicar que, recebido o relatório da IGF e ponderadas as suas conclusões, a demissão da engenheira Christine e do presidente do Conselho de Administração – [Manuel Beja] essa conversa foi com o ministro das Infraestruturas - não seria possível a sua continuidade e que eu iria propor o início do processo relativamente à sua demissão com justa causa”, afirmou Medina.
Ou seja, estas afirmações contrariam as declarações da ex-presidente executiva Christine Ourmières-Widener quando, na sua audição de abril, disse ter tido uma reunião com Fernando Medina na véspera do anúncio da sua demissão, mas que, em nenhum momento, foi informada de que seria demitida com justa causa, apenas de que a “situação estava complicada”.
“Não sabia da justa causa, de todo, antes da conferência de imprensa. Estava apenas à espera de ser demitida”, disse, então, Ourmières-Widener, que teve uma reunião com ministro das Finanças no domingo à noite e que, na segunda-feira, antes da conferência de imprensa, reuniu-se 10 a 15 minutos com o ministro das Infraestruturas, João Galamba.
A questão SIS voltou a exaltar os ânimos na sala
Tal como aconteceu com Pedro Nuno Santos, também a relação de Medina com o PSD causou alguma tensão.
O ministro das Finanças acusou os sociais-democratas de afirmações falsas sobre a utilização do SIS pelo Governo na recuperação do computador de Frederico Pinheiro, sublinhando que já foi desmentido por todos os que tiveram informação sobre o caso.
Depois de Hugo Carneiro ter usado como exemplos de desrespeito pelas instituições, “as agressões no Ministério das Infraestruturas” e “a utilização do SIS para intimidar Frederico Pinheiro”, Fernando Medina exalta-se “frontalmente” sobre a afirmação em relação à utilização do SIS por parte do Governo da República.
“Rejeito em absoluto. O que disse é falso. É falso, é falso. Foi desmentido pelo primeiro-ministro pelos serviços de informação e todos os que tiveram participação nisso”, e resume “quem insiste em dizer uma falsidade tem uma adjetivação fácil de atribuir”, disse exaltado ao ponto de Lacerda Sales ter de aplicar a sua serenidade e intervir para acalmar ânimos, pedindo uma breve pausa para que se respire fundo.
Medina acusa PSD de tudo tentar para o governo cair
A sessão terminou praticamente com Medina a acusar o PSD de ter “uma vontade de envolver o ministro das Finanças” neste tema para que “o Governo caísse” e querer a sua demissão sem olhar a meios para atingir os fins.
Em suma, Fernando Medina demarcou-se dos factos ocorridos na TAP porque não estava em funções quando se deu uma boa parte dos eventos e voltou a sublinhar a escolha de Alexandra Reis pelo seu currículo.
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da TAP será votado no dia 13 de julho.
*com Ana Maria Pimentel e Lusa