O poder de uma mãe, de um rei e de um primeiro-ministro

Rute Sousa Vasco
Rute Sousa Vasco

Quando pensamos em discriminação, em  racismo e em desigualdade, o que pode juntar eventos tão distintos quanto uma entrevista confessional do primeiro-ministro britânico. Rishi Sunak, uma declaração pública de Willem-Alexander, rei dos Países Baixos e as palavras de uma mãe que perdeu um filho em França e que está no epicentro  de um país em tumulto?

Em primeiro lugar, vamos falar do que os separa - e é muito. Rishi Sunak e Willem-Alexander são líderes, fazem parte do grupo mais privilegiado da humanidade, quer pela posição que ocupam, quer pela condição económica e social. Mounia, a mãe de Nahel, é argelina, vive nos subúrbios de Paris, e teria uma vida de invisibilidade não fosse a tragédia que aconteceu.

Mas olhemos para impacto daquilo que fazem e daquilo que dizem na vida dos que os rodeiam. Rishi Sunak deu uma entrevista à BBC em que falou de ter sido alvo de racismo na juventude - mesmo sendo filho de um médico e de uma farmacêutica, mesmo tendo estudado em bons colégios. Um tempo que lhe deixou marcas, mas que acredita já não é o tempo de hoje - "o que me conforta é que as coisas que me aconteceram quando era criança, não acredito que aconteceriam com os meus filhos hoje", afirmou.

Na cerimónia que celebra o 150º aniversário da libertação dos escravos nas colónias holandesas, Willem-Alexander pediu desculpa pelo tráfico colonial de escravos. “Hoje peço perdão pela evidente falta de ação, neste dia em que lembramos a escravidão nos Países Baixos”, disse o monarca, cujo discurso foi transmitido ao vivo pela televisão e a que assistiram milhares de descendentes de escravos do Suriname e das ilhas de Aruba, Bonaire e Curaçao.

De Mounia temos o relato do que disse ao canal France 5. Numa França a ferro e fogo de norte a sul do país, a mãe de Nahel disse que quer justiça e que não culpava a polícia, mas sim o polícia que disparou sobre o filho [que está detido e cujas palavras que são conhecidas destinam-se à família do jovem de 17 anos a quem pediu perdão]. "Tenho amigos polícias, sei que estão de coração comigo. Não estão de acordo como o que ele [o autor dos disparos] fez", afirmou.

Claro que não há consenso sobre as declarações e ações de nenhum dos três e talvez menos ainda sobre as palavras de Mounia. Sunak disse o que disse, mas é rico e poderoso;Willem-Alexander disse o que disse mas é herdeiro de uma fortuna real que o tráfico de escravos fez crescer e muito; e Mounia disse o que disse mas organizou uma marcha pelo filho e há vídeos em que empunha cartazes e grita palavras de ordem que no magma de irrealidade que se tornou a internet podem ser vistos como incentivos aos protestos.

E também podemos todos escolher o que dizer, como ouvir e, já agora, que conclusões tirar.

Rishi Sunak, Willem-Alexander e Mounia não vivem no mesmo mundo, não partilham as mesmas dores e não têm o mesmo poder. Mas, em cada uma das suas circunstâncias, escolheram usar as palavras para sarar feridas ou para, pelo menos, não as deixar ficar maiores.

E porque as circunstâncias ditam o poder do que se diz e do que se faz, hoje não estava nas mãos de um um rei nem de um primeiro-ministro evitar uma ferida maior. Hoje esse poder esteve nas mãos de uma argelina que perdeu o filho de 17 anos e que o usou como tantos outros não o conseguem fazer.

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