"Hoje estou aqui, como vosso rei e como parte do governo. Hoje peço desculpa", declarou o rei Willem-Alexander durante um ato comemorativo pelo 150º aniversário da libertação dos escravos nas colónias holandesas.

Milhares de descendentes de escravos do Suriname e das ilhas de Aruba, Bonaire e Curaçao assistiram à tradicional cerimónia anual do "Keti Koti", ou "romper das correntes" em sranan tongo, uma das línguas do Suriname (ex-Guiana Holandesa).

O primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, já tinha apresentado, em dezembro, o pedido de desculpas do governo pelo papel do país em práticas que qualificou como crime contra a humanidade.

Surgiram dúvidas, porém, sobre se o monarca assumiria a mesma posição sobre o tráfico colonial de escravos que, segundo um relatório, contribuiu amplamente para acumular fortunas na Casa de Orange-Nassau, da qual descende.

O rei finalmente deu esse passo e fê-lo na data reivindicada pelas organizações de comemoração da luta contra a escravidão.

"O tráfico de escravos e a escravidão são reconhecidos como crimes de lesa-humanidade", declarou Willem-Alexander, de 56 anos. "Os monarcas e governantes da Casa de Orange não tomaram qualquer atitude contra isso", acrescentou.

“Hoje peço perdão pela evidente falta de ação, neste dia em que lembramos a escravidão nos Países Baixos”, continuou o monarca, cujo discurso foi transmitido ao vivo pela televisão.

National Remembrance Day of Slavery
Spectators observe proceedings during Netherlands' National Remembrance Day of Slavery in The Oosterpark, Amsterdam on July 1, 2023. Dutch King Willem-Alexander has formally apologised as regent of the Netherlands for the country's involvement in slavery, saying he felt "personally and intensely" affected. This year marks the 150th anniversary of the end of slavery in the Dutch colonies. (Photo by Remko de Waal / ANP / AFP) / Netherlands OUT

Descendentes de escravos tinham pedido ao rei para aproveitar a cerimónia para afirmar a sua posição. "É importante que o faça para poder digerir o nosso passado escravocrata", defendeu a presidente do Instituto Nacional do Passado e da Herança da Escravidão (NiNsee), Linda Nooitmeer, em entrevista à televisão pública holandesa NOS em maio.

Os Países Baixos incluem, além do território no continente europeu, três municípios especiais caribenhos: as ilhas de Bonaire, Saba e Santo Eustáquio. Já o Reino dos Países Baixos, onde o rei Willem-Alexander também é o chefe de Estado, inclui os países soberanos de Aruba, Curaçau e São Martinho. Cada um destes países trabalha de forma independente, mas cooperam entre si em áreas como a Defesa ou as Relações Externas.

 Willem-Alexander
Netherlands' King Willem-Alexander (R) delivers a speech during the National Remembrance Day of Slavery in The Oosterpark, Amsterdam on July 1, 2023. This year marks the 150th anniversary of the end of slavery in the Dutch colonies. (Photo by Remko de Waal / ANP / AFP) / Netherlands OUT

545 milhões de euros para a fortuna real

Iniciado em 2013 nos Estados Unidos, o movimento Black Lives Matter intensificou o debate sobre o passado colonial  que fez da Holanda uma das nações mais ricas do mundo.

Segundo um relatório solicitado pelo Ministério holandês do Interior, publicado em junho, as colónias, onde a economia esclavagista estava amplamente implantada, contribuíram para a família real, entre 1675 e 1770, com o equivalente a cerca de 545 milhões de euros (595 milhões de dólares).

Os reis Willem III, Willem IV e Willem de Orange-Nassau, antepassados do atual monarca, estão entre os principais beneficiários do que o relatório define como um “envolvimento deliberado, estrutural e de longo prazo” da coroa holandesa na escravidão.

O comércio de escravos contribuiu, em particular, para financiar a era de ouro holandesa, um período de prosperidade erguido com base no comércio ultramarino nos séculos XVI e XVII. Estima-se que o tráfico holandês levou cerca de 600.000 africanos para as colónias holandesas na América do Sul e no Caribe.

A abolição oficial da escravatura remonta a 160 anos, mas a aplicação efetiva da medida concretizou-se apenas dez anos depois.

Willem-Alexander assumiu o trono em 2013, após a abdicação da mãe, a rainha Beatrix. É casado desde 2002 com a argentina Máxima Zorreguieta, com quem tem três filhas: as princesas Catharina-Amalia, Alexia e Ariane de Orange-Nassau.