Quanto tempo foi de uma busca a uma demissão? E depois de uma demissão o que acontece?
É certo que ainda não se sabe como a história, que culminou na demissão do Primeiro-Ministro, começou. E, muito provavelmente, nunca se irá ao início do caso. Mas pode, pelo menos, perceber-se o processo "pouco transparente" na contestada mina de lítio em Boticas.
Contudo mais fácil é fazer-se a fita do tempo às cinco horas que separaram as notícias das primeiras buscas judiciais na residência oficial do Primeiro-Ministro, em São Bento, do anúncio da demissão do chefe do executivo maioritário socialista, António Costa, após quase oito anos em funções.
As buscas, que pela primeira vez aconteceram na residência oficial do Primeiro-Ministro, visando espaços usados pelo chefe de gabinete de António Costa, estenderam-se a vários ministérios e foram executadas no âmbito de uma investigação sobre negócios do lítio e do hidrogénio verde. Foram 40 no total, alongando-se pelo dia e tendo resultado em cinco detidos: Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa; Lacerda Machado, amigo pessoal e padrinho de casamento de António Costa e ainda consultor de negócios; Afonso Salema, gestor na Start Campus, projeto da confiança de António Costa; Rui Oliveira Neves, advogado e administrador da Start Campus que também foi alvo de buscas, e Nuno Mascarenhas, socialista e Presidente da Câmara de Sines.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou que as buscas realizadas esta manhã dizem respeito a negócios do lítio e hidrogénio. O Primeiro-Ministro, António Costa, é alvo de uma investigação autónoma do Ministério Público num inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça. Por sua vez, o Ministro das Infraestruturas, João Galamba, já foi constituído arguido.
A demissão foi aceite pelo Presidente da República que convocou os partidos com assento parlamentar para quarta-feira e o Conselho de Estado para quinta-feira. O chefe de Estado falará ao país a seguir.
09h00
O jornal Público noticia buscas da PSP em diversos ministérios e na residência oficial do Primeiro-Ministro, António Costa, em São Bento, adiantando que tinham sido detidos o chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, o consultor próximo do chefe do executivo, Diogo Lacerda Machado, e o presidente da Câmara de Sines, o socialista Nuno Mascarenhas, assim como dois executivos de empresas.
O jornal noticiava ainda que estavam a ser alvo de buscas e seriam constituídos arguidos os Ministros do Ambiente, Duarte Cordeiro, e das Infraestruturas, João Galamba, assim como o antigo Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, no âmbito de uma investigação sobre negócios do lítio, em Montalegre.
10h17
A assessoria de comunicação do primeiro-Ministro confirma à Lusa a existência de buscas no gabinete de Vítor Escária, chefe de gabinete do primeiro-Ministro, acrescentando que não há comentários por parte de São Bento à ação da justiça.
10h30
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebe o primeiro-Ministro no Palácio de Belém, em Lisboa, a pedido de António Costa.
10h40
Os partidos políticos comentam as buscas e exigem explicações.
O PCP começa por dizer, em comunicado, que quer ver "concluídos os apuramentos" da investigação sobre lítio primeiro e depois "retiradas as devidas consequências das conclusões".
A primeira declaração na Assembleia da República é do líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, que defende que o Presidente da República devia dissolver o parlamento caso o primeiro-Ministro não apresente a sua demissão, considerando que o país está “envolvido em podridão”.
11h50
O Primeiro-Ministro, António Costa, cancela a sua agenda prevista para o Porto.
12h07
O PSD convoca uma reunião de urgência da Comissão Permanente (núcleo duro da direção) do partido “perante a gravidade da situação que envolve a base central do Governo” e promete falar “ao país” no final.
Já a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, aponta ao Ministro das Infraestruturas, João Galamba, considerando que este governante não tem condições para se manter no cargo e apela ao primeiro-Ministro que dê explicações ao país na sequência da investigação sobre a exploração de lítio.
12h25
No único comunicado sobre o assunto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) revela que analisará, no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, alegações de suspeitos envolvendo o nome e a autoridade do Primeiro-Ministro.
“No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”, lê-se numa nota divulgada pela PGR.
Questionada pela Lusa após as declarações do primeiro-ministro em São Bento, a Procuradoria-Geral da República não esclareceu se o inquérito autónomo a António Costa já foi instaurado pelo Ministério Público no Supremo Tribunal da Justiça.
Segundo a PGR, foram detidos o chefe de gabinete do Primeiro-Ministro, Vítor Escária, o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, dois administradores da sociedade Start Campus e um consultor.
De acordo com vários meios de comunicação, o consultor é Diogo Lacerda Machado, advogado e empresário próximo do Primeiro-Ministro, enquanto os administradores da sociedade Start Campus de Sines serão Afonso Salema e Rui Oliveira Neves.
O MP constituiu ainda como arguidos o Ministro das Infraestruturas, João Galamba, e o presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta.
Estarão em causa os crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência.
Foram realizadas 17 buscas domiciliárias, cinco buscas em escritório e domicílio de advogado e 20 buscas não domiciliárias, nomeadamente, em espaços utilizados pelo chefe do gabinete do Primeiro-Ministro; no Ministério do Ambiente e da Ação Climática; no Ministério das Infraestruturas e na Secretaria de Estado da Energia e Clima; na Câmara Municipal de Sines e na sede de outras entidades públicas e de empresas.
12h32
Prosseguem as reações dos partidos.
Pelo BE, o líder parlamentar Pedro Filipe Soares, apela para que a Justiça seja célere, “doa a quem doer”, e o deputado único do Livre pede ao Primeiro-Ministro para que fale “com a maior brevidade ao país” sobre a investigação em curso.
Já o presidente do Chega pediu ao primeiro-Ministro para se demitir, considerando que se atingiu “o grau zero da credibilidade do Governo”, e defendeu que, se não o fizer, o Presidente da República terá de dissolver o parlamento.
A líder parlamentar do PCP, Paula Santos, defende que António Costa tem de dar explicações ao país e que devem ser retiradas "todas as consequências".
Já o presidente do CDS-PP, Nuno Melo, defende que o Primeiro-Ministro deve “apresentar imediatamente a demissão” e, se António Costa não o fizer, o Presidente da República deve dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas.
13h09
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebe pela segunda vez o Primeiro-Ministro, António Costa, no Palácio de Belém, em Lisboa, numa reunião que dura cerca de 10 minutos.
13h25
O Primeiro-Ministro anuncia que fala ao país às 14:00, após buscas em São Bento e de o Ministério Público anunciar que é alvo de investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça sobre projetos de lítio e hidrogénio.
13h57
É noticiado que a Procuradora-Geral da República se deslocou hoje a Belém para ser recebida pelo Presidente da República, após uma primeira reunião entre o Primeiro-Ministro e Marcelo Rebelo de Sousa, na sequência da investigação sobre os negócios do lítio e do hidrogénio.
Contactado pela Lusa, o gabinete de comunicação da Procuradoria-Geral da República confirma que Lucília Gago esteve no Palácio de Belém após ser conhecida a operação de buscas e que culminou com as detenções de Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa, o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, dois administradores da sociedade Start Campus e um consultor.
A ida da Procuradora-Geral da República a Belém teve lugar ainda antes da nota de imprensa divulgada pela PGR sobre a operação de hoje e aconteceu entre as duas deslocações do Primeiro-Ministro para falar com Marcelo Rebelo de Sousa.
14h24
Numa comunicação ao país, a partir da residência oficial do Primeiro-Ministro, António Costa anuncia que apresentou a sua demissão ao Presidente da República.
"Obviamente, apresentei a minha demissão ao senhor Presidente da República", declarou.
Na fase de respostas aos jornalistas, António Costa anunciou que o Presidente da República aceitou a sua demissão e que não vai recandidatar-se ao cargo se o chefe de Estado convocar eleições legislativas antecipadas.
Na mesma declaração, António Costa recusou a prática “de qualquer ato ilícito ou censurável” e manifestou total disponibilidade para colaborar com a justiça “em tudo o que entenda necessário”.
15h09
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aceita a demissão de António Costa do cargo de Primeiro-Ministro e convoca os partidos com assento parlamentar para quarta-feira e o Conselho de Estado para quinta-feira, anunciando que falará ao país a seguir.
E depois destas cinco horas como vão ser os próximos tempos?
"Na sequência do pedido de demissão do primeiro-Ministro, que aceitou, o Presidente da República decidiu convocar os Partidos Políticos representados na Assembleia da República para amanhã, quarta-feira, dia 8 de novembro", pode ler-se no site da Presidência.
Marcelo convocou também o Conselho de Estado "para se reunir depois de amanhã, quinta-feira, 9 de novembro, pelas 15h00, no Palácio de Belém".
"O presidente da República falará ao país imediatamente a seguir à reunião do Conselho de Estado", é ainda referido.
O Primeiro-Ministro já tinha referido na sua comunicação ao país que o Presidente da República aceitou a sua demissão e que não se vai recandidatar ao cargo se o chefe de Estado convocar eleições legislativas antecipadas.
Tendo este pressuposto como base, agora o país aguarda a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente da República pode, por um lado dissolver a Assembleia da República, a tão referida "bomba atómica". A ser este o cenário escolhido, Marcelo pode convocar eleições antecipadas e aí caíra todo o e executivo e todas as propostas e referendos deste Governo. Mas, por outro lado, e com um novo Orçamento do Estado à porta, Marcelo pode optar por pedir ao Partido Socialista (vencedor das eleições) que forme um Governo e escolha um Primeiro-Ministro interino.
Ao agendar encontros com os partidos e reunir o Conselho de Estado, Marcelo completa as condições exigidas pela Constituição para dissolver a Assembleia da República. A Constituição determina ainda que, após a sua demissão, o Governo passa a estar limitado à prática dos atos estritamente necessários para a gestão dos negócios públicos.
Contudo, a história recente do país traz à memória outra solução, tal como Jorge Sampaio fez quando Durão Barroso deixou o Governo, em 2004. Marcelo pode pedir aos partidos, nomeadamente ao PSD por ser o maior partido da oposição, que indique alguém para substituir António Costa.
Ao longo da mandato, Marcelo Rebelo de Sousa deu várias vezes a entender que no caso de dissolução da Assembleia da República a solução passaria por realizar eleições antecipadas.
É importante lembrar que numa situação de eleições antecipadas, em Portugal, é proibido que os períodos eleitorais coincidam com a época do Natal e do Ano Novo. Passa, portanto, essa hipótese para 2024. Seja qual for a decisão de Marcelo, os partidos já estão preparados. E, segundo Carlos César, o próprio “PS está preparado para qualquer cenário, seja eleições ou mudança de liderança do Governo”.
*Com Lusa