No dia 26 de abril de 1986 ocorreu o maior acidente nuclear da história do mundo, em Chernobyl, uma localidade na Ucrânia, perto da pequena e recentemente criada cidade de Pripyat, a 170 km de Kiev, a capital da então República Socialista Soviética da Ucrânia, hoje capital da Ucrânia. Anatoly Dyatlov, Nikolai Fomin, e Viktor Bryukhanov foram sentenciados a vários anos de prisão por grave violação das regras de segurança que levaram ao acidente. O cientista responsável pela investigação das causas do acidente, Valery Legasov, cometeu suicídio no dia 27 de abril de 1988, dois anos e 1 dia após o trágico acidente.

Graças ao exaustivo trabalho liderado por este cientista, foi possível determinar as causas do acidente, que podem ser divididas em dois tipos: causas humanas, relacionadas com a gravíssima conduta de Dyatlov, Fomin e Bryukhanov, que ignoraram por completo todas as regras de procedimentos, em nome da execução de um teste de segurança numa central que já funcionava, de forma irregular, há vários anos sem ele. Em especial, Dyatlov, que ignorou inclusive os avisos dos seus subordinados, e aprovou a realização de procedimentos que levariam à situação extrema e perigosa em que se encontrava o reator momentos antes da sua explosão.

Numa série fatídica de acontecimentos, a meio do teste de segurança, e de forma irregular, ao que parece para evitar a perda de eletricidade no sistema, o reator havia sido deixado a funcionar a 50% da sua potência normal durante 10 horas, o que “envenenou” o núcleo com subprodutos de reações nucleares. Para tentar retornar a potência do reator a níveis aceitáveis, Dyatlov ordenou aos seus subordinados que retirassem 211 barras de controlo (que mantêm as reações nucleares em níveis controláveis) do reator, deixando apenas 16, criando uma instabilidade térmica que evaporou de forma instantânea toda a água de refrigeração, criando assim um feedback positivo, levando a potência do reator a subir rápida e descontroladamente para níveis inaceitáveis.

Sala de controlo de Chernobyl créditos: STF/AFP

É a partir daqui que chegamos à segunda causa do acidente, que é um defeito na construção deste tipo de reatores de fabrico soviético, os RBMK. Como em todos os reatores do mundo, estes reatores possuíam um botão de emergência (chamado AZ-5 no caso destes reatores). Premir este botão levava à inserção imediata de todas as barras de controlo, fazendo com que o reator efetivamente parasse e a potência diminuísse para níveis próximos de zero. Mas, ao contrário dos reatores no mundo ocidental, as barras de controlo dos reatores soviéticos possuíam pontas feitas de grafite, sendo que a grafite aumenta a taxa de reações. O efeito seria controlável em condições mais ou menos normais, mas neste caso, em que o reator já estava numa situação crítica, levou literalmente a uma explosão nuclear, que ocorreu momentos após alguém ter pressionado o botão AZ-5, às 01:23:40 da manhã do dia 26 de abril de 1986.

Esta explosão nuclear, a explosão do reactor de Chernobyl, rebentou com a blindagem em torno do núcleo do reator e “cuspiu” pedaços de grafite radioativa para as imediações. O núcleo, agora exposto, começou imediatamente a libertar produtos radioativos para a atmosfera, a taxas letais para o ser humano em menos de 1,5 minutos. Estes produtos começaram a formar uma nuvem radioativa, que se começou a espalhar e atingiu um raio de vários milhares de kms. Casas, pessoas, animais, plantas, e todo o ecossistema em torno de Chernobyl e da cidade de Pripyat ficaram irremediavelmente contaminados por vários séculos. Cerca de 30 pessoas perderam a vida como consequência direta desta explosão nos dias e meses que se seguiram, devido a envenenamento radioativo. Mas a taxa de mortes devido a este acidente é muito superior, com um estudo das Nações Unidas a estimar que cerca de 4 mil pessoas terão perdido a vida em consequência direta ou indireta do acidente, e outras estimativas a apontar que o número de mortes terá atingido os 60 mil.

Mapa da contaminação com Césio 137 na área circundante a Chernobyl 10 anos após o acidente, em 1996. créditos: Creative Commons

Este acidente teve repercussões imediatas a nível global e no próprio regime soviético, tendo posto a nu as várias falhas do regime, incluindo o secretismo da tecnologia até dos próprios cientistas soviéticos, e a exagerada hierarquização com lugares de chefia demasiado dependentes do apoio ao regime.

O suicídio do cientista encarregado de investigar o ocorrido, Valery Legasov, no dia seguinte ao segundo aniversário do acidente, teve repercussões enormes na comunidade científica soviética que passou a exigir do regime mais segurança e menos secretismo na divulgação de tecnologia. A repercussão foi tal que muitos admitem que Chernobyl representou o início do colapso da URSS. Gorbachov, num artigo publicado no Project Syndicate em 2006, escreveu “O desastre nuclear em Chernobyl há 20 anos, mais do que o meu lançamento da perestroika, foi talvez a verdadeira causa do colapso da União Soviética cinco anos depois. Efetivamente, a catástrofe em Chernobyl foi um ponto de viragem histórico: houve uma era antes, e uma era muito diferente depois do desastre”.

Como foi dito anteriormente, a taxa de radioatividade era de tal forma elevada após a explosão, que mataria um ser humano em menos de 1,5 minutos de exposição direta. Mas a radiação não tem apenas a capacidade de matar pessoas. Como tão eloquentemente descrito na série “Chernobyl” da HBO, imaginem-se pequeníssimas balas, menores que o tamanho dos núcleos atómicos, a serem disparadas às centenas de milhares de milhões por segundo, e a perfurarem tudo no seu caminho. Estas “balas” conseguem não só destruir tecido vivo, levando à morte de seres humanos, animais, ou plantas, mas também danificar qualquer material desde pedras, metais, circuitos electrónicos. À taxa em que estavam a ser disparadas, nada lhes poderia resistir. E isto causava um enorme problema à operacionalidade de máquinas nas imediações do reator, e estas eram necessárias para limpar os destroços radioativos da explosão de maneira a conseguir, no curto prazo, diminuir a taxa de contaminação, e, no longo prazo, construir um sarcófago que estancasse o vazamento de radioatividade para o exterior.

Rovers lunares soviéticos - A série lunokhod é readaptada para utilização em Chernobyl

E quais eram as únicas máquinas na posse dos Soviéticos que conseguiam aguentar tamanha quantidade de radiação sem sucumbir rapidamente? Os rovers lunares soviéticos. Os rovers lunares soviéticos Lunokhod haviam sido utilizados nas várias missões lunares soviéticas entre 1969 e 1977. O seu design já contemplava materiais ultra-resistentes à radiação e operação à distância em circunstâncias extremas. Como tinham sido desativados em 1977, os engenheiros foram chamados para redesenhar os rovers especificamente para a tarefa de limpeza das imediações do reator. Os rovers Lunokhod redesenhados foram rebatizados STR-1 e foram utilizados durante 60 dias na limpeza do reator antes de sucumbirem à elevadíssima radiação.

 Lunokhod 1
créditos: NASA

Nestes dois meses de funcionamento, de 15 de julho a 15 de outubro de 1986, estes pequenos rovers literalmente salvaram a Ucrânia e a União Soviética do ininterrupto vazamento de substâncias radioativas, ao limparem a maior parte dos detritos mais radioativos das imediações do reator, o que permitiu aos engenheiros a construção do primeiro sarcófago que estancou o reator. Afinal, no meio de tantas desgraças, um avanço positivo. A experiência da utilização de robôs em condições de exposição a radiação ionizante tão elevada foi fulcral para o avanço no design de robôs para exploração espacial. Esta experiência contribuiu diretamente para o sucesso das missões Mars Pathfinder e Sojouner, esta última lançada a 4 de dezembro de 1996. Em 4 de julho de 1997 o rover Sojourner pousou em Marte, tendo sido apenas o terceiro veículo a viajar noutro planeta. Às missões dos anos 90 seguiram-se as missões Beagle 2 e Spirit e a atual Opportunity.

A utilização de rovers na exploração espacial - a necessidade de resistir à radiação

Como já vimos, a sobrevivência da espécie humana, ou mesmo de qualquer ser vivo em condições radiológicas extremas é impossível. A utilização de aparelhos e material eletrónico também é problemática pois os danos estruturais causados pela radiação, seja a curto, médio ou longo prazo, fazem-se sentir. Isto levanta uma série de problemas do ponto de vista logístico na construção de veículos e máquinas para exploração espacial. Uma forma de contornar o problema da habitabilidade é a construção de rovers. Estes rovers podem ser utilizados não só para fins exploratórios como, tal como aconteceu caso de Chernobyl, para preparar condições de habitabilidade para seres humanos.

Desenho artístico do Rover Opportunity em Marte créditos: NASA/JPL/Cornell University, Maas Digital LLC

Os Rovers STR-1 permitiram diminuir drasticamente os níveis de radiação nas imediações do reator exposto em Chernobyl, de tal forma que passou a ser possível enviar seres humanos para começarem a preparar a construção do sarcófago.

Analogamente, poderá ser enviada uma frota enorme de rovers para a Lua, por exemplo, com capacidade para construir remotamente uma série de edifícios minimamente habitáveis pelo homem ou outros animais. Estes rovers podem ser construídos com material ultra-resistente à radiação que lhes permita sobreviver por tempos muito prolongados no espaço sem grandes danos estruturais. A possibilidade de telecomando permitiria utilizá-los para a construção das primeiras estruturas necessárias para a criação de um posto permanente na Lua. Este seria o primeiro passo para futuras missões espaciais.

Quem diria que um desastre tão grande como Chernobyl poderia ter lançado as sementes para o futuro desta forma?