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Quantas vezes já fizeste uma marcação médica ou pediste um documento oficial pelo telemóvel? Provavelmente algumas. A ideia de que os serviços públicos têm de estar disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, no bolso de cada português, deixou de ser ficção científica para se tornar uma expectativa básica.

E os números mostram que Portugal não está mal nesta corrida. O eGovernment Benchmark, o relatório anual da Comissão Europeia que avalia os serviços públicos digitais, atribui 81 pontos (em 100 possíveis) ao nosso país, mais 10 que a média global e cinco acima da União Europeia.

Mas a transformação digital dos serviços públicos vai muito além de “pôr formulários online”, defende Gustavo Magalhães, Diretor na consultora de inovação colaborativa Beta-i, numa entrevista que acontece semanas depois de o Governo ter reestruturado a Agência para a Modernização Administrativa (AMA) numa nova Agência para a Reforma Tecnológica do Estado (ARTE).

“A digitalização da burocracia não tem nada de mau, é um primeiro passo, mas a transformação da relação entre Estado e cidadão é muito mais uma visão do que um objetivo”, explica Gustavo Magalhães. Para o consultor, que tem estado a trabalhar em projetos europeus de modernização da administração pública, estamos numa nova fase: a do GovTech, que “já não tem nada a ver com pôr os formulários online”.

Um salto “quase quântico”

Gustavo Magalhães traça um paralelismo entre a evolução da internet e a transformação dos serviços públicos. “Começámos com o eGov, electronic government, que era transpor o que existia em papel para online. Depois passámos para o Digital Gov, já com bidirecionalidade com o cidadão. Agora entramos no GovTech, que representa um salto quase quântico.”

Este salto deve-se a três fatores: maior capacidade de transmissão e processamento de dados, penetração do acesso à internet na população e alinhamento com as tendências da sociedade no uso de tecnologias digitais. O objetivo é “uma relação mais fluida e eficiente para cidadãos e governos”.

Entraves à digitalização? “Isto não é um problema específico de Portugal e, como tal, seríamos injustos a achar que somos piores que os outros.”

Quando questionado sobre as falhas na modernização digital portuguesa, o responsável recusa o pessimismo nacional. “O que muitas vezes nos esquecemos é que isto não é um problema específico de Portugal. Seríamos injustos ao achar que somos piores que os outros. Há inúmeros exemplos de países que estão atrás de nós em várias coisas, incluindo neste aspeto da digitalização”, afirma.

E os desafios? A verdade é que qualquer país que tente digitalizar os serviços do Estado pode enfrentar, à partida, três entraves: a resistência à mudança e o isolamento que possa existir entre as entidades públicas, o que cria uma barreira que limita a capacidade de absorver novas soluções tecnológicas.

O terceiro entrave, e talvez o mais importante segundo Gustavo Magalhães, são os dados.“Na época da inteligência artificial, os dados tornaram-se ainda mais importantes, são o principal catalisador da inovação”, explica.

O problema não está apenas na partilha externa: “Até dentro das próprias instituições há dificuldade em encontrar processos fluidos e rápidos para fazer essa partilha.” Para o consultor, “não temos feito nada de mal, mas podemos e devemos fazer muito mais ao nível dos dados”.

No final do dia, o executivo prefere olhar para os desafios como sistémicos: “Raramente este tipo de dificuldades é solucionado a partir de uma intervenção simples, porque quase sempre é um problema sistémico.”

A Ucrânia é um modelo a seguir?

Para exemplificar uma abordagem diferente à transformação digital, Gustavo Magalhães destaca a Ucrânia. “É um caso incontornável”, afirma, referindo-se à aplicação Diia, que agrega múltiplos serviços do Estado. “Conseguiram trazer esta ideia do Estado no telemóvel, com documentos oficiais em formato digital e eliminação muito significativa da necessidade de interações físicas com o Estado.”

O consultor acredita que o caso merece ser destacado e elogiado. “Na situação dramática que sabemos que a Ucrânia está a viver, têm tido a capacidade de fazer aqui uma transformação da forma como olham para esta problemática”, comenta.

E em Portugal?

Em Portugal, também há obra feita e mais por fazer. Gustavo Magalhães destaca a aplicação Autenticação.gov, um portal do Estado que centraliza os serviços para autenticação de cidadãos e empresas e para a assinatura eletrónica de documentos digitais. “Foi muito bem conseguida essa arquitetura e acabou por ser bem implementada.”

Há também a aplicação Gov.pt, o portal onde os portugueses acedem aos serviços públicos digitais. Permite consultar informações, tratar de papelada e guardar documentos oficiais como o Cartão de Cidadão ou a Carta de Condução. Na área da saúde, a aplicação SNS24 facilita marcações médicas, renovação de receitas e consulta de resultados, tudo no telemóvel.

Está também “numa fase de expansão e consolidação” o 1bilhete.pt, a cargo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), que permite usar o mesmo cartão ou aplicação de transportes em todo o país. Quem tem passe no Porto pode usá-lo em Lisboa, Braga ou Faro, sem ter de comprar novos cartões em cada cidade. Segundo o Expresso, o projeto já conta com a adesão das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, várias comunidades intermunicipais e operadores como a CP.

"Temos muito trabalho para fazer nestes cinco anos enquanto país e enquanto Europa"

Quanto ao futuro, o Diretor na Beta-i recorda a Lei de Amara: “Tendemos a sobrestimar o efeito de uma tecnologia a curto prazo e a subestimar o efeito a longo prazo.” Cinco anos parecem-lhe pouco tempo para mudanças óbvias, mas identifica motivos para otimismo: a reestruturação da AMA para ARTE, o aparecimento de startups focadas em serviços públicos e maior envolvimento dos agentes do Estado.

“Temos muito trabalho para fazer nestes cinco anos enquanto país e enquanto Europa”, conclui, defendendo a continuidade da colaboração entre governo, câmaras municipais, empresas e academia para “serviços que criem impacto positivo na sociedade”.

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