A Norte, as cascatas de S. João contam histórias da História em que tudo é possível. A cascata do “Quim do Pedro”, que tem a particularidade de ter movimento, continua a ser construída na Maia, na freguesia de Vermoim e, ali, o Santuário de Fátima divide a avenida com o do Bom Jesus, com a Torre dos Clérigos, com o famoso “isqueiro” da Maia, logo ao lado do aeroporto e com vista para as pontes que ligam o Porto a Vila Nova de Gaia.
E tudo começou com um moinho: “Foi a primeira peça que o meu avô fez”, contou à Lusa o neto do Rodrigo do Pedro, como era conhecido o avô de Augusto Ferreira, atual guardião e construtor da “obra de várias vidas”.
“O meu avô nasceu em 1890 e começou isto com 17 ou 18 anos, lá no início do século XX. Era um verdadeiro artista. Fez o moinho com movimento e sem estudos. Depois foi fazendo. O meu pai também lhe ganhou o gosto e continuou a história”, começou a contar.
Do Rodrigo a Cascata passou para o Quim, pai de Augusto: “A cascata tinha o nome do meu avô mas quando o meu pai morreu eu e o meu irmão mudamos à cascata o nome para o homenagear. O meu avô não se deve ter importado”, confessou Augusto Ferreira.
Dos irmãos foi o que “lhe ganhou o gosto” por construir e zelar pela cascata: “Isto é a obra duma vida”, admitiu, já de voz embargada: “Eu começo a pensar no meu pai e não aguento. Depois penso também na minha falecida mulher e, olhe, dá nisto”.
A cascata deve à mulher de Augusto Ferreira uma das peças mais queridas do artista: “Antes de morrer ela pediu-me para fazer esta peça”, revelou, apontando para um dos maiores quadros da cascata, o Santuário do Bom Jesus.
Pode o Norte, e um pouco do Centro, caber numa cascata de S. João? Pode. Podem as artes, histórias e tradições de um povo, algumas delas já perdidas, serem contadas por figurinhas de madeira? Podem.
“Isto não tem que ter uma lógica, não é verdade? A beleza das cascatas é mesmo essa. Cada peça fomos nós que fizemos à mão. Tudo em madeira, tudo pintado por nós”, salientou o artista.
Quem olha vê sempre algo novo: ora repara num avião em voo circular, está a ver o aeroporto, como depois salta à vista o edifício da câmara Municipal da Maia. Do nada, aparece o Santuário de Fátima e ao lado o Santuário de Santa Rita, ou a Serra do Pilar, degrau a meias com a Torre dos Clérigos, mesmo em cima da Ribeira do Porto: “Oh menina, já viu como é colorida e bonita a minha Ribeira e as três pontes logo em cima?”
Cada figura, e são centenas delas, move qualquer coisa. Ora a cabeça, ora um braço, ora os dois, ora as pernas e, de movimento em movimento, joga-se à malha, sobe-se ao pau de sebo, desfolha-se o milho, constrói-se uma casa, “tudo sem máquinas”, rodopiam crianças num carrossel, lavadeiras esfregam a roupa, os bois passeiam carros agrícolas e apita o comboio, que chegou à antiga estação da Maia.
“O meu pai queria contar a História aqui da freguesia [Vermoim]”. Augusto aponta para um dos muitos recantos da cascata, e lá estão o tanoeiro, os tamanqueiros, a Barbearia à Moda antiga, a Tipografia do Leça, o Baile, o Jogo do Pau, o Compasso de Vermoim ou o Rancho Regional de Moreira da Maia.
“E a orquestra. Não se esqueça da minha Orquestra Filarmónica de Vermoim. Vê ali aquele bonequinho de costas? É o meu filho”, apontou de orgulho em riste o filho do Quim do Pedro.
E também não faltam a Amália em palco, os pescadores na Ribeira, Cristo a ser batizado a um canto e a “grande novidade” de 2024: “O metro a passar na ponte. Às vezes ele para, são problemas na linha”, disse.
O problema é mesmo na linha. Do outro lado da cascata, aquele que ninguém vê, são centenas as linhas que passam por rodas e assim fazem toda a cascata movimentar-se. Augusto sabe exatamente que linha dá vida a quê: “Isto está-me no sangue, nem preciso pensar”, explicou.
A cascata do Quim do Pedro está em exposição no Edifício Sede da Casa do Povo de Vermoim até ao final do mês de junho.
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