A peça partiu de um convite da parte do Teatro Municipal do Porto à companhia, há vários anos, e um primeiro projeto, pensado para o centenário das aparições em Fátima, no ano passado, intitulado “Milagres da Fátima”, caiu por terra, dando lugar a um teatro que conjuga obras de Raúl Brandão, Fernando Pessoa e do brasileiro Oswald de Andrade (1890-1954).

Do conto de 1922 “O Banqueiro Anarquista”, de Fernando Pessoa (1888-1935), a Confederação trouxe o banqueiro, aqui uma mulher, interpretado pela atriz Rosário Melo, enquanto da peça “O Rei da Vela”, do autor brasileiro, saiu Abelardo (Miguel Ramos), neste espetáculo o dono do Solar das Índias, espaço onde se desenrola a trama.

A estas duas personagens acresce Sr. Milhões, da peça “O Doido e a Morte”, de Raúl Brandão (1867-1930), obra na qual se encontra com o governador civil, Baltasar Moscoso, e anuncia-lhe ter decidido morrer com ele, explodindo-se, sem nenhuma razão particular para esse ato.

“Havia a vontade de perceber como é que, não se tendo encontrado contemporaneamente, se encontrariam estas figuras agora, como seriam no mesmo local”, disse à Lusa Miguel Ramos, que escreveu e encenou a peça, além de fazer parte do elenco, como Abelardo.

As duas primeiras figuras representam a “tónica dominante” da peça, uma discussão sobre o papel do capital na sociedade contemporânea, enquanto da obra de Raúl Brandão sai uma reflexão “mais existencialista”.

O nome da peça é também o nome de um espaço criado no âmbito da peça, no qual as várias personagens montam um espetáculo de várias áreas, da dança à magia, com um texto dramatúrgico criado a partir do conceito do “capital como ficção social” e de personagens que saem de textos de vários autores, entre eles “O Banqueiro Anarquista”, de Fernando Pessoa.

O sentido empresarial de Abelardo, dono do Solar, recrutou, nas proximidades do Rivoli, várias componentes das atrações do espaço: ao Balleteatro resgatou quatro bailarinas que compõem o “magnífico corpo de baile” (Débora Barreto, Filipa Catarino, Lilas e Sofia Zehi), e ao Clube dos Fenianos Portuenses os mágicos VALMAN (Manuel Alves) e JOFERK (Fernando Coimbra), além da DJ e operadora de som Simone Francisco ou o “homem mais forte do Bonfim” (Alexandre Calçada).

O capital é “a base de todas estas figuras”, cujos atos ou falas andam quase sempre em torno do dinheiro, e todos vivem “numa ideia de ficção social em torno do capital, o que é a tónica dominante do espetáculo”, num apontamento saído de “O Banqueiro Anarquista”.

“Entra-se num espaço cénico, como um bar. A coisa mais próxima a imaginar é um espetáculo de variedade, o espaço é esse”, com “um texto lá pelo meio, personagens escondidas, que entram com o público, que até vão levantar o bilhete, numa envolvência a 3D para o público”, explicou o criador.

A dinâmica de proximidade com a plateia, em constante interação, traz incerteza para a peça, porque “se chega a um ponto nos ensaios em que sem o público não se faz nada”, até porque se depende da própria reação “para a cena continuar ou não”.

O espetáculo, que se estreia hoje pelas 21:30 e também será apresentado no sábado às 19:00, estava pensado para uma das duas salas do Rivoli, mas a companhia decidiu instalar o Solar das Índias por baixo do palco principal, num local técnico por vezes utilizado para concertos, para poder “intervir e brincar também com o espaço”.

Com cenografia e figurinos a cargo do artista plástico Hernâni Reis Baptista, o espaço em que o público vai assistir ao espetáculo é dinâmico, com uma imagética de cabaré, “com mesinhas e cadeiras em frente a um palco mais pequeno”, com o bar presente no subpalco do Rivoli a funcionar “e o consumo a ser promovido pelas personagens”.

Depois das duas récitas no Teatro Rivoli, já com lotação esgotada, a peça “não deve ser reposta”, pelos constrangimentos financeiros.

“É um país que se permite dar um apoio a um banco falido que é incomparavelmente superior àquilo que atribui à arte e ao pensamento. (…) Não posso aceitar que o país, que eu amo, me diga que está bem e em recuperação, quando a saúde continua precária, a educação em muitas das escolas não existe, e a cultura esteja neste patamar, com valores ridículos”, comentou.

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