Com encenação de Martim Pedroso, “Noite de Estreia”, a peça, é uma adaptação do filme “Noite de Estreia” (“Opening night”, 1977), dirigido e escrito por John Cassavetes, uma reflexão sobre o teatro, sobre o trabalho do ator, sobre a queda, o desencanto e o medo de já não corresponder ao que a representação exige, e, ao mesmo tempo, sobre a mulher numa sociedade patriarcal, disse Martim Pedroso à agência Lusa.
Desafiado pela atriz Dalila Carmo — que interpreta a personagem Myrtle Gordon — há “três, quatro anos, para pôr este filme em palco, e sem que tenha ficado muito entusiasmado” com a ideia, Martim Pedroso acabou por aceitá-lo há cerca de um ano, vindo depois a descobrir que o filme contém “muitas camadas” que lhe interessam.
“O próprio imaginário do teatro” é uma das bases em que assenta o filme, centrado na estreia de uma peça, “que acabou por se tornar num processo de amor que não foi logo à primeira vista”, referiu.
“Comecei a perceber que o filme tem questões que não são só a crise do processo ou a guerra entre o ator e o dramaturgo”, disse o encenador, acrescentando que aborda um tema “que está muito na ordem do dia e que consiste no lugar da mulher nunca sociedade patriarcal”.
Um filme “feminista” – que não deixa de ser sobre a própria Gena Rowlands, a atriz de Cassavetes, cocriadora da personagem agora vestida por Dalila Carmo -, um filme transposto para o palco, num processo que acabou por se tornar num “parto de trigémeos, já que a adaptação não foi nada fácil”, frisou Martim Pedroso.
No filme, há uma atriz que desempenha o papel de uma atriz, a braços com a personagem que vai interpretar, e com a sua própria vida. No filme há o argumento de Cassavetes, que também inclui uma dramaturga, Sarah Goode, autora da peça que tem por protagonista Virgínia, interpretada por Rowlands-Myrtle.
A obra conta a história da atriz Myrtle Gordon, em plena uma crise, situação agravada ao assistir ao atropelamento fatal de uma fã, após o espetáculo. Fragilizada na vida, Myrtle fragiliza-se também no trabalho. A crise existencial dá lugar à crise criativa, e esbatem-se as fronteiras entre a mulher que é atriz e a atriz que dá vida a Virgínia, a personagem representada por Myrtle.
Pôr em palco o guião de um filme — ainda que adaptado, mas sempre a obedecer ao filme, porque a isso obrigam os direitos de autor — não é fácil, e o teatro não permite os grandes planos do cinema.
A peça que sobe ao palco da sala Carmen Dolores, no Teatro da Trindade, acaba assim por aliar trabalho em palco, ao vivo, a imagens projetadas, para não perder a impossibilidade de cenas fulcrais, como a do atropelamento, decisiva para a protagonista, ao longo de toda a ação.
“Noite de Estreia”, a peça, é assim composta a partir de 24 cenas, nas quais é percetível a estética de Cassavetes (que também fez teatro) para as novas correntes dramatúrgicas que vinham a impor-se na década de 1970, nos Estados Unidos.
Cassavetes lida com o trabalho do ator, com o seu processo criativo, com a aproximação e o distanciamento entre o ator e a personagem, e com a humanidade que caracteriza esse processo.
As questões não se limitam ao cinema, mas ao trabalho do ator em qualquer linguagem artística: Qual a função do ator numa obra? Representar um texto, apenas, ou ir mais longe, ser também criador de um discurso? Em “Noite de Estreia”, Cassavetes demonstra como o ator tem um trabalho árduo, um longo caminho a percorrer.
O recurso à improvisação, na preparação das cenas, era uma constante em Cassavetes, impondo a reescrita do argumento, num diálogo permanente com a encenação. O processo permitia-lhe levar a experiência de vida dos atores ao encontro das personagens, “numa conjugação constante entre realidade e ficção, entre a identidade do ator e a identidade do papel que ele desempenha”, como escreveu o investigador Todd Berliner, especialista em estudos de teatro e cinema da Universidade da Carolina do Norte.
Em “Noite de Estreia”, o processo toma a primazia, é objeto da própria ação. Sarah Goode, a personagem da dramaturga, começa por se mostrar contrariada à improvisação empreendida pelos atores, mas acaba seduzida pela vida levada para cena.
Outro dos temas que sobressai na obra é o envelhecimento da mulher no teatro e no cinema, e a pressão da sociedade sobre esse envelhecimento, como não acontece com as figuras masculinas. Um mundo machista que é afinal o mundo de Sarah Goode, interpretada nesta encenação por Maria José Paschoal.
“Noite de Estreia” é um projeto de Martim Pedroso e da Nova Companhia, com adaptação e direção do encenador.
A interpretar estão igualmente Heitor Lourenço, João Araújo, João Reis, Margarida Bakker, Marta Félix e Sabri Lucas.
A peça conta com participação especial, em vídeo, de Inês Santos Caramuchande, Isabél Zuaa, Madalena Brandão, Mauro Hermínio e Noah Santos Caramuchande.
A cenografia é de Jean-Guy Lecat, os figurinos, de João Telmo, o design de luz, de José Álvaro Correia, a música original e a sonoplastia, de Carlos Morgado.
A peça conta ainda com a colaboração dos músicos Dinis Oliveira e Tanja Simic, e realização e montagem do vídeo de Ruben do Vale.
“Noite de Estreia” é uma produção conjunta do Teatro da Trindade INATEL, Nova Companhia e do Teatro Nacional São João, onde a peça será representada.
“Noite de Estreia” estará em cena em Lisboa a partir de quinta-feira, até 06 de junho, com espetáculos de quarta-feira a sábado, às 20:00, e, aos domingos, às 16:30.
No dia 09 de maio, haverá uma conversa com o público.
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