Segundo o autor norte-americano, foi necessário publicar "dois trabalhos autobiográficos antes deste", "Diário de Inverno" (2012) e "Relatório do Interior" (2013), para "pensar na [sua] infância de forma mais séria", tornando-se gradualmente "um assunto interessante que [lhe] deu o impulso" para escrever "4 3 2 1".
A nova obra de Auster vive da dinâmica de causa e consequência, nos percursos de vida distintos da personagem de Archie Ferguson, mas a conjuntura histórica não se alterou significativamente: "os assuntos de que se falava há quase 50 anos ainda estão a acontecer nos Estados Unidos", afirmou Auster, na conferência.
Temas como o racismo, a xenofobia e as manifestações estudantis, presentes no romance que demorou três anos a ser escrito, são transversais ao período de 1947 a 1974 e, embora a guerra do Vietname tenha terminado, aquele que foi o "grande cataclismo da vida [de Auster] e, provavelmente, o maior trauma na história norte-americana", transmite a "posição precária" em que o país ainda se encontra.
Paul Auster pensa que o seu país está em piores condições do que no passado e recusa referir-se ao atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pelo seu nome: "Chamo-lhe 45, é o 45.º presidente [e] sempre foi um palhaço em Nova Iorque, nunca o levaram a sério", reforçando que Trump demonstra ignorância "acerca que o a América representa".
O escritor frisou que previu a vitória de Trump quando "os resultados do Brexit [votação em referendo que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia], antes das eleições de novembro, mostraram que as sondagens não são exatas."
A conversa com Patrícia Reis continuou a ser marcada pela atualidade política, numa altura em que Auster receia que os apoiantes do presidente estejam a "destruir o país pouco a pouco", sendo que "apenas a incompetência dos governantes atuais impede a implementação de novas leis".
O escritor clarifica que a sua única razão de alívio reside no "novo ativismo em Nova Iorque, não dos democratas que parecem estar muito confusos e em desordem", mas com base em "protestos liderados, maioritariamente, por mulheres."
Quanto ao processo de escrita, Auster falou na importância "da música das palavras, das frases e da forma como um parágrafo transita para outros", transformando-se "em substância" que integra o produto final.
Embora tenha garantido ao público que este será o último circuito de festivais em que vai participar, "por gratidão aos editores", dado ser "cansativo ir a sete países num mês", o autor da "Trilogia de Nova Iorque", afirmou no "último evento público", estar "feliz por regressar a Portugal", onde fez "um filme há 11 anos [nas Azenhas do Mar]" com "uma pequena equipa portuguesa, de pessoas trabalhadoras e dedicadas."
"4 3 2 1" inclui várias notas autobiográficas, das quais Auster destacou a história de como, aos 14 anos, viu um rapaz a ser atingido por um relâmpago mesmo perto de si, algo que mudou a sua vida e o fez perceber “que qualquer situação pode acontecer a qualquer pessoa, a qualquer momento", formando o "epicentro do novo romance".
Depois de ter afirmado num festival, em Espanha, que esta seria a sua última obra, o escritor que vive em Nova Iorque sossegou quem se deslocou à Casa das Histórias Paula Rego ao confessar que já tem "outro projeto em mente, que não é um romance mas uma obra de não-ficção".
Contudo, sente "mais histórias a formarem-se na [sua] cabeça", às quais se irá dedicar quando terminar outros projetos prioritários.
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