“Vou manter o benefício da dúvida que lhe concedi, por ter plena noção de que Roma não se fez num dia e por considerar serem dignos de respeito os atos mais corajosos que já protagonizou”, disse à agência Lusa o ativista angolano Luaty Beirão, numa apreciação dos 100 primeiros dias de João Lourenço na Presidência de Angola.
Beirão, um dos mais acérrimos críticos do regime do ex-presidente José Eduardo dos Santos – no poder durante 38 anos, até setembro deste ano – referia-se às dezenas de exonerações em alguns dos mais altos cargos de chefia do país.
O novo Presidente angolano precisou de menos de três meses para afastar a estrutura de governação que recebeu de José Eduardo dos Santos, tendo feito acima de 300 nomeações e exonerando mais de 30 oficiais generais e cerca de 20 administrações de empresas públicas, na área petrolífera, dos diamantes, e de comunicação social, além do próprio Banco Nacional de Angola e de bancos comerciais detidos pelo Estado.
João Lourenço afastou de lugares chave os filhos do ex-presidente (e ainda presidente do partido que sustenta o novo chefe de Estado no poder, o MPLA), com destaque para a exoneração da multimilionária empresária Isabel dos Santos do cargo de presidente do conselho de administração da petrolífera Sonangol.
Luaty Beirão reconhece “alguns sinais de alarme” no que se refere a outras medidas além das exonerações: “setor da justiça, excesso de ministérios, distribuição das despesas no Orçamento de Estado, alguma falta de coerência nas exonerações”.
Para o ativista, “está ainda pouco claro se se trata de uma bem-intencionada arrumação da casa ou de um mero reposicionamento de peças no tabuleiro, a promoção de uma nova elite lourencista”.
“Quero acreditar na primeira”, afirma.
Também surpreendida pela velocidade e alcance das exonerações foi a investigadora portuguesa do ISCTE e especialista em assuntos africanos Ana Lúcia Sá.
“O ritmo das exonerações e as pessoas exoneradas, chegando inclusivamente à família Dos Santos, foi uma grande surpresa para mim”, disse à agência Lusa a especialista em Angola, para quem esta “foi uma maneira de passar a mensagem de rotura com o passado, de rotura com a impunidade”.
No entanto, contrapõe Ana Lúcia Sá, o ritmo das exonerações “acaba por esconder o facto de não haver uma política económica forte” no discurso do novo Presidente.
“Como é que João Lourenço vai diversificar a economia? Como é que o Estado vai deixar de estar tão partidarizado, dentro das lógicas do MPLA? Como vai combater às desigualdades sociais e a corrupção? Não é só exonerar”, salienta a investigadora.
Para Ana Lúcia Sá, o simples afastamento de algumas pessoas da alta estrutura angolana não resolve por si só os problemas económicos de uma nação cujo Produto Interno Bruto assenta essencialmente nos preços do petróleo, atualmente em níveis historicamente baixos.
Assim, disse, poderá ser “o desempenho da economia angolana a decidir se o povo angolano acredita que estas medidas eram a sério ou não”.
“As medidas económicas e as medidas sociais [de combate à desigualdade] serão as duas formas de se ver as intenções e o papel de João Lourenço como Presidente”, concluiu.
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