Passaram mais de 40 anos sobre a Revolução Islâmica e, apesar de o Irão ser um dos países mais ricos do mundo - o terceiro em reservas de petróleo e segundo em reservas de gás natural -, uma parte substancial da população vive com dificuldades.

"No tempo da guerra as pessoas entendiam os sacrifícios, mas agora, em tempo de paz, não". Sépideh Radfar, professora de História Contemporânea do Irão, lembra que "a juventude não viveu a revolução iraniana, não conheceu a guerra entre o Irão e o Iraque, não conheceu o regime anterior. Estamos perante jovens de 21 ou 22 anos, a Geração Z, com acesso a tudo, sejam de que classe social forem".

Por isso, estes jovens têm outras ambições. Para Sépideh Radfar "o uso do hijab é um pretexto", em causa estão problemas mais profundos, como as condições socioeconómicas de uma parte significativa da população. "É preciso um trabalho estrutural a nível nacional", diz.

A prova são "as manifestações a cada três ou quatro meses, ou porque o preço dos combustíveis sobe ou porque as pensões são baixas ou porque os jovens querem outra vida. Qualquer acontecimento serve para demonstrar insatisfação". Desta vez, um "incidente" trágico.

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A morte de Mahsa Amini, a menina de 22 anos, "é um drama, ninguém nega". Sobretudo, porque ainda não houve responsabilização. "Chegam informações de todo o lado, muitas vezes contraditórias", e "é tudo oficioso, nada é oficial". Isto é como lançar achas na fogueira. E é disto que Sépideh Radfar tem medo, de um banho de sangue. "Não desejo outra revolução para o Irão", afirma.

A professora acredita que a mudança é possível e que pode ser gradual. "A mudança da lei seria um primeiro passo", "um referendo seria maravilhoso". Seja o que for, "o presidente Ebrahim Raisi", que instituiu recentemente a polícia de orientação, extinta há cerca de dez anos, "vai ter de voltar atrás, a juventude merece isso".

A humildade é o primeiro passo para resolver de modo pacífico os confrontos no Irão, considera a diretora do Centro de Iranologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. E lembra o "gesto de humanismo" de Marcelo Rebelo de Sousa, que "em nome pessoal apresentou desculpas à família" de Ihor Homeniuk, o imigrante ucraniano de 40 anos que em 2020 morreu às mãos do SEF, um caso que Sépideh Radfar seguiu de perto, porque colabora com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras como tradutora e intérprete.

Na altura a tragédia foi divulgada pela Imprensa e, apesar de terem passado meses até o Estado português assumir responsabilidades, não houve por parte do Parlamento Europeu pedidos de investigação independente pela ONU ou de aplicação de sanções pela União Europeia, de que Portugal faz parte. Dois pesos e duas medidas?

"As sanções contra o Irão já foram tão usadas e abusadas que perderam a graça", ironiza a professora. "O Irão já está sujeito a todo o tipo de sanções, o que podem fazer mais? Quem sofre com as sanções é povo", diz.

E de novo surgem fantasmas do passado. "Há países que já estão a utilizar meios [mais do que pressão diplomática], e isso cheira-me um pouco mal. Sabemos que há países que sonham com um Irão dividido, com uma guerra civil no Irão, como aconteceu em nações vizinhas", lembra. "O nosso medo é que outros países aproveitem os movimentos de insatisfação para pôr em causa a unidade do Irão".

Sépideh Radfar, fora do seu país há mais de 30 anos, não se sente com coragem para apontar um caminho de mudança, mas garante que "no Irão, felizmente, há muitas pessoas inteligentes que saberão fazê-lo".

"Tivemos vários governos progressistas no Irão. O presidente [Seyed Muhammad] Khatami [1997 a 2005], que lançou o projeto de diálogo entre civilizações nas Nações Unidas", ou, "mais recentemente, Hassan Rohani [2013 a 2021], também moderado, que quis muito abrir a sociedade iraniana", recorda.

"Infelizmente, e digo sempre isto na minhas aulas de História Contemporânea do Irão, cada vez que o Irão teve um presidente moderado, com muitos projetos para realizar, os Estados Unidos estiveram do lado oposto". "Hoje temos um novo presidente americano, mas já é um pouco tarde para o Irão, porque o presidente Raisi de moderado não tem nada".

De uma coisa Sépideh Radfar não tem dúvidas: "O modelo de democracia à moda americana não é para exportar".