Quatro antigos primeiros-ministros, dois espanhóis e dois portugueses, Felipe González (1982-1996) e Mariano Rajoy (2011-2018), anteriores líderes de Espanha, Francisco Pinto Balsemão, (1981 e 1983) e António Costa (2015- 2024), ex-chefes do executivo português, representantes dos dois grandes partidos do centro esquerda e centro direita, fundadores das respetivas democracias e responsáveis pelo seu funcionamento, sentaram-se numa mesa-redonda na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Intervieram alimentados pela frase de Marcelo Rebelo de Sousa na abertura da 2.ª edição do Foro La Toja cujo mote foi os 50 anos da Democracia em Portugal e Espanha.
“Os nossos povos estão unidos nos valores da democracia, liberdade, pluralismo e conscientes nos riscos comuns que enfrentamos: as desigualdades, as injustiças, os movimentos inorgânicos, os populismos e uma muito difícil guerra na Europa”, disse numa mensagem vídeo, alertando para a necessidade de “estar juntos para sermos vencedores” e dando vivas aos “50 anos de uma democracia compartida, vivida”, mas “inacabada”, chamou a atenção.
No painel moderado pela jornalista Teresa de Sousa, o antigo primeiro-ministro (PM), António Costa, sublinhou que uma das forças da democracia portuguesa foi “ter conseguido manter no sistema partidário dois grandes partidos, um ao centro esquerda e outro ao centro direita que foram capazes de liderar as alternativas”.
Nos últimos anos, à imagem do sucedido na Europa, em Portugal assistiu-se a movimentos de “maior fragmentação” política, “inicialmente à esquerda (Bloco de Esquerda)” e a “direita só recentemente fragmentou mais”, primeiro “com a Iniciativa Liberal e agora com o Chega”, afirmou.
António Costa considerou que “continua a ser fundamental para a vitalidade da democracia que a polarização seja possível corporizar através dos dois grandes partidos do centro esquerda e do centro direita”, advertindo que não se deve “sobrevalorizar a interpretação das últimas eleições, já que ocorreram em circunstâncias particularmente estranhas”, recordou.
Na análise às eleições de 10 de março nas quais o Partido Socialista perdeu a maioria absoluta, Costa referiu que “foi sobretudo o facto de os cidadãos não terem sentido nem no PS, nem no PSD tração suficiente para a concentração necessária do voto” que possibilitou “o maior crescimento do partido populista de direita (Chega)”, atestou.
“Uma concentração para que pudessem ter votações acima dos 30%, como sempre tiveram quando ganharam”, continuou. “Não vale a pena exagerar na interpretação dos resultados e é dar tempo para que as coisas retomem a normalidade”, antecipou.
O centro partidário no combate ao populismo na ótica dos ex-PM espanhóis
A centralidade política foi igualmente colocada no seio da discussão por Felipe González, antigo líder do partido socialista espanhol (PSOE).
Citando a política portuguesa como exemplo da preservação “do espaço do centro”,
onde se “joga o futuro da democracia no mundo” sem “depender de grupos radicais em qualquer direção que condicionam a política”, o antigo PM socialista espanhol acredita que só o caminho para o centro “acabará com a crispação e a polarização que está a ameaçar a convivência democrática em muitos países”, defendeu.
“O populista é aquele que dá uma resposta simples a um problema complexo, quando não o pode resolver, procura um culpado”, pelo que a democracia “tem de responder a problemas reais dos cidadãos”, finalizou Filipe González.
Mariano Rajoy, antigo chefe de governo eleito pelo Partido Popular (PP) sentenciou que “a única solução é a moderação política”. Alertou para a existência de “um problema quando se governa com más companhias”, pelo que, para a defesa da democracia liberal é vital “não pactuar com extremistas”.
Para Rajoy, a chave é o consenso que se verificou entre os dois grandes partidos espanhóis, Partido Popular, que liderou e o PSOE de González, nos grandes temas nacionais como a Constituição, a entrada na então Comunidade Económica Europeia, as autonomias e a moeda única (euro).
Para além das ameaças externas que podem vir da China e da Rússia, considerou que os partidos populistas são um dos maiores inimigos que as democracias enfrentam e são um dos problemas mais importantes que temos em mão”, aludiu.
Se em Espanha há partidos populistas “que duram 15 minutos”, a nível global
“os partidos populistas e populismo é muito variável” e vão “desde alguém da antiga Europa do Leste, o espanhol fascinado com as ditaduras tropicais ou o milionário em Nova Iorque que pode ser extrema-esquerda, direita ou extrema de nada”, descreveu.
Embora Rajoy acredite que os populismos “serão derrotados”, à semelhança de António Costa, insta que as democracias liberais devem “governar melhor” para contrariar os populismos e fazer com que a economia “siga bem (cresça)”, apontou.
A defesa europeia e a voz comum
Francisco Pinto Balsemão, antigo PM e fundador do Partido Social Democrata, defendeu, por seu lado a importância de uma política de defesa europeia.
A União Europeia deverá “caminhar para ser uma federação de Estados”, deve estar disposta a “abdicar de uma parte da soberania”, um passo que daria ao Velho Continente, um papel geopolítico mais relevante acrescentou.
O federalismo do presidente do Conselho de Administração do grupo Impresa não encontrou eco nos demais oradores.
Mariano Rajoy concordou na necessidade de defesa comum, mas não embarcou no pensamento de Balsemão. “Não sei se é possível um Estados Unidos da Europa. O primeiro passo é uma política externa e defesa comum, falar a uma só voz no mundo”, sustentou. “Se há mais unanimidade sobre a Ucrânia, cada Estado tem uma opinião sobre a questão do Médio-Oriente”, comparou.
“União Europeia é o conceito imaginativo, a federação é tentadora, mas não há nenhuma formada por Estados-Nação”, relembrou o antigo primeiro-ministro socialista português, António Costa.
Costa sustentou ainda que a Europa “mudou radicalmente” na passagem de 12 para 27 Estados e que se quer “ser um ator político relevante”, terá de “ter mais aliados”, apontou referindo-se às relações com a América Latina. “O mundo cresceu e a Europa encolheu e necessitamos de mais amigos e aliados. Não queremos viver esmagados entre a China e EUA”, avisou.
A complexidade da Europa está bem expressa na questão ucraniana, exemplificou. “É incompreensível (para portugueses e espanhóis) no momento em que se discute se enviamos ou não tropas para a Ucrânia, haja países que são os mais defensores do envio das tropas e fechem as fronteiras à importação dos cereais, dos ovos e das galinhas” da Ucrânia. “É natural para os países vizinhos da Ucrânia, que acham tão essencial ganhar a guerra como impedir a importação de bens da Ucrânia”, anotou.
A falta de futuro é o que mais alimenta os populismos
“As desigualdades e a perceção que as pessoas têm das desigualdades” constitui um “dos maiores desafios das democracias atuais”, alertou António Costa.
Embora seja reconhecido que o “mundo está melhor”, o “grau desigualdade aumentou” e cria “uma fratura muito forte”, descreveu.
“Havia a perspetiva das novas gerações que pensavam viver melhor que a anterior, mas não é essa a perceção hoje”, advertiu.
As desigualdades, podem ser exemplificadas no tema quente em Portugal e a nível europeu: a habitação, um problema “central” que “vai durar” e que dominou a mesa-redonda anterior composta por três presidentes de câmara, Carlos Moedas (CM Lisboa), Rui Moreira (CM Porto) e Jaume Collboni (Barcelona).
O antigo Primeiro-Ministro e anterior presidente da Câmara Municipal de Lisboa explicou as razões. A primeira foi “um conjunto de fatores de que não tivemos consciência antecipadamente”, como sejam as “taxas de juro baixas ou negativas” durante um longo período que levou o capital internacional a encontrar “refúgio no imobiliário” e “fez disparar preço em todo o mundo”.
Em segundo lugar “acreditamos que com a diminuição da população as casas iriam ficando vazias e tornaria necessário investir na reabilitação”, mas não se teve em conta um dado: “A alteração das dinâmicas familiares” originou uma “alteração na habitação com mais pessoas a viver sozinhas, mais pessoas que decidem não casar, mais pessoas a divorciarem-se e isso significa que apesar da população ser menor, a necessidade de habitação é maior”, realçou.
Por fim, a liberdade de circulação introduziu uma grande pressão e levou, em resposta à crise de 2008 “vários países a apostarem nos Airbnb e vistos gold e outras formas de atrair capital estrangeiro”. A consequência atual é que se “assiste a um recuo”.
A finalizar, para o ex-primeiro-ministro português, “esse sentido de falta de futuro é uma das coisas que mais alimenta o populismo” e é um dos maiores problemas das democracias.
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