O Papa estará em Marrocos no sábado e no domingo, depois de 33 anos da histórica visita de João Paulo II a 19 de agosto de 1985. Segundo admitem responsáveis do Vaticano, a viagem terá uma dimensão muito marcada de “diálogo entre religiões” e de “fraternidade entre as várias confissões”, incluindo ainda uma aproximação à comunidade marroquina de cristãos.

O convite partiu do rei marroquino, Mohamed VI, a quem o Comité de Cristãos Marroquinos tem reconhecido esforços para tornar o país mais tolerante, sobretudo depois de ter organizado, em 2016, a “Conferência sobre Minorias Religiosas em Países Islâmicos”.

Francisco será recebido, no dia 30, no aeroporto de Rabat, pelo próprio Mohamed VI, sendo que o rei marroquino acompanhará o Papa durante boa parte da tarde e presidirá, com o chefe da igreja católica, a vários atos.

O primeiro desses atos consistirá numa homenagem do Papa aos anteriores reis, com Francisco e Mohamed VI a depositarem flores nas campas do pai do atual rei. A visita seguinte será a primeira com valor verdadeiramente “político”: Mohamed VI acompanhará Francisco ao Instituto de Imãs da capital, um lugar simbólico para os líderes religiosos.

A reunião tem como objetivo uma aproximação entre os representantes de duas das maiores religiões do mundo, sendo precisamente na esplanada da mesquita Hassan que Francisco fará o seu primeiro discurso naquele país.

O discurso será feito perante autoridades marroquinas, representantes da sociedade civil e do corpo diplomático, mas também cidadãos anónimos.

Francisco planeia também visitar um grupo de imigrantes num centro social da Cáritas local, segundo informou a Santa Sé.

No domingo, o dia terá início com uma visita do Papa ao Centro Rural de Serviços Sociais do município de Temara, no sul de Rabat, a que se seguirá uma ida à catedral da capital. Aqui Francisco terá um encontro com sacerdotes e outros religiosos e com o Conselho Ecuménico das Igrejas, altura em que acontecerá outro dos momentos-chave da visita: o Angelus, uma oração importante para os católicos e em que o Papa faz, habitualmente, os principais apelos.

A viagem será concluída a seguir ao almoço com uma cerimónia de despedida no aeroporto de Rabat, de onde Francisco sairá às 17:15 locais (16:15 em Lisboa).

Uma carta ao Papa: A esperança cristã num país muçulmano

A visita é esperada com grande expectativa pelos cristãos marroquinos que anseiam por uma possível interferência do Papa em relação aos seus direitos naquele país.

Numa carta enviada há cerca de duas semanas ao Vaticano, os cristãos marroquinos pediram ao Papa que interceda por eles, durante a visita a Rabat, para lhes garantir o direito a praticar a sua fé naquele país do Magrebe.

Na carta, representantes dos cristãos marroquinos pedem que o Papa reconheça ser legítimo “aspirar a ter liberdades básicas”, como o culto público, o direito ao casamento eclesiástico ou civil e a rituais funerários cristãos.

Os cristãos também pedem que os seus filhos possam ser dispensados das aulas de religião muçulmana (obrigatórias nas escolas marroquinas) e que tenham a liberdade de dar nomes bíblicos (e não islâmicos) às crianças.

Segundo a Constituição marroquina, a religião oficial do país é o islamismo sunita e a única minoria reconhecida é a comunidade judia, instalada há séculos naquele país.

Como o exercício da fé cristã é clandestino, não existem estatísticas sobre os cristãos marroquinos e os únicos números aproximados são norte-americanos e de 2017, estimando-se que esta população se situe entre as duas mil e as seis mil pessoas.

Também alguns sindicatos e associações de defesa do povo sarauí pediram ao Papa Francisco que interceda pelo fim da “ocupação do Saara Ocidental”, conflito que atualmente se baseia na tentativa do autoproclamado Estado, a República Árabe Sarauí Democrática, para obter a independência.

Ser um “oásis de paz”: Papa Francisco e o diálogo inter-religioso

Construir pontes de fraternidade tem sido uma das mensagens do Papa argentino nesta sua viagem pelo ecumenismo e diálogo inter-religioso, acontecendo a visita a Marrocos um mês depois de ter pisado o berço do islão ao visitar os Emirados Árabes Unidos.

Francisco foi o primeiro pontífice a visitar a península arábica tendo como tema da visita “fazei de mim um instrumento de vossa paz”, extraído da Oração de São Francisco de Assis.

Na ocasião, aos milhares que assistiam a uma missa no maior estádio do pais em Abu Dhabi pediu: “Sejam oásis de paz”.

A assembleia da homilia era na sua maioria formada por imigrantes, em especial asiáticos e filipinos que ali trabalham, mas, segundo a imprensa internacional, a multidão étnica reuniu católicos de 100 nacionalidades, além de estarem presentes quatro mil muçulmanos.

O evento foi centralizado na importância do diálogo inter-religioso e da fraternidade entre os fiéis das várias religiões, tendo as autoridades dos Emirados declarado 2019 o “Ano da tolerância” com o objetivo de promover uma cultura que se afaste de qualquer tipo de fundamentalismo.

Marrocos, com 23 mil católicos e 35 paróquias, passa agora a constar da já longa lista de visitas deste Papa jesuíta a países com forte influência islâmica. Além dos Emirados Árabes, Francisco já visitou a Jordânia, Albânia, Turquia, República Centro-Africana, Azerbaijão, Egito, Myanmar e Bangladesh.

Em todos eles levou uma mensagem especifica, enfatizando o respeito e a confiança recíproca, a fraternidade de cristãos e muçulmanos, o perdão e a paz e a necessidade de serem rejeitados os fundamentalismos em nome de Deus.

Têm sido destacados também os quatros encontros do Papa com o imã de Al Azhar, instituição de referência para os muçulmanos sunitas, sempre ligados ao compromisso comum pela paz e contra fundamentalismos e extremismo.

Francisco e o caminho de aproximação a outras confissões religiosas cristãs

A caminhada de Francisco em prol do diálogo inter-religioso tem passado pela aproximação a outras confissões religiosas cristãs.

Em 2018, Francisco foi a Genebra para participar nos 70 anos do Conselho Ecuménico de Igrejas.

Entre as quase 350 Igrejas membros do Conselho Ecuménico, a maioria representa realidades africanas ou asiáticas, de onde são provenientes muitos refugiados que fogem para a Europa, onde predominam as confissões cristãs, como catolicismo, igrejas ortodoxas e protestantes.

Francisco deslocou-se em 2016 a Lund, na Suécia, para a comemoração dos 500 anos da Reforma Luterana, o cisma da igreja católica, e a 31 de outubro de 2017, no dia em que o mundo assinalava os 500 anos do início da Reforma Protestante, o Vaticano e a Federação Luterana Mundial pediram desculpas pela violência cometida entre cristãos e prometeram continuar a trabalhar para resolver as suas diferenças.

“Neste dia, olhamos em retrospetiva para um ano de notáveis eventos ecuménicos que começou a 31 de outubro de 2016 com a oração comum luterano-católica romana em Lund, Suécia”, afirmaram, destacando que, durante a cerimónia, o Papa Francisco e o bispo Munib A. Younan, então presidente da Federação Luterana Mundial, assinaram uma declaração conjunta de compromisso para continuar este caminho ecuménico.

Nos seus seis anos de pontificado, Francisco, que tem também sido classificado como o Papa do encontro e promotor ecuménico, foi ainda o líder católico que "abraçou" o patriarca de Moscovo. Um encontro histórico em Cuba para deixar uma declaração comum de reaproximação das duas igrejas cristãs depois de quase mil anos de separação.

Definindo-se um “peregrino em busca de unidade e de paz", o Papa tem deixado várias mensagens em prol do diálogo sendo comum nas suas homilias reafirmar a importância do "diálogo como modo de derrubar muros".