A despedida do presidente do parlamento foi aplaudida de pé por todas as bancadas.
Na semana passada, Ferro Rodrigues comunicou aos líderes das diferentes bancadas parlamentares que não se recandidatará nas listas de deputados do PS nas próximas eleições legislativas.
Hoje, assumindo que esta é a última sessão plenária da Assembleia da República da XIV Legislatura e a última a que preside - ressalvando que ainda existirão reuniões da Comissão Permanente, depois da dissolução do parlamento que deverá acontecer no início de dezembro –, Ferro Rodrigues dirigiu algumas palavras aos deputados, no final da sessão.
“Palavras que são de despedida, da minha despedida das atividades parlamentares, em funcionamento pleno da Assembleia da República, ao fim de quase quatro décadas, depois de aqui ter entrado em 1986, e aqui ter exercido as mais diversas funções – como deputado, líder parlamentar, vice-presidente e aquela que foi, e ainda é, a maior honra da minha vida: ter servido como presidente da Assembleia da República, ter servido como presidente de todas e de todos os deputados”, salientou.
Em primeiro lugar, Ferro destacou as “circunstâncias particulares” que levaram à sua primeira eleição outubro de 2015 - em que o PS, ficando em segundo lugar nas eleições, conseguiu formar Governo - e o reforço da sua votação em 2019.
“Depois, pelo facto de ter sido presidente num tempo excecional, em que a democracia e as suas instituições estiveram muitas vezes sob ataque – como há muito se não verificava –, das mais diversas frentes, contra as deputadas e os deputados, procurando condicionar a sua ação e o seu mandato, que é, nunca esqueçamos, o resultado da decisão livre dos nossos cidadãos, expressa pelo voto”, frisou.
Ferro Rodrigues realçou ainda a “inesperada crise pandémica” que alterou o funcionamento da Assembleia da República, “órgão de soberania que foi chamado a autorizar o primeiro estado de emergência da democracia”.
“Mesmo em pandemia, a democracia não foi suspensa, e a sua casa, a Assembleia da República, nunca fechou as suas portas, dizendo presente e vendo reforçado o papel insubstituível que desde há muito assume no sistema político democrático”, salientou.
Ferro considerou que foi também possível, nos últimos seis anos, valorizar a instituição parlamentar, lembrando que “não basta ao parlamento aprovar leis ou ser, de tempos a tempos, palco de importantes debates políticos”.
“É necessário que o parlamento saiba prestar informação sobre a sua atividade e a dos seus titulares, assim completando o círculo da representação”, defendeu.
No final da sua intervenção, recordou que, em 2015, na sua primeira eleição, citou Fernando Pessoa e o seu Livro do Desassossego: “Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros, uma amabilidade de viagem”.
“Chegando ao fim dois anos antes do que supunha – do que todos supúnhamos –, esta foi uma longa viagem, com muitas alegrias, não isenta de episódios menos felizes, tristes mesmo”, afirmou, destacando a morte de “grandes amigos e estadistas”.
Apesar de “algumas tormentas” nesta viagem, o presidente do parlamento assegurou que a política continuará a fazer parte da sua vida.
“Porque realmente um político nunca abandona, em definitivo, a política. E eu, tal como até aqui, continuarei a estar na primeira linha da defesa da Democracia e da Liberdade”, assegurou.
Dizendo não ter “lições para dar” a ninguém, Ferro Rodrigues despediu-se agradecendo a todos os deputados “dos mais diversos quadrantes políticos” pelo contributo para o debate democrático.
“Com um parlamento forte, respeitado, haverá melhores condições para ajudar Portugal – e o mesmo é dizer as portuguesas e os portugueses que aqui são representados –, a enfrentar e a superar os muitos e cada vez mais exigentes desafios com que, como nação e como povo, nos deparamos. A todas e a todos, sem exceção, o meu muito obrigado”, disse.
Ferro Rodrigues, secretário-geral do PS entre 2002 e 2004, ministro dos governos de António Guterres entre 1995 e 2001, foi eleito presidente da Assembleia da República em 23 de outubro de 2015, numa votação que sinalizou a inviabilidade parlamentar do executivo minoritário PSD/CDS saído das eleições legislativas desse ano.
Na primeira reunião plenária da XIII Legislatura, apoiado por PS, BE, PCP e PEV, Ferro Rodrigues foi eleito presidente da Assembleia da República, com 120 votos, enquanto o social-democrata Fernando Negrão, apoiado por PSD e CDS-PP, obteve 108 votos.
PSD e CDS-PP acusaram então o PS de romper uma tradição de eleger para este cargo o candidato do partido mais votado.
Ferro Rodrigues foi reeleito presidente da Assembleia da República em 25 de outubro de 2019, semanas depois de eleições legislativas que deram a vitória ao PS, embora sem maioria absoluta.
Na reeleição, em que foi candidato único ao segundo lugar da hierarquia do Estado, o clima político foi bem distinto do de 2015. Ferro Rodrigues teve 178 votos a favor, 44 brancos e oito nulos.
O ‘recorde’ de longevidade de um presidente da Assembleia da República pertence a Almeida Santos, que exerceu funções entre novembro de 1995 e abril de 2002, seguido de perto por Jaime Gama, entre março de 2005 e junho de 2011.
Ferro Rodrigues deverá ficar muito perto do recorde de Almeida Santos e ultrapassar o de Jaime Gama, já que só deixará de ser presidente da Assembleia da República com o arranque da nova legislatura, previsivelmente em fevereiro.
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