Faz hoje 30 anos que um grupo de pais de crianças e jovens com cancro concretizou o sonho de criar uma associação que transformasse a perceção social sobre o cancro infantil e trouxesse esperança e apoio a milhares de famílias.

Em entrevista à Lusa, a diretora-geral da Acreditar, Margarida Cruz, falou das conquistas e dos desafios da Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro ao longo de três décadas.

Para Margarida Cruz, a “principal transformação” que a Acreditar trouxe deveu-se, sobretudo, a ser constituída por pais que vivenciaram na pele os desafios da doença e conheciam os problemas, as dificuldades e as questões mais fundamentais para eles e para os filhos.

“Fez toda a diferença na forma como a Acreditar se organizou e começou a atuar”, comentou, realçando que “o mais importante” foi ter explicado à sociedade que o cancro também existe nas crianças.

“Há 30 anos, quando a Acreditar apareceu, quase ninguém sabia que as crianças podiam ter cancro. Hoje, ainda há pessoas que não sabem, mas já são muito menos”, realçou.

Através de campanhas e ações nas escolas, a associação conseguiu desmistificar a doença, permitindo que se compreendesse melhor as dificuldades enfrentadas pelas crianças em tratamento.

“A Acreditar teve um papel muito importante em sensibilizar e em preparar a sociedade para ter uma vivência normal com as crianças com cancro e com os pais dessas crianças. Essa parte para mim é fundamental”, salientou.

Também lutou para que as crianças pudessem ter um ambiente mais apropriado e acolhedor nos hospitais, levando brinquedos e fazendo pressão para que tivessem acesso à escola durante o internamento.

“Ainda me lembro de haver crianças que tinham começado um processo de doença aos cinco anos e que, por exemplo, aos oito ainda estavam em tratamento e nunca tinham aprendido a ler e escrever. Essa era uma realidade”, contou.

Nestes 30 anos, disse, “essas realidades felizmente mudaram” e hoje em dia é possível mobilizar a sociedade, com professores voluntários que apoiam o estudo destas crianças, e dar bolsas universitárias.

“Só este ano demos 40 bolsas”, realçou Margarida Cruz.

A luta pela permanência dos pais ao lado dos filhos durante o internamento hospitalar também foi uma batalha vitoriosa da Acreditar, mas “bastante longa e bastante difícil”.

Outro marco importante foi a criação das quatro Casas Acreditar para acolher gratuitamente famílias que precisam de se deslocar para acompanhar o tratamento dos filhos.

“As pessoas tinham de se deslocar e não tinham sítio para ficar e há histórias verdadeiramente dramáticas de pessoas que ficavam à porta dos hospitais à espera de poder entrar no dia seguinte”, contou.

As casas oferecem um teto, mas também um espaço de conforto, permitindo que as famílias cozinhem, compartilhem momentos e vivenciem uma rotina mais próxima do normal.

Além disso, permitem “uma intervenção de apoio a estas famílias, que é muito mais alargada do que o mero alojamento”.

Como desafios futuros, a responsável defendeu que é preciso integrar estes doentes em ensaios clínicos, que são praticamente inexistentes em Portugal.

“Há muito pouca investigação em oncologia pediátrica em Portugal, na Europa e nos Estados Unidos”, porque como o cancro pediátrico é raro os investimentos são limitados.

Margarida Cruz defendeu que a investigação vai ser determinante para melhorar os tratamentos e a qualidade de vida futura dos sobreviventes.

“O grande desafio a nível de tratamentos para os próximos anos vai ser como é que a medicina, e sobretudo a medicina de precisão, vai conseguir fazer com que estes jovens tenham menos sequelas e tenham uma vida melhor”, realçou.

Para assinalar a efeméride, a associação vai realizar quatro conferências nas cidades onde estão as Casas Acreditar: Porto, Lisboa, Funchal e Coimbra.

A primeira realiza-se no sábado, no Porto, com o tema “Os direitos dos pais no cancro dos seus filhos”.