À saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, no Campus de Justiça, em Lisboa, onde esteve desde a tarde de quarta-feira e de onde só saiu já depois da meia-noite, após consultar as dezenas de volumes do processo, Manuel Magalhães e Silva disse que o que encontrou nos autos foi “a criminalização de um processo politico-administrativo”, sem “provas inequívocas de qualquer situação de corrupção”.
“Quando chegarmos ao fim espero que isto possa manter o Ministério Público (MP) de pé. Pode não acontecer. Até este momento a falta de provas que não estão reunidas e os factos tais como estão descritos é efetivamente uma situação grave relativamente à criminalização de processos políticos”, disse o advogado aos jornalistas, que, questionado, acrescentou que perseguição “não é a expressão adequada” para descrever a tese do MP, considerando-a “apenas uma errada qualificação por parte do MP daquilo que é um processo político administrativo”.
Sobre as escutas, que são, segundo disse, o essencial da prova do MP neste processo, disse que através delas se pode “verificar que efetivamente não há nada de irregular” no processo e referiu, em relação às escutas que envolvem o primeiro-ministro, António Costa, que “em 99% dizem respeito às relações privadas entre as pessoas”, pelo que não têm relevância para o processo, e que a única que poderá ter relevância é a que deu origem à investigação autónoma que corre no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e sobre a qual não quis fazer comentários.
Acrescentou também que na consulta do processo essa foi a única escuta relevante que encontrou, pelo que acredita que seja a única, referindo que, se existissem outras, “deixavam rasto”.
Ainda sobre Lacerda Machado, disse que foi nos factos em causa neste processo um “elo de ligação entre investidores e o Governo”, tendo desempenhado uma “função útil” num projeto que seria o segundo maior no país depois da Autoeuropa, com um investimento de 3,5 mil milhões de euros e que poderia chegar aos 27 mil milhões de euros.
“Portanto, o que se estava a tratar era de um projeto de altíssimo interesse para Portugal, com a representatividade que isso comporta e em que foi feita a ligação entre os investidores privados e as várias autoridades do Governo, institutos públicos e outras entidades que possam intervir”, disse.
Magalhães e Silva acrescentou que não espera que seja decretada pelo tribunal qualquer medida de coação privativa de liberdade e criticou o facto de o seu cliente ter sido detido: “Se o doutor Lacerda Machado tivesse sido notificado para ser constituído arguido e prestar declarações, nesse mesmo dia, ou no dia seguinte, o faria, não era preciso o show-off da detenção”.
Já Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Vítor Escária, chefe de gabinete do primeiro-ministro, recusou comentar a notícia avançada esta noite pela SIC de que foram apreendidos no gabinete do seu cliente, no decurso das buscas do MP, 75.800 euros em dinheiro.
“Não vou prestar nenhum esclarecimento sobre a matéria aqui, vou prestar lá dentro e depois falaremos no final. Não vou discutir na praça pública o que está nos autos. Posso-vos dizer que está tranquilo, está confiante, não está preocupado para além do normal com a situação”, disse aos jornalistas à saída do tribunal.
Disse também não ter ficado surpreendido com o que leu nos autos, por não ser nada de novo face ao que já se conhecia, e disse também entender que não se justifica que seja decretada qualquer medida privativa da liberdade do seu cliente, assim como não se justificaria que tivesse sido detido.
O advogado adiantou que todos os arguidos devem prestar declarações perante o juiz de instrução criminal, Nuno Dias Costa, que conduz o processo nesta fase.
A operação de terça-feira do Ministério Público assentou em pelo menos 42 buscas e levou à detenção de cinco pessoas: o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, dois administradores da sociedade Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e o advogado Diogo Lacerda Machado, amigo de António Costa.
O ministro das Infraestruturas, João Galamba, e o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, foram constituídos arguidos.
Segundo documentos a que a Lusa teve acesso, Lacerda Machado terá usado a sua amizade com o primeiro-ministro para influenciar decisões do Governo e de outras entidades relativamente a projetos da sociedade Start Campus.
Este processo visa as concessões de exploração de lítio de Montalegre e de Boticas, ambos em Vila Real; um projeto de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e o projeto de construção de um ‘data center’ na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.
Deste caso, decorre uma investigação autónoma ao primeiro-ministro, no Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos terem invocado o seu nome como tendo intervindo para desbloquear procedimentos nos negócios investigados, o que levou António Costa a apresentar a sua demissão ao Presidente da República.
Comentários