Na manhã desta segunda-feira o jornal Público dava conta que o ministro das Infraestruturas, João Galamba, teria de decidido classificar um conjunto de documentos do Sistema Geral de Segurança da Infraestruturas de Portugal (IP) que, na sua maioria, estão na posse de várias entidades como Proteção Civil, corporações de bombeiros e empreiteiros e subempreiteiros ferroviários. Segundo a notícia, esta seria uma decisão nunca tentada em outros países e que terá partido diretamente do Ministério das Infraestruturas sem conhecimento da IP.

O que aconteceu

O jornal dizia ainda que esta decisão tinha sido conhecida com base num despacho ministerial de 21 de abril, que implicou que documentos operacionais que os trabalhadores da IP e os seus fornecedores usam no dia a dia para assegurar a operação e manutenção das linhas ferroviárias passassem a ser classificados “segredos de Estado”.

Na mesma notícia, o Público adianta ainda que o ministro se recusou a divulgar o conteúdo do despacho, porém a data do mesmo coincide com o momento em que o jornal solicitou ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) o acesso a documentos que faziam parte do processo em curso para conceder à IP a autorização de segurança.

Perante a insistência no acesso aos documentos, João Galamba assinou o despacho a classificá-los como segredos de Estado, algo que implica restrições ao nível do seu acesso e obriga a cuidados no seu nível de proteção, tornando mais complexa a gestão de tudo o que tenha que ver com o Sistema Geral de Segurança (SGS) da IP.

Mas, na prática, estes são documentos operacionais que os trabalhadores da IP e os seus fornecedores usam todos os dias para assegurar a operação e manutenção das linhas ferroviárias, e passando a ser “segredos de Estado” toda a operação da empresa fica condicionada.

O IMT diz que só teve conhecimento deste despacho três dias depois, ou seja, a 24 de abril, e que foi surpreendido pela decisão, ainda que o executivo diga ter sido iniciativa da IP.

“No que concerne à plena aplicação do Sistema Geral de Segurança e de forma a garantir que não sai prejudicada a sua implementação, o IMT solicitou à IP esclarecimentos a este respeito e encontra-se a aguardar resposta dentro do prazo estipulado por este instituto, sendo a sua atuação futura sustentada na análise dos esclarecimentos prestados”, explica o instituto.

O que diz a IP - Infraestruturas de Portugal

Depois de ter conhecimento desta informação, o Público procedeu a contactos diversos com a IP e com o Ministério das Infraestruturas sobre os motivos desta decisão nunca antes tomada em democracia, tendo em conta que a exploração ferroviária assentou em documentos sobre os quais não havia um grau de proteção equiparável a esta classificação. Porém, nenhuma das entidades respondeu de forma esclarecedora. O jornal acrescentou que o vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, afirmou desconhecer qualquer pedido para classificação de documentos, alegando que não detinha no conselho de administração da empresa o pelouro da segurança.

Mais tarde, e ainda na manhã do dia de hoje, numa nota enviada às redações, a IP esclareceu que de facto existiu a necessidade de alguns documentos passarem a ser classificados, à semelhança do que se passa no resto da Europa ao nível dos gestores de infraestruturas, sendo que a segurança é uma prioridade e, por esse motivo, "os enquadramentos jurídicos são, necessariamente, distintos" de outras entidades.

Assim, recentemente, "face à situação de risco acrescido vivida na Ucrânia, alguns países adaptaram e aumentaram o nível de criticidade da informação, em especial da informação sobre infraestruturas estratégicas", referem.

Por esse motivo, e na sequência da publicação de legislação que regula os procedimentos para proteção de infraestruturas críticas, a IP promoveu o alargamento da sua missão para integrar a conceção, operação e manutenção de cabos submarinos de comunicações eletrónicas, e iniciou um trabalho de avaliação de informação e de dados relacionados com infraestruturas ferroviárias, rodoviárias e de telecomunicações sob a sua gestão em conjunto com o Gabinete Nacional de Segurança.

Este processo, que chamam por "Autorização de Segurança" quando realizado no domínio ferroviário e no Sistema de Gestão de Segurança (SGS), incorpora documentos que dizem respeito a matérias confidenciais, como infraestruturas críticas nacionais, pelo que o Gabinete Nacional de Segurança as identifica como de classificação obrigatória.

Neste contexto, a IP solicitou ao Ministério das Infraestruturas a classificação de documentos, que contêm informação técnica e operacional sobre a gestão dessas infraestruturas.

Um novo despacho a 14 de junho

A IP esclarece, porém, que "não determina a natureza da classificação, que depende da informação a que respeita", sendo que embora inicialmente a totalidade dos documentos tenha sido classificada como confidencial, a própria IP solicitou a possibilidade dessa classificação ser revista para alguns documentos, o que aconteceu por despacho do Ministro das Infraestruturas de 14 de junho.

Quanto ao desconhecimento da IP sobre o motivo da classificação destes documentos, a empresa esclarece que "não existe qualquer divergência entre o referido pela IP e pelo Ministério das Infraestruturas", referindo que o Vice-Presidente da IP, Carlos Fernandes, foi questionado sobre esta matéria no contexto de uma entrevista sobre outros temas diretamente sob o seu pelouro, num momento anterior a qualquer pergunta colocada à IP por um jornalista.

Na altura, o responsável considerou que não havia necessidade de ter conhecimento do ponto de situação do processo de classificação dos documentos e não lhe competia responder por matérias acompanhadas pelos membros do Conselho de Administração que têm responsabilidade direta sobre matérias de segurança.

Sublinha-se que, na altura em que foi feita a notícia, o jornal Público avançava que esta classificação dos documentos da IP podia, juridicamente, configurar um desvio de poder por parte do ministro João Galamba, sendo que a classificação como secretos de documentos da IP a que todos têm acesso poderia não ter visado proteger o interesse público, mas sim uma tentativa de evitar a transparência.