O contrato publicado na semana passada no Portal Base dá conta do valor total do altar-palco da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, onde o Papa Francisco vai celebrar a missa final, no Parque Tejo, com vista para a Ponte Vasco da Gama: 4.240.000,00 €. Numa leitura mais simples, vai custar mais de 4,2 milhões de euros — e ainda acresce o IVA — e "1,06 milhões de euros para as fundações indiretas da cobertura".

O contrato refere também que a obra foi adjudicada por ajuste direto pela SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana, a empresa municipal da Câmara de Lisboa responsável pelas obras no Parque Tejo, à construtora Mota-Engil.

Mas porquê ajuste direto? Neste caso, tudo tem origem no Orçamento de Estado para 2023, que abre uma exceção em relação à Jornada Mundial da Juventude.

"Para a celebração de contratos que tenham por objeto a locação ou aquisição de bens móveis, a aquisição de serviços ou a realização de empreitadas de obras públicas e que se destinem à organização, programação, conceção e implementação da Jornada Mundial da Juventude 2023, incluindo as intervenções necessárias nos locais dos eventos e a eventual relocalização de instalações existentes, as entidades adjudicantes podem adotar procedimentos de ajuste direto quando o valor do contrato for inferior aos limiares referidos nos n.os 3 ou 4 do artigo 474.º do CCP [Código dos Contratos Públicos], consoante o caso", pode ler-se no documento do OE2023. Aqui, o limite é de 5,35 milhões de euros.

O contrato, assinado a 13 de janeiro deste ano, refere que a construtora tem 150 dias para executar o projeto após a consignação da obra. Feitas as contas, espera-se que o altar-palco esteja concluído no máximo entre junho e julho, com a CML a garantir que estará pronto entre maio e junho.

Quais as justificações da Câmara Municipal de Lisboa?

Esta quarta-feira, em conferência de imprensa que o SAPO24 acompanhou no Parque-Tejo, Filipe Anacoreta Correia, vice-presidente da CML, deu alguns esclarecimentos a propósito da construção deste altar-palco, começando por referir que a JMJ é "um evento de grande dimensão e de grande mobilização", com um "conjunto muito impressionante de pessoas", sobretudo jovens.

"Havia alguma dúvida sobre quem fazia o quê quanto à Jornada Mundial da Juventude", começou por dizer, frisando que numa primeira fase "não havia nada escrito, nada definido de forma concreta sobre o contributo de cada uma das entidades".

"Em 2022, depois de um processo de conversações e diálogo com o governo, nós estabelecemos as bases daquilo que nos é pedido", apontou.

Neste sentido, a autarquia apresentou um esquema em que faz a divisão de responsabilidades no evento. Assim, à Câmara Municipal caberá a construção de infraestruturas do recinto principal do evento, no Parque Tejo-Trancão, que se espera que receba milhão e meio de pessoas (inclui a recuperação do aterro sanitário de Beirolas; o saneamento, abastecimento de água e de energia; uma ponte da ciclovia sobre o rio Trancão e o altar-palco e recinto dos peregrinos), a construção de altar-palco no Parque Eduardo VII, com vista à missa de abertura, ao acolhimento do Papa e à Via Sacra e, por fim, a produção integral dos três espaços principais do Festival da Juventude (a ter lugar no Terreiro do Paço, na Alameda D. Afonso Henriques e no Parque da Belavista).

Quanto ao altar-palco no Parque Tejo, Filipe Anacoreta Correia evidenciou que "em primeiro lugar, é preciso ter noção de que a estrutura (...) tem de responder àquilo que é um pedido do promotor do evento", ou seja, a Fundação JMJ, em diálogo com a Santa Sé.

"Foram estabelecidos um conjunto de requisitos. Na celebração principal estamos a falar, em cima do palco, em cerca de duas mil pessoas", entre as quais "padres, o coro, linguagem gestual, orquestra, staff, equipa técnica, tudo o que envolve um evento desta dimensão", enumerou.

Questionado pelos jornalistas sobre se estas especificidades também influenciam o preço do altar-palco, Filipe Anacoreta Correia explicou que "o mercado é dinâmico" e que "o que é insólito" é que "estamos habituados a fechar as portas [os trabalhos] na véspera e estamos a conduzir o processo para terminar em maio ou junho", quando a JMJ acontece em agosto.

Além disso, o vice-presidente precisou que as especificações diziam essencialmente respeito à dimensão do altar-palco, estando o processo criativo a cargo dos arquitetos e das equipas envolvidas.

"Todos reconhecemos que esse palco é facilmente associado, na sua onda, àquilo que é a curvatura da ponte Vasco da Gama. Tudo isso está envolvido no processo criativo e, sobre essa matéria, a CML não tem exigências, não é assim que dialogamos com a Igreja. A Igreja estabeleceu um caderno de especificações e que remetem para a dimensão, mas o processo foi bastante negociado", aponta.

Sobre a forma como a Igreja reage ao preço do altar-palco, Filipe Anacoreta Correia lembrou apenas que julga que "tenha ficado claro que o valor de investimento fica na cidade". "Se avaliarmos os 35 milhões de euros que a Câmara Municipal está a pensar [gastar no total], a parte mais substancial é investimento que fica na cidade, que não se esgotará no evento", realçou, reforçando que também existirá retorno do evento.

"Se pensarmos que temos um milhão e meio de pessoas que vão permanecer na região durante seis dias, a experiência indica-nos que vêm uma semana antes e vão uma semana depois, (...) estas gastam em média 200€ na sua estadia. Se assim for, não é preciso fazer contas muito complicadas para saber que o retorno para a economia é da ordem dos 200 a 300 milhões de euros", evidencia.

De recordar que já o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, tinha referido na terça-feira que sabia que a construção do altar-palco para a Jornada Mundial da Juventude ia ficar muito cara, indicando que será realizada com as especificações da Igreja.

"Queremos que esse palco, essa infraestrutura, fique para o futuro e que muitas dessas infraestruturas fiquem para o futuro. Eu sabia que isto ia ser muito caro, que era um investimento muito grande para a cidade", indicou.

"Além desta questão da dimensão do palco, é preciso termos presente o local. A zona escolhida para acolher este evento prolonga-se por cerca de 100 hectares. Para além da área de Lisboa que tem cerca de 38 hectares, temos toda a área de Loures onde ficarão os participantes", pelo que o palco deve ter características específicas, aponta o vice-presidente.

Assim, o altar é colocado a uma "altura de nove metros do chão, para poder ser visto pelo maior número de pessoas. Não será por todas, muitas visualizarão por ecrã, mas há a preocupação de dotar este palco de condições de visibilidade excecionais".

O palco, que terá cinco mil metros quadrados — "meio campo de futebol" —, vai ter também elevadores para mobilidade reduzida, bem como uma ligação a uma escadaria principal. "Às vezes podemos fazer comparações com celebrações com anteriores papas que estiveram em Portugal, mas isto é outra realidade, só tem em comum o nome. Tudo o resto é diferente", apontou o vice-presidente da CML, referindo-se à visita papal de Bento XVI a Lisboa, em 2010.

Quanto ao procedimento para a construção deste altar-palco, "publicado como sendo de ajuste direto", com "possibilidades excecionais na lei", Anacoreta Correia aponta que é natural que surjam "questões".

"Naturalmente, temos a noção da importância deste evento, temos a noção da necessidade de responder em tempo a tudo o que nos está a ser pedido — e está a ser-nos pedido muito, em muitas áreas diferentes, e é um grande desafio em termos de organização", salientou o vice-presidente da CML.

"Em todos os eventos, muito mais pequenos do que este no passado em Portugal, como o Parque Expo ou o Euro 2004, houve abertura a vias procedimentais mais ágeis e a Câmara de Lisboa tem noção, até pelo calendário que temos, de que é necessário recorrer a estes mecanismos que a lei nos permitiu e que a lei destes últimos orçamentos viabilizou", notou ainda.

"Não obstante as possibilidades que a lei nos dá, temos uma preocupação máxima de que todos os processos sejam conduzidos de uma forma o mais transparente possível, o mais abrangente possível e o mais escrutinável possível. O escrutínio é uma coisa que nos agrada, é importante para que dos procedimentos não resultem dúvidas ou resultem as menos possíveis", referiu também.

Segundo a CML, no início do processo houve uma "primeira consulta a sete empresas, com valores das propostas entre 4,4 milhões e 8,4 milhões de euros", sendo depois realizada uma "sessão de esclarecimento e repetição da consulta às quatro empresas com as melhores propostas".

Por sua vez, foi feita uma "última consulta às empresas selecionadas com as melhores propostas, que correspondem às maiores empresas de construção em Portugal", saindo daí a "definição do preço base do procedimento em 4,24 milhões de euros". Posteriormente, foi selecionada "a empresa que apresentou a melhor proposta em todas as fases do procedimento".

Segundo Filipe Anacoreta Correia, "todo o processo está documentado e será posteriormente para o Tribunal de Contas". "Estamos prontos para dar sinal de todo esse processo", garantiu.

Em resposta aos jornalistas, o vice-presidente salientou ainda que "é a Câmara de Lisboa que assume os custos desta estrutura, foi o que ficou definido depois do processo negocial", ou seja, sem intervenção do Governo ou da Igreja. "A nossa preocupação foi que este investimento pudesse ser para o futuro", frisou.

Questionado pelo SAPO24 sobre o documento de junho do ano passado revelado pelo semanário Expresso, que estimava o custo do altar-palco em 3,2 milhões de euros, Filipe Anacoreta Correia frisou que "num processo desta natureza fazem-se estimativas sobre quanto é que vai ou não custar. Mas são estimativas, portanto não têm nada a ver com o processo negocial, onde se envolvem empresas e fornecedores para fazer esse trabalho. Qualquer documento que tenha havido com valores indicativos sobre determinadas despesas têm de ser vistos como estimativas", apontou, garantindo que todo o atual "processo é documentado".

O vice-presidente da CML, questionado ainda sobre se foi equacionado o fracionamento como uma forma de ficar abaixo dos tetos do ajuste direto, respondeu que esse processo “claramente que é ilegal”.

“Nunca esteve presente no nosso horizonte. Temos uma preocupação grande de conduzir este processo de acordo com os imperativos da lei, com aquilo que a lei nos permite”, notou ao SAPO24. 

Desta forma, sendo possível ir "para além da lei” com o ajuste direto, Anacoreta Correia frisa que apesar disso “houve um processo de auscultação que foi prolongado no tempo e a que a lei não obrigava”. 

“Como cidadão também prefiro concursos públicos, compreendo as dúvidas e receios em relação aos processos, mas é preciso ter a noção de que este é um evento único. Tem de estar feito naquele dia. Será por essa razão que em eventos equiparados o legislador cria um regime especial, que não deve ser visto pelas entidades públicas com menor exigência”, salientou, garantindo que a CML quer “dar provas e informações de que são os melhores preços, para que tudo fique registado”.

Qual o futuro do altar-palco?

Ontem, Carlos Moedas referia ter pedido "aos engenheiros e arquitetos" que, "desde início, essa infraestrutura [o altar-palco] pudesse ficar para o futuro", facto aprovado pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que falou na possibilidade de "um polo de lazer verde" ou de "outro tipo de estrutura mais estável para outro tipo de eventos".

Esta quarta-feira, Filipe Anacoreta Correia deu seguimento à ideia, ao referir no Parque Tejo que se pretende que o palco tenha várias funções depois da Jornada Mundial da Juventude.

"Foi feito um trabalho em que se projetou retirar e redimensionar a cobertura e o próprio palco depois do evento. Já não terá os nove metros de altura, mas vai incorporar, estruturalmente, a zona. Passaremos a ter aquele palco, já não com aqueles prolongamentos, mas um palco em condições de acolher outros eventos", explicou.

"Estou aqui em condições de dizer que a Câmara Municipal já teve manifestações de produtores de eventos a dizer 'nós gostávamos de fazer aí o nosso evento'", realçou ainda, garantindo que "estamos a falar de eventos internacionais", mas sem avançar quais, pois isso "seria prematuro".

Nesse sentido, o vice-presidente da CML fez uma apresentação do orçamento da autarquia não apenas no que diz respeito à JMJ, mas ao futuro do Parque Tejo-Trancão.

Assim, é definido que os estudos, projetos e fiscalização vão custar 1,6 milhões; a reabilitação do aterro sanitário 7,1 milhões; os ensaios e fundações têm um valor de 1,06 milhões; o altar-palco custa, como se viu, 4,24 milhões de euros; as infraestruturas e equipamentos 3,3 milhões e a ponte pedonal sobre o Trancão tem um valor de 4,2 milhões.

No total, feitas as contas, o custo total dos trabalhos terá um valor de 21,5 milhões de euros, mas o "investimento para o futuro" é de 19 milhões. Por essa razão, quando instado a comentar se a CML temia ser confrontada com a incompreensão dos fiéis e dos munícipes quanto a valores de investimento tão avultados, Anacoreta Correia disse que não se deve ver as coisas "apenas pelo lado da despesa" e que fazê-lo ignorando os ganhos para a cidade em termos de retorno económico, construção de infraestrutura e visibilidade internacional é "uma análise pobre". Já questionado pelos jornalistas sobre valores comparativos de outras jornadas, noutros países, o vice-presidente disse não ter dados.

Quanto às restantes infraestruturas — Parque Eduardo VII, Terreiro do Paço e Parque da Belavista —, os valores contratualizados ainda não estão fechados, "alguns estão em processo de contratação e outros em processo de conclusão das peças contratuais".

Todavia, sabe-se já que vão ser instalados ecrãs e sistemas de som onde há menos visibilidade para os palcos, bem como iluminação. As obras contam ainda com instalação de casas de banho e baias.

A CML adiantou ainda que haverá segurança 24 horas, recolha de resíduos e brigadas de limpeza nos locais. Em resposta aos jornalistas, o vice-presidente frisou que em causa está também "a sustentabilidade nas várias dimensões da obra".

Deixando alguns pormenores quanto ao que vai acontecer no Parque Eduardo VII, Filipe Anacoreta Correia explicou que a Via Sacra não vai acontecer como tradicionalmente — ou seja, com deslocação de pessoas —, pelo que a estrutura do palco vai corresponder a um pedido da Igreja para que seja desenvolvida nesse local, que a CML acolheu e tem vindo a negociar, num projeto ainda a ser ultimado.

"Será um concurso internacional que será lançado nos próximos dias", notou, explicando que tal não aconteceu com o altar-palco do Parque-Tejo por serem projetos completamente diferentes, com "realidades muito diferentes", já que se irá tornar "um equipamento da cidade". Quanto ao valor, este será "inferior", já que "não terá utilização para além do evento".

Questionado sobre se a CML tem "margem para derrapagens", o vice-presidente salientou que "essa é sempre uma pergunta difícil a um dono de obra", mas que a autarquia tem "feito um apelo a todos os parceiros para que haja um empenho muito grande para que essas derrapagens não existam".