Antonino Costa é Bombeiro Voluntário em São Brás de Alportel. Está ao serviço da corporação algarvia “há 15 anos”. Antes de integrar a Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de São Brás de Alportel, esteve na Cruz Vermelha, “durante 6 anos”, recorda. “São mais de 20 anos a ajudar. Voluntariamente”, diz.

Natural de Lamego, cidade onde viveu e permaneceu um quarto de século, depois de completar o curso de Enfermagem e de enviar cartas de candidatura para diversos pontos do país, uma resposta vinda do Algarve traçou-lhe o destino. “Disse à minha mulher: escolhe lá o sítio para onde queres ir. E ela escolheu o Algarve”, relembra. É desta forma que o passado e presente se cruza com o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), em Faro, onde trabalha como enfermeiro. E por causa dessa escolha os bombeiros de Alportel entraram-lhe pela casa adentro.

O incêndio que deflagrou na sexta-feira, 3 de agosto, em Monchique (que começou em Perna da Negra) e que destruiu perto de 27 mil hectares de floresta e mato, segundo a dados disponibilizados pelo Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais (EFFIS) foi mais um episódio na vida do oficial Costa, 52 anos.

Com tantos anos ao serviço desta corporação, já perdeu a conta aos incêndios que combateu. O “mais complicado” foi à porta de casa, “em 2013”, tendo estado a combater outro que deflagrou igualmente em São Brás de Alportel “em 2006”. Não esteve em Monchique, em 2003, ano em que se contabilizaram 41 mil hectares de área destruída nos concelhos de Monchique, Portimão, Aljezur e Lagos.

Um trabalho de 365 dias por ano e os bombeiros como a segunda família

De prevenção desde a véspera de o incêndio deflagrar, os Soldados da Paz deste Quartel que completa 91 anos no dia 27 do corrente mês responderam de imediato às primeiras chamas. Antonino Costa juntou-se aos seus. Como sempre o faz, de forma voluntária.

As presenças, relembra, são “conforme as disponibilidades e a base de voluntários”, explica. Diz que “não falha” à chamada. Só mesmo por motivos de “força maior”, adianta.

Enquanto voluntário “trabalho 365 dias por ano”, remata. “Gasto o tempo que tinha para a família e venho para os bombeiros”, sorri. “É a minha segunda família, embora a minha mulher diga que é o contrário. Que são a primeira família e ela a segunda”, solta uma gargalhada este enfermeiro de profissão que nunca “sonhou ser bombeiro”, mas é, nas horas vagas que lhe restam.

Em relação ao incêndio de Monchique, ou outros, realça que “estamos aqui 12 ou 24 horas. Seguidas, embora com alguns períodos de descanso, se conseguirmos. Como estamos a ter agora [fala enquanto bebe uma bebida energética cedida por anónimos e corta uma fatia de chouriço que coloca num pão]”.

créditos: PAULO RASCÃO / MADREMEDIA

De prevenção na serra na estrada 266. Por onde anda agora o turismo da desgraça

Com a fase de rescaldo em curso e decretado o incêndio como controlado, lado a lado, um carro de bombeiros (São Brás de Alportel) e um autotanque (de Albufeira) com “capacidade para 4 mil litros e que jorra 450 litros por minuto em carga máxima” estão parados na berma da estrada Nacional 266, às portas de Monchique e a curta distância das Termas que dão fama à localidade.

São duas viaturas, entre dezenas, ora estacionadas, ora a serpentear em marcha lenta pelas encostas da serra algarvia. Um “comboio” de carros vermelhos (e alguns amarelos, do INEM) e luzes azuis, salpicada por outras viaturas de outras cores. “É o turismo da desgraça que anda na serra”, explica um bombeiro, referindo-se aos “mirones” que ali andam de câmaras fotográficas e telemóveis a registar o negro da paisagem.

Ao lado do oficial Costa, seis bombeiros, duas mulheres e quatro homens “gozavam” as tréguas que as frentes de incêndio proporcionavam no final do dia de sexta-feira, dia em que algumas forças (corporações de bombeiros e INEM) começaram a desmobilizar, seguindo a indicação dada pela 2.ª Comandante Operacional Nacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil, Patrícia Gaspar.

Olhando para a semana que viveu, Antonino Costa relembra que “todos os dias foram críticos, em todo o lado, até ontem [5.ª feira]”.

Assume que é preciso ser um “bocado maluco para andar nisto”. É uma “mistura de tática com loucura controlada”, assume. Só assim poderiam ser feitos este e outros combates aos incêndios florestais (e rurais) que “acontecem todo o ano”, aproveita para esclarecer, embora reconheça que o número aumenta no verão.

créditos: PAULO RASCÃO / MADREMEDIA

O agradecimento espelhado no olhar é quanto baste

Num trabalho de equipa com outras corporações, “apoiamo-nos uns nos outros e só não ajudo se não puder. Podemos arriscar um pouco mais para salvar uma pessoa ou um camarada”, realça enquanto se dirige a um colega com uma frase tentadora naquele instante de pausa: “queres uma chouriça. Anda, come [corta um pedaço e entrega-o acompanhado de uma fatia de pão]”, desafia.

Depois de dias agitados, a conversa entre homens e mulheres segue solta. Encostados à parte da frente de uma das viaturas comentam o que viveram. E aventuram-se por outras conversas mais leves. Riem. As expressões nas faces não desvendam o filme que viveram nas múltiplas horas para trás.

Sustos “já apanhei muitos” diz o bombeiro Costa. Não se alonga na descrição. Sobre o que lhe acontece, “conta” à mulher, mas não aos leitores. “Não os quero assustar”.

Depois do “dever cumprido” da ajuda prestada às populações, diz que nem necessita “de ouvir o agradecimento”, basta “ver a cara”. Para Antonino Costa o olhar de quem ajudou é “como ter uma boa refeição e fazer boa viagem”, resume em jeito altruísta.

Antonino Costa é enfermeiro em Faro e Bombeiro Voluntário em São Brás de Alportel. Esteve em Monchique no combate ao incêndio. Parado na estrada 266 viu a caravana de António Costa passar, mas já não viu, nem ouviu, Marcelo Rebelo de Sousa elogiar o trabalho de todos os operacionais envolvidos. créditos: PAULO RASCÃO / MADREMEDIA

O dever chamou e o enfermeiro Antonino Costa não ouviu os elogios de Marcelo

Explicando que atuaram “na área que desce até Portimão”, esta corporação dos Bombeiros Voluntários de São Brás de Alportel, como outras, está atenta ao “perigo de reacendimento”, e por isso, “estamos por aqui”, salienta.

Cerca de um milhar de operacionais permanecem na serra algarvia de Monchique. Antonino Costa a esta hora já não está fardado de vermelho. “Estou à espera de que me venham render”, salienta.

A rendição dos “voluntários” chegaria na noite de sexta-feira, dia em que o bombeiro Antonino Costa viu a caravana do primeiro-ministro passar-lhe à frente do nariz, quando António Costa abandonava Monchique para onde se deslocou sete dias depois de ter deflagrado o incêndio, indo ao local testemunhar o sucedido, reunindo com os presidentes das áreas afetadas (Portimão, Silves e Monchique) e outras forças vivas da região.

Viu a comitiva que saiu de São Bento mas já não viu, nem ouviu, Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República que no dia seguinte (hoje, sábado), em plena fase de rescaldo e com o incêndio controlado, conforme prometera ir, andou pela serra algarvia e prestou os agradecimentos a todos os operacionais envolvidos no combate a este incêndio.

“Amanhã (hoje, sábado) entro ao serviço no CHUA (Centro Hospitalar Universitário do Algarve)”, encerrou, desta forma, a conversa Antonino Costa, enfermeiro de profissão e bombeiro voluntário nas horas que lhe restam.