Este entendimento da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) decorre da sua incompreensão e surpresa perante a decisão do Governo de manter a proibição da venda de livros, no novo decreto do estado de emergência, contrariando assim aquilo que terá sido a “vontade mostrada pelo Presidente da República” e por “vários partidos com assento parlamentar”.
“Nunca imaginei no século XX ver livros por baixo de sacos de plástico como se fossem lixo ou bens tóxicos. As pessoas ligadas ao setor sentem-se violentadas por essas imagens, mais ainda quando o Presidente da República deu possibilidade que fosse diferente. Mas o Governo não seguiu as recomendações do Presidente da Republica, o que é estranho, mantendo-se o livro inacessível a 80% da população”, disse à Lusa o vice-presidente da APEL, Pedro Sobral.
Segundo o responsável, o argumento da venda ‘online’ não é justificação, porque praticamente só acontece nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, “fora das grandes cidades as pessoas não têm acesso, a capacidade de compra ‘online’ ainda é muito baixa”.
A APEL afirma não compreender que num local de venda onde se pode comprar um telemóvel ou fruta, o acesso aos livros esteja vedado, sendo estes tão importantes para o conhecimento e informação como os jornais.
“As tabacarias que também vendem livros, podem vender revistas, jogos de azar e pastilhas elásticas, mas não podem vender livros. Temos relatos de livros vendidos debaixo do balcão. Voltámos ao Estado Novo. Estamos a falar de um livro, não de armas ou de drogas”, lamentou Pedro Sobral.
Para o responsável, há uma “atitude proibitiva e censória sobre o livro, um bem que pode ser considerado fundamental”.
A APEL assinala que o argumento do Ministério da Cultura é que, com as livrarias encerradas, permitir que os espaços comerciais que permanecem abertos vendam livros, pode causar “desequilíbrio de mercado”.
Esta é uma visão “errada”, para os editores e livreiros, porque as livrarias têm as vendas ‘online’, o que “não funciona para um supermercado, porque no retalho não especializado dificilmente se encontram os livros pretendidos no site ‘online'”.
Acima de tudo, o argumento de não permitir desequilíbrio de mercado vai causar uma situação muito mais grave que é a de deixar um bem essencial vedado a toda a população e os editores “à beira de explodir e de não conseguir pagar a milhares de pessoas”, afirmou.
“Seria fundamental a venda ao postigo, não vemos como isso pode potenciar a catástrofe que vivemos, mas pelo menos que sejam vendidos nos pontos que o estado de emergência permite estarem abertos. Estamos perante um confinamento de dois ou três meses”, desabafou.
Mas mesmo assim, a APEL considera que se houvesse vontade política de resolver este problema, o Governo ter-se-ia reunido com a APEL e representantes do setor para tentar encontrar uma solução, que poderia passar, por exemplo, por apoiar os espaços fechados e deixar os abertos operar.
Esta pode ser a diferença entre “conseguir gerar uma receita mínima, permitir que os livros não sejam devolvidos em massa e aguentar sozinhos para ver pelo menos uma luz ao fundo do túnel”, e “pôr em causa todo um setor”.
“Estamos à beira da primeira falência massiva no setor, por não deixar funcionar o mercado dentro do enquadramento do estado de emergência. Isto é uma situação que não é compreensível”, afirmou o vice-presidente da APEL.
Pedro Sobral recorda que no dia 8 de fevereiro as aulas ‘online’ vão ser retomadas e que haverá necessidade de comprar livros escolares.
A APEL queixa-se das “ajudas absolutamente insignificantes” que têm sido destinadas ao setor do livro, mas sublinha que neste momento já nem está a pedir apoios, apenas que deixem os profissionais do setor trabalhar.
“Não entendo como foram destinados 15 milhões de euros para a comunicação social, 48 milhões para a cultura e, para este setor, primeiro foram destinados cerca de 500 mil euros, agora 600 mil euros e, simultaneamente, foram proibidos de vender nos locais que podem estar abertos”, disse Pedro Sobral.
O responsável destacou que não põe em causa a importância dos valores atribuídos às outras áreas sob a tutela do Ministério da Cultura, “que provavelmente até são insuficientes. O que está em causa é a proporção”.
O setor que engloba “edição, gráfica e livreiros é o que maior numero de pessoas emprega e que traz mais valor acrescentado à economia portuguesa”, lembrou.
Acresce a isto que “o Ministério da Cultura não apresentou uma política, uma ideia, uma estratégia para o incentivo à leitura e ao livro”, acusou, lembrando que é à tutela que deveria caber a “função de apresentar uma estratégia para inverter isto”.
Neste âmbito, elogiou as bibliotecas e os bibliotecários que, “com muito esforço”, têm tentado manter-se a funcionar e a levar os livros até casa das pessoas: “Estão a substituir-se espontaneamente àquilo que é a função do Estado e da tutela”.
“Pensei que este era um problema que tinha ficado definitivamente resolvido no 25 de Abril”, acrescentou.
Os apoios anunciados pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, no contexto do novo estado de emergência, de resposta à pandemia, na área do livro, está prevista a aplicação de 300 mil euros, no programa de aquisição de livros a pequenas e médias livrarias independentes, para distribuição pelas bibliotecas da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas; e de mais 300 mil, numa linha de apoio à edição para editoras portuguesas, destinada a comparticipar financeiramente o custo de edição de livros.
Foi também anunciado o reforço das bolsas de apoio à criação literária, para 24, visando diretamente autores: 12 bolsas anuais, com valor de 15 mil euros cada, e 12 semestrais, com um valor de 7.500 euros cada, num total de 270 mil euros.
A Lusa questionou o Ministério da Cultura sobre os argumentos da APEL e a classificação do livro como bem de primeira necessidade, aguardando resposta.
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