A entrada de muitos peregrinos para o Parque Eduardo VII fez-se pela Avenida da Liberdade. Iam em grupos, bandeiras à frente a esvoaçar. Ao contrário do que aconteceu na terça-feira, a segurança foi mais apertada. Voluntários verificavam credenciais, agentes da PSP revistavam malas. Mais à frente, os pedidos constantes para que se fosse subindo na rua.

Ainda eram apenas 14h30. Os jovens não se importaram com a pressa. Andam há demasiado tempo a cantar que “há pressa no ar”. Queriam ir ao encontro do Papa, que se juntou a todos pela primeira vez nesta Jornada Mundial da Juventude. Hoje, pelo caminho, também cantavam. Os grupos portugueses mostraram-se particularmente ativos, interagindo uns com os outros.

Já no recinto, a confusão começava a instalar-se. Todos querem ir para perto do palco. Na falta dessa possibilidade, quer-se a proximidade de um ecrã. Para isso, é preciso optar. E ouvem-se várias vozes que questionam o melhor sítio. Na relva? Na calçada? Mais longe, sem ecrã, mas à sombra? É definir as prioridades de cada grupo.

Para um lugar confortável (conceito que pode ser questionável, mas a vida de peregrino não é fácil), foram cerca de duas horas e meia ao sol, para muitos. No palco ouviu-se música, ensaiaram-se gritos pelo Papa que tardava a chegar. Mas chegou. Os ecrãs começaram por mostrar as imagens do papamóvel na rua. Tocava “Aprendiz de viajante”, música escrita por um jesuíta. Não podia ser mais apropriado ao contexto.

Imediatamente, o espaço onde estavam os peregrinos passou a ter chão visível: todos correram, dentro dos possíveis, para os limites da rua improvisada no Parque Eduardo VII onde passaria Francisco. Fizeram-se contas rápidas entre os jovens. “Aguentas com 56 quilos? Pega-me às cavalitas e eu tiro fotografias para todos”, dizia uma peregrina portuguesa. Ao lado, outra prometia filmar. Mais à frente, um grupo italiano fazia a festa, cantava e dançava enquanto o Santo Padre não aparecia.

Reza a história que foi depois de um encontro com jovens em Lisboa, em 1982, que nasceu a ideia da Jornada Mundial da Juventude

Muitos escolheram esperar pelo momento a olhar para o ecrã, que estar em bicos de pés não parecia trazer conforto nem sorte. “Daqui a bocado passa aqui e nós a olhar para outro lado”, queixava-se outra jovem. Mas o Papa chegou e foram muitos os que o viram, mesmo que entrecortado por pessoas e telemóveis no ar. Nessa altura, no ecrã, o Papa João Paulo II juntava-se à Jornada. Afinal, reza a história que foi depois de um encontro com jovens em Lisboa, naquele mesmo local, em 1982, que sonhou com a Jornada Mundial da Juventude.

Quando Francisco chegou ao palco, os peregrinos não se contiveram e ouviu-se um aplauso geral. Mas não de todos. Alguns sucumbiram ao cansaço acumulado dos últimos dias. O Papa estava visto, era tempo de uma pequena sesta. Um grupo de espanhóis reveza-se a fazer sobra com a bandeira aos elementos do grupo que tinham adormecido. "Segura assim, olha o sol", comentavam entre si.

Lá à frente, no cenário azul, a movimentação começou. O que primeiro parecia um momento de dança, colorido e animado, depressa se mostrou uma forma de falar de assuntos sérios. De uma caixa saíram cartas dirigidas ao Papa, escritas em várias línguas pelos jovens.

Foram ouvidas histórias de todos os tipos. Há países onde não é fácil viver a fé, outros onde a corrupção impera, há quem sofra com escassez de alimentos e medicamentos. Alguns confessam ter voltado à Igreja recentemente, outros que não são aceites na sua paróquia. Dizem que sentem que há sítios onde parece não haver espaço para errar, não percebem o que Deus quer deles. Olham para o ambiente, para as outras culturas. Pedem que reze pela família, pelos amigos.

E Francisco ouviu, sério, como quem sente a dor de todos no seu próprio corpo. No fim, sorriu e bateu palmas. Restava receber nas suas mãos a caixa de cartão com todas estas preocupações e pedidos dentro.

A pretexto de uma cerimónia de acolhimento, fez-se também a festa em português para o Papa. As bandeiras de todo o mundo apareceram no palco, desceram a escadaria azul rumo ao relvado, coberto em parte por tapetes de flores, e, com elas, os símbolos da JMJ — a cruz e o ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani.

Hoje é um dia de sol
Põe a roupa de festa
Hoje é um dia de sol
A luz que salva te espera

Já vejo ao longe
Quem vem de longe
Povo que canta
Povo que dança

Héber Marques, dos HMB, cantou e o Papa viu tudo isto. O sol de Lisboa, milhares de t-shirts alusivas à JMJ e o mundo inteiro na capital portuguesa. “Esta é a juventude do Papa”, ouviu-se mais uma vez quando o hino terminou. De seguida, um som tão característico. Tocou uma guitarra portuguesa, esperou-se por Mariza a cantar “Foi Deus”. Escutado o fado, Francisco aplaudiu, sorriu e levantou o polegar, num “fixe” que deixou os jovens a sorrir mais um bocadinho e a comentar “tu viste?”.

Francisco aplaudiu, sorriu e levantou o polegar, num “fixe” que deixou os jovens a sorrir

Mas Portugal tem mais a mostrar. O Cante Alentejano chegou com Buba Espinho, acompanhado pelo Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento. Vestidos a rigor, em traje domingueiro, lembraram que “a cantar vamos rezar”. Mas a travessia continuou.

Faz essa viagem, meu bem
Que as tuas mãos livres venham cheias
Que teus pés descalços ganhem vidas
Serenem no alívio dessa estrada

Faz essa viagem, meu bem
Tudo o que se perde ganha asas
Anjos que caminham lado a lado
Vozes que nos guiam as palavras

Tiago Bettencourt, mesmo acompanhado por um grupo de bombos, trouxe a serenidade necessária ao momento que se iria seguir, com o tema “Viagem”. O Papa ia falar. E o discurso levou os jovens a sentirem-se representados, a avaliar pelas constantes interrupções com palmas.

“Amigos, quero ser claro convosco, que sois alérgicos à falsidade e à palavra vazia. Na Igreja, há espaço para todos, para todos. Na Igreja, ninguém sobra, ninguém está a mais, há espaço para todos, assim como somos”, afirmou.

Segundo o chefe da Igreja Católica, “jovens e velhos, saudáveis e doentes, justos e pecadores, todos, todos, todos, na Igreja há lugar para todos”.

E a mensagem tinha de ser tão clara e audível que Francisco pediu ajuda aos milhares de jovens presentes, para que, “todos juntos”, dissessem e repetissem “todos, todos”. E os peregrinos repetiram, convictos de que é essa a realidade que querem na Igreja, "a mãe de todos”.

Salientando que “Jesus recebe, Jesus acolhe”, Francisco avisou que “Deus ama por surpresa, não está programado”, acrescentando: “Deus ama-nos como somos, não como queremos ser ou como a sociedade quer que sejamos”.

“Ama-nos com os defeitos que temos, com as limitações que temos e com a vontade que temos de seguir em frente com a vida”, afirmou, pedindo aos jovens para que “não tenham medo, tenham coragem, sigam em frente”,

No final, pediu para que todos repetissem com ele “Deus ama-nos”, o que a multidão fez. A intervenção terminou com um simples “obrigado e adeus”. É o Papa Francisco.