Numa entrevista à agência Lusa, Rahmani, que esteve em Lisboa para apresentar o livro “Tortura Branca”, escrito por Narges e que foi editado em Portugal em abril pela Casa das Letras (Grupo Leya), admite um cenário complexo e aponta que os perigos de um aumento da repressão podem manter-se ou mesmo subir de tom num cenário de morte do líder supremo do Irão.

“[Todo o processo] é muito complexo. Após a morte de Khamenei, muitas figuras podem aparecer no contexto”, sublinha o ativista, que diz também não acreditar no atual líder dos reformistas iranianos, Masoud Peseshkian, que “tem grande lealdade a Khamenei” e que assume que a “‘linha vermelha’ dele é contrariar as palavras” do líder supremo.

“Também não entendo, mas a conversa dele [Peseshkian], em que se compromete a cumprir a lei e a melhorar a vida do povo, que reduz o preço do dólar, que está a sufocar o Irão. Por isso, se é para respeitar a ‘linha vermelha’ do Khamenei, não sei. Mas sei que o voto do povo do Irão não representa a vontade do povo iraniano”, frisa, num momento em que a República Islâmica está a poucos dias de eleições presidenciais, convocadas para 28 de junho após a morte do Presidente Ebrahim Raisi num acidente de helicóptero em maio passado.

Rahmani lembra que, em 2018, nas eleições presidenciais que levaram à reeleição de Hassan Rohani (presidente iraniano entre agosto de 2013 e agosto de 2021), o candidato vencedor teve 24 milhões de votos, mas que, quatro meses depois, 20 das maiores cidades do país “fizeram manifestações a pedir a morte da República Islâmica do Irão”.

“Os reformistas dizem que, quando Khamenei morrer, há mais espaço para voltar a ter poder e que vai conseguir alterar as coisas. Mas é tudo uma incógnita. Há muitos que dizem que o sucessor será o filho de Khamenei e outros que serão personalidades do Ministério dos Assuntos Públicos, mas não há nenhuma certeza”, afirma.

“Mas há uma certeza. (Na morte de Khamenei) o povo vai sair à rua e vai festejar como o fez quando morreu Ebrahim Raisi”, diz, admitindo, porém, que a população “ainda receia a repressão e tem medo”.

Tendo como pano de fundo as futuras eleições presidenciais de 28 de junho, Rahmani defende que o futuro do Irão tem três saídas.

“A pior hipótese é a de que surja um ditador como o [Presidente da Rússia, Vladimir] Putin no Irão. A segunda é o povo pressionar tanto o regime para que o próprio regime venha a corrigir o rumo, tal como fez a Espanha após [Francisco] Franco [caudilho entre 1936 e 1975]. A terceira hipótese é a que haja uma revolução, que o povo saia à rua e que derrube o regime”, menciona o ativista, adiantando ter ficado “bastante surpreendido” por ficar a saber que Portugal teve uma revolução (25 de abril de 1974) “sem uma única gota de sangue”.

No entanto, prossegue Taghi Rahmani, Khamenei tem presente a ideia de que, no final da Primeira Guerra Mundial (1914/18), os vencedores “não deixaram nenhuma fatia do poder para o povo iraniano”.

“Nesse contexto, Khamenei procura, agora, esse reconhecimento e o poder e enquanto não o obtiver não deixará a liderança” do país, acrescenta, argumentando que o líder supremo do Irão “aspira a uma guerra contra o Ocidente”, mas numa altura em que o povo “está saturado e quer ter um relacionamento normal com o mundo”.

Questionado pela Lusa sobre se o Irão pode vir a enfrentar um conflito armado interno, Rahmani destaca que o regime de Khamenei “já entende o movimento de massas como um de guerra civil”.

“De um lado há armas, do outro há punhos. E isto é uma resiliência cultural e que vai continuar. Por motivos diferentes, irão acontecer novos episódios. Atualmente, através da Internet, os nossos jovens estão ligados a todo o mundo e querem viver e o regime do Irão tirou-lhes essa oportunidade”, refere.

Nesse sentido, depois das eleições legislativas de março – que contaram com, “segundo os duvidosos dados oficiais”, uma participação de 45% -, o ativista acredita que as presidenciais nada irão adiantar quanto à possibilidade de uma mudança na trajetória política e religiosa.

“As pessoas que foram nomeadas e em que o povo terá de votar já foram escolhidas, de tal forma que não podem representar qualquer tipo de perigo para o regime”, sustenta, realçando que a composição do Governo iraniano, a forma como funciona, “é algo que não é comparável a nenhum outro regime no mundo”.

“Existe um líder religioso, que não tem qualquer tipo de responsabilidade, mas manda em todos, e depois tem um presidente e um primeiro-ministro que é escolhido por ele e que têm de respeitar sempre o líder religioso. Ambos têm as mãos atadas”, conclui.

Artigo de José Sousa Dias, da agência Lusa.