Durou quase uma hora. Em Chicago, onde tudo começou, Barack Obama despediu-se da presidência num discurso em que revisitou a atual situação do país e alertou os americanos para a necessidade maior de ultrapassarem - juntos - aquilo que os divide. "A democracia requer um sentimento básico de solidariedade, a ideia de que além das nossas divergências estamos nisto juntos. Crescemos ou caímos juntos".
Obama sublinhou que o futuro dos Estados Unidos exige o resgate dos valores fundamentais que marcaram a fundação da nação, precisamente para que seja possível superar as divergências. "Todos nós, independentemente de partido político, temos que nos lançar na tarefa de reconstruir as nossas instituições democráticas" e tratar de "reduzir a corrosiva influência do dinheiro na nossa política".
Barack Obama reconheceu que apesar do caráter histórico da sua eleição como primeiro Presidente afro-americano, o racismo continua vivo nos EUA e que há “mais trabalho a fazer” para eliminar os preconceitos contra minorias. Os Estados Unidos estão "mais fortes" que há oito anos, a sociedade melhorou as suas relações inter-raciais, afirmou, mas, ainda assim, permanece uma "força de divisão" entre os americanos. “Depois da minha eleição, falou-se muito de uns Estados Unidos pós-raciais. Essa visão, ainda que bem-intencionada, nunca foi realista. Porque a raça continua a ser uma força potente e frequentemente divisiva da nossa sociedade”, disse Obama.
Em referência às críticas de Trump aos imigrantes durante a campanha eleitoral, especialmente contra os latino-americanos, Obama recordou que as mesmas coisas já foram ditas sobre irlandeses, italianos ou polacos."Os Estados Unidos não se enfraqueceram com estes recém-chegados; eles abraçaram os princípios desta nação e com isto o país ficou mais forte". Obama alertou que a democracia norte-americana enfrenta um duro teste, e apelou aos seus apoiantes que ‘passem o testemunho’ de modo a criar um novo “pacto social”.
“A democracia requer uma noção básica de solidariedade. Apesar de todas as nossas diferenças, estamos todos juntos nisto. Vamos vencer ou falhar juntos. Todos nós, independentemente do partido, devemos entregarmo-nos à tarefa de reconstruir as nossas instituições democráticas”, afirmou, adaptando o seu slogan de campanha “Yes we can” (“Sim, podemos) para “Yes we did” (“Sim, fizemos”).
Nunca mencionando diretamente Trump, o Presidente reiterou o seu compromisso com uma transferência pacífica de poder: “Depende de todos nós assegurar que o nosso Governo nos pode ajudar a ultrapassar os muitos desafios que ainda enfrentamos”.
Além dos alertas e do que ficou por fazer, Obama recordou, nesta despedida, o que correu bem: a recuperação da indústria automóvel, a criação de empregos e a retoma das relações com Cuba."Se há oito anos alguém afirmasse que abriríamos um novo capítulo com os cubanos (...) possivelmente teria dito que era uma visão muito otimista. Mas vocês conseguiram isto".
Eleito em 2008, Obama defendeu que o seu país é hoje “um lugar melhor e mais forte” e atribuiu esses desenvolvimentos aos norte-americanos. “Vocês foram a mudança”, afirmou. O ainda presidente pediu ao povo americano que não deixe de acreditar na sua capacidade de promover mudanças e recordou que isso foi possível nos últimos oito anos."Peço que acreditem. Não na minha capacidade de promover mudanças, mas sim na vossa capacidade", declarou Obama, antes de utilizar a frase que se tornou a sua impressão digital na política: "Sim, nós podemos! E fizemos".
Negar alterações climáticas é trair gerações futuras
As alterações climáticas foram um tema-chave neste último discurso enquanto Presidente dos Estados Unidos. Obama afirmou que negar o aquecimento global "trai as futuras gerações" e defendeu o compromisso dos Estados Unidos para enfrentar as mudanças climáticas."Podemos e devemos discutir sobre a melhor forma de abordar este problema, mas não podemos simplesmente negar o problema. Isto não apenas trairia as futuras gerações, mas também trairia o espírito essencial do nosso país".
Olhando para o panorama internacional, Obama apelou a que os Estados Unidos se mantenham “vigilantes, mas não assustados”, defendendo que as duas outras potências mundiais que lutam pela hegemonia global, a Rússia e a China, não a conseguirão, a não ser que o país mude drasticamente. “Rivais como a Rússia ou a China não podem superar a nossa influência no mundo, a não ser que renunciemos ao que defendemos e nos convertamos noutro país grande que abusa dos seus vizinhos mais pequenos.
Obama lembrou ainda que nenhuma organização terrorista estrangeira conseguiu realizar um atentado no país durante os seus oito anos na Casa Branca e assegurou que o grupo extremista Estado Islâmico “será destruído”. “Apesar de [os atentados de] Boston, Orlando ou San Bernardino nos lembrarem de quão perigosa pode ser a radicalização, os nossos agentes estão mais atentos e são mais eficientes que nunca”, sublinhou.
O discurso de despedida teve lugar no centro de Convenções McCormick, junto ao lago Michigan. Em Chicago, a cidade adotada por Obama e o seu berço político, cerca de 20 mil pessoas assistiram ao último discurso do presidente. A menos de duas semanas da sua saída, Obama elogiou Joe Biden, que disse ter sido a sua primeira e melhor escolha para vice-presidente, e agradeceu à sua mulher Michelle e às filhas, Malia e Sasha. Ao fim de oito anos à frente da primeira potência mundial, Obama tem mais cabelos brancos e o rosto mais magro. A audácia da esperança continua, porém, nas suas palavras, e sai da Casa da Branca com um forte índice de aprovação.
Ouça aqui o último discurso de Barack Obama, na íntegra:
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