Hoje que é dia de se falar de selecções, no Brasil onde nada corre bem, até a selecção da casa desistiu de dar uma alegria ao ser vergonhosamente eliminada da Copa América, perdendo por zero a um com o Peru. Para a população, foi mais uma machadada no prestígio nacional e motivo para lamentações. Em termos desportivos, seguem-se os Jogos Olímpicos, marcadas para Agosto. Ora, a menos de um mês do maior evento desportivo do mundo, a cidade do Rio de Janeiro ainda tem várias obras fundamentais por acabar, caiu a ponte duma ciclovia, matando duas pessoas, e a baia da Guanabara, onde decorrerão as provas náuticas, continua uma boca de esgoto. Os últimos vídeos mostram sofás a flutuar numa água castanha cheia de dejectos sintéticos e orgânicos. Os maiores investimentos urbanos, a vias rápidas Transolímpica, a Transcarioca e o metro, talvez não fiquem prontos a tempo. As razões para todos estes atrasos e desaires, são as mesmas de sempre: esquemas corruptos em que grande parte das verbas são desviadas, o que leva a construção deficiente e lenta. A administração da cidade entregou as obras a empresas de familiares ou amigos, que sobrefacturam a troco das habituais luvas ("propinas"). A situação chegou a tal ponto que a cidade se declarou oficialmente falida, o que obriga o Governo Federal a conceder mais uns milhares de milhões de reais de financiamento.
Internacionalmente, não faltam críticas ao que se passa no Rio, com receios de que os atletas apanhem doenças na baia ou sejam picados pelo mosquito zika. Também há o problema da segurança; os trombadinhas andam à solta pela cidade, roubando por puxão tudo o que o transeunte possa trazer, às vezes com violência. A polícia e os bombeiros fazem greve, com salários atrasados; e o Governador interino do Estado, Francisco Dornelles, de 81 anos, limita-se a dizer que está tudo sob controle, quando é gritante que não está. Antigo ministro da Ditadura Militar, mantém o estilo arrogante e não se sente obrigado a responder às incertezas colocadas pelos jornalistas.
Mas os problemas das Olimpíadas e o extremo perigo que é andar nas ruas do Rio de Janeiro não são os temas dominantes no país. O que realmente arrebata uma opinião pública cada vez mais radicalizada é a intensa luta política do dia a dia. Formalmente, é uma disputa jurídica, em torno dos vários casos de corrupção em julgamento, mais os novos casos que aparecem todas as semanas. Mas o corpo a corpo entre os elementos das partes interessadas é muito mais complexo e difícil de esclarecer, até porque as alianças fazem-se e desfazem-se conforme a sobrevivência imediata.
Em termos judiciais, o sistema funciona da seguinte maneira: as procuradorias federais (dos Estados) descobrem um caso de corrupção, a Polícia Federal prende os suspeitos, estes são julgados em primeira e segunda instância. A prisão torna-se efectiva (transita em julgado) a partir da segunda instância, mesmo que os réus recorram para o Supremo Tribunal Federal (STF). Perante uma pena de prisão normalmente pesada (12, 15, 25, 30 anos) o réu aceita denunciar novos ilícitos (a famosa "delação premiada"), o que leva a novos processos. Existe uma proposta para que o réu continue em liberdade até à decisão do STF, o que mudaria completamente a situação; não estando preso, é muito menos provável que se resolva a falar. Se a proposta for para a frente, a capacidade de investigação das procuradorias estatais fica reduzida a quase nada. Acresce ainda que os políticos em exercício só podem ser julgados pelo STF – é o chamado "foro privilegiado". O Congresso votou o fim dessa benesse, mas o STF ainda não concretizou o processo, por razões óbvias: todos os actuais "privilegiados" deixariam de o ser e ficariam na mão das procuradorias estatais.
Dois anos e três meses após o início das investigações da Operação Lava Jato, fica cada vez mais evidente o contraste entre a celeridade dos julgamentos que levam a condenações em massa, em Curitiba, e a lentidão dos processos envolvendo réus com direito a foro privilegiado, em Brasília.
Estas são as disputas de fundo.
Depois, há as disputas caso a caso. O STF não tem prazo para decidir os processos, permitindo-se avançar com uns muito rapidamente e empatar outros meses ou anos. Nos 59 inquéritos, envolvendo 134 investigados, até agora enviados pela Operação Lava Jato ao STF, nenhum caso foi levado a julgamento e, portanto, ninguém foi condenado. Nem há previsão para que isso aconteça tão cedo. Há processos, como o de Aloísio Mercadante, que estão parados há anos no STF, sem qualquer explicação. O STF também pode devolver o caso ao juiz federal, alegando questões processuais, ou pedindo mais esclarecimentos, ou ainda eliminando partes da investigação. É o caso de Lula. O ministro do STF, Teori Zavascki (nomeado por Dilma), começou por tirar as investigações contra o ex-presidente das mãos de Sérgio Moro. Moro não podia investigar Lula e, evidentemente, personagens com foro, como Dilma e os seus ministros. As apurações já feitas por Moro tratavam, por exemplo, da suspeita de que construtoras envolvidas em corrupção na Petrobras prestaram favores ao ex-presidente na reforma de uma quinta em Atibaia e de um apartamento em Guarujá. Mas a pressão foi tal que Zavascki acabou por enviar processo de Lula para Moro; contudo retirou dos autos a famosa conversa entre Lula e Dilma em que ela lhe oferece um lugar no ministério para lhe dar foro privilegiado. Sem essa conversa, Dilma fica protegida da acusação de obstrução da justiça. As mudanças de opinião dos juízes do STF (de onze, só três não foram nomeados pelo PT), andam ao sabor das conveniências e filiação política.
Entre os políticos, o único que já se tornou réu é o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, o político que liderou o processo de impeachement contra Dilma. Na semana passada, por unanimidade, os onze ministros do STF acataram nova denúncia feita pela Procuradoria Geral da República. Cunha é acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e "falsidade ideológica" (adulteração de documentos). Esta semana, e após uma reunião com o presidente em exercício Michel Temer, Cunha demitou-se da presidência da câmara baixa do Congresso, ensaiando um melodrama no momento do anúncio.
Outro exemplo: Paulo Bernardo, ex-ministro do PT, foi apanhado num esquema terrível: ele e os seus apaniguados criaram uma empresa, a Consist, para gerir informaticamente os empréstimos feitos por funcionários públicos reformados. Por cada empréstimo o reformado pagava, sem saber, um real por mês para a Consist. O esquema teria dado cerca de 100 milhões de reais ao grupo. Paulo Bernardo é casado com Gleisi Hoffmann, a senadora que defende o Dilma no processo de impeachment e tudo indica que parte do dinheiro foi usado para gerir a sua eleição. Dos oito acusados, sete foram detidos e um oitavo apareceu envenenado. Mas, antes que a investigação prosseguisse, o juiz do STP Toffoli mandou libertá-los, indicando tratar-se de um "constrangimento ilegal"...
A politica do país transformou-se num carnaval, não no sentido de todos se divertirem, mas na imagem de uma festa de brincadeira onde os mascarados pulam de acordo com objectivos pouco claros, no meio do chinfrim das declarações e contra-declarações, entre o ridículo e o despudorado.
A opinião pública está farta, mas o cortejo de poucas-vergonhas ainda vai no adro.
Comentários