Graham Brady, presidente da Comissão 1922, que gere o processo de eleições internas do partido Conservador, revelou que 200 deputados votaram a favor e 117 contra.
De acordo com as regras do partido, a líder fica imune a novas moções de censura durante um ano.
A vitória da chefe do executivo britânico na moção de censura representa igualmente um risco, já que, como está, o acordo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE) está condenado a ser rejeitado no parlamento, a não ser que May consiga as "garantias adicionais" que pretende dos líderes europeus para apresentar na Câmara dos Comuns, a tempo de uma nova votação, antes de 21 de janeiro.
Considerada politicamente morta em inúmeras ocasiões desde que chegou ao poder há dois anos e meio para conduzir o processo do Brexit, a primeira-ministra britânica viu o seu futuro ameaçado por uma moção de censura lançada pelos próprios camaradas.
Quase 50 dos 315 deputados conservadores da Câmara dos Comuns pediram uma votação sobre a liderança de May, na esperança de tomar o poder e negociar com Bruxelas os termos da saída britânica da União Europeia (UE).
"Estou firmemente determinada a terminar o trabalho", acrescentou, fiel à sua reputação de ser persistente. Theresa May tem absoluta convicção de que o acordo do Brexit que negociou com a UE é o mais equilibrado para um país muito dividido.
Theresa May anuncia que não concorre às eleições de 2022
Numa reunião antes do início da votação, Theresa May terá anunciado hoje perante os deputados do partido Conservador que pretende abandonar o cargo antes das eleições legislativas de 2022, de acordo com vários testemunhos.
"Ela disse que não tinha a intenção de conduzir [o partido] nas eleições de 2022", revelou o deputado Alec Shelbrooke e outros parlamentares à porta da sala onde o grupo parlamentar está reunido para votar a moção de censura que uma parte deles pediu devido à falta de confiança na sua estratégia para o 'Brexit'.
Antes da moção de censura, May fez um pequeno discurso e respondeu a perguntas dos presentes. Quando entrou, foi recebida com gritos e palmadas fortes nas mesas, uma reação normal, mas cujo volume varia de acordo com a situação em que a reunião decorre, e que normalmente é interpretado como um sinal de apoio.
Alguns meios de comunicação britânicos indicaram que um grande número de deputados manifestou publicamente o seu apoio à primeira-ministra, podendo contribuir para evitar uma derrota no voto de confiança.
Depois da moção, quais os cenários previstos para May, Reino Unido — e Brexit?
May ganhou a votação. E agora?
Se os parlamentares decidirem manter a confiança na primeira-ministra britânica, May ganha uma nova esperança para levar em frente a aprovação do acordo de saída da União Europeia. Theresa May concluirá os contactos com os restantes membros da UE em busca de garantias adicionais e submeterá o acordo ao Parlamento britânico.
A sessão de ratificação, prevista para esta terça-feira, foi adiada perante a incerteza nos apoios. May anunciou então que a nova votação aconteceria antes de 21 de janeiro do próximo ano.
Com a confiança reforçada pelo chumbo da moção de censura e diante do medo de um Brexit sem acordo, Theresa May pode conseguir reunir os apoios de que precisa para uma maioria de deputados a ajudar no processo de um Brexit tranquilo, com um período de transição inicialmente previsto até o final de 2020, mas ampliável até 2022.
Se, ainda assim, os deputados rejeitarem o texto, o governo britânico deverá anunciar, em até 21 dias, o que pretende fazer.
E o que pode fazer são eleições gerais antecipadas, por exemplo. May pode renunciar, ou pode decidir convocar eleições. Também a oposição trabalhista pode lançar uma moção de censura contra o governo, que, caso seja aprovada, levaria à formação de um novo executivo no prazo de duas semanas, ou à organização de novas eleições legislativas — que é o que o Partido Trabalhista gostaria de fazer.
A outra hipótese será marcar uma nova consulta popular sobre o Brexit. Theresa May sempre rejeitou a hipótese de um segundo referido à saída do Reino Unido da UE, mas a ideia ganhou terreno nos últimos tempos, dada a grande resistência que o seu plano de saída enfrenta.
Os trabalhistas já avisaram que, se não forem convocadas novas eleições, podem estar a favor da convocação de um novo referendo sobre o Brexit. Porém, embora essa opção conte com o apoio da Câmara, a sua organização exigiria o adiamento da data de um eventual Brexit — e aqui os britânicos estão novamente em choque com Bruxelas.
Para além disso, nada garante que esta nova consulta vá ter um resultado diferente daquele registado em junho de 2016, quando 52% dos britânicos votaram a favor da saída da UE.
Na segunda-feira, a Justiça europeia deixou claro, porém, que, se o Reino Unido decidir fazer marcha atrás, pode fazê-lo de forma unilateral. O prazo para isso é até que sua saída se torne efetiva.
O que podia acontecer se perdesse?
Se Theresa May perder a moção de confiança, os conservadores vão escolher um novo líder para o partido — e para o governo. O afastamento de May iniciará uma corrida ao lugar de sucessor. Os candidatos à cadeira de primeiro-ministro devem ser deputados conservados e contar com o apoio de pelo menos dois camaradas.
Segue-se uma série de votações secretas, em que os Tories vão eliminando o candidato menos popular, até restarem dois finalistas. Esse dois nomes serão submetidos aos restantes membros do Partido Conservador, numa eleição depois de uma campanha pelo país, processo que pode levar semanas.
Tudo pode, contudo, ser mais rápido, tal como aconteceu em 2016: May ganhou em julho desse ano, sem precisar de se submeter a votação final, já que o adversário, Andrea Leadsom, desistiu da corrida.
Com a saída de May, abre-se o caminho para novos desenvolvimentos no Brexit. Um dos cenários pode ser a tentativa de renegociação do acordo com Bruxelas. Entre os candidatos ao lugar de Theresa May, há um bom número de partidários do Brexit — que estão muito descontentes com os termos de saída acordados entre May e os países da União Europeia, considerando que o documento atual mantém o Reino Unido nas malhas de Bruxelas.
O novo líder pode, assim, tentar negociar um texto diferente com os 27 — proposta que, no entanto, já foi posta de lado por Bruxelas e pelos líderes de vários países da UE.
Mais: uma nova ronda negocial entre Reino Unido e União Europeia pode obrigar ao adiamento da data prevista para o Brexit, 29 de março de 2019.
Outra das opções pode ser uma saída sem acordo. O novo primeiro-ministro britânico pode bater com a porta sem acordar os termos com Bruxelas.
Nessa eventualidade, as relações económicas entre o Reino Unido e a União Europeia passariam, da noite para o dia, a ser regidas pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), sendo necessário aplicar de forma urgente uma série de controlos aduaneiros e reguladores no território.
Este cenário é temido por vários setores económicos britânicos, prevendo-se a queda da libra, a moeda britânica, e o aprofundar da incerteza para as empresas.
Alguns dos efeitos práticos previstos para um Brexit sem acordo são a escassez de medicamentos, enormes engarrafamentos nos portos e a paragem de voos de companhias aéreas britânicas.
Quem é Theresa May?
Theresa May, 62 anos, chegou ao poder nas semanas caóticas após o referendo em junho de 2016, quando os britânicos votaram para deixar a União Europeia, o que levou à demissão do então primeiro-ministro conservador, David Cameron, de quem ela foi ministra do Interior durante seis anos.
Apesar de ser eurocética, May era a favor da permanência na UE. Ainda assim, envolveu-se pouco na campanha e insistiu na necessidade de limitar a imigração — tema favorito dos defensores do Brexit.
Um ano depois de chegar a Downing Street, May tomou a desastrosa decisão de convocar eleições legislativas antecipadas destinadas para fortalecer a sua posição. Todavia, acabou por perder a maioria absoluta e ficou dependente do apoio do pequeno partido da Irlanda do Norte, DUP, para poder governar.
Desde então, os ataques dos eurocéticos e pró-europeus da sua própria formação bancada vieram abalar a sua posição várias vezes.
Vários ministros abandonaram-na ao longo do caminho tortuoso de uma negociação mais difícil do que se estava à espera, incluindo dois ministros do Brexit, Dominic Raab e David Davis, e o chefe da diplomacia Boris Johnson. Desde então, este último tornou-se num dos adversários mais acirrados de May.
Até agora, Theresa May tem resistido. E seguiu em frente com seu plano Brexit "baseado em estoicismo e perseverança", diz Iain Begg, professor de Ciência Política na London School of Economics, citado pela agência France-Presse.
"Não subestimem Theresa May"
Theresa Brasier — nome de solteira — nasceu a 1 de outubro de 1956, em Eastbourne, uma cidade costeira no sudeste do Reino Unido.
Depois de estudar Geografia na Universidade de Oxford, onde conheceu o marido, Philip, e de trabalhar brevemente no Banco da Inglaterra, deu os primeiros passos na política em 1986, ano em que foi eleita conselheira do distrito londrino de Merton antes de se tornar deputada em 1997.
Ficou conhecida com um discurso, no qual convocou os Tories (conservadores), então muito à direita, a abandonarem seu papel de "nasty party" ("partido sórdido", numa tradução livre).
May descreve-se como uma mulher muito difícil, e o seu atual ministro das Relações Exteriores, Jeremy Hunt, advertiu recentemente: "Não subestimem Theresa May".
Embora os inimigos a tenham acusado de ter pouca visão política, todos reconhecem a sua força de trabalho.
"Ela é muito diligente, trabalhadora, imersa em detalhes, é muito tecnocrata, muito difícil e pode ser teimosa", disse à AFP o ex-democrata liberal Nick Clegg, vice-primeiro-ministro do governo de coligação de Cameron.
"Todas essas coisas são qualidades muito boas num político do governo", reconheceu Clegg. "Mas nunca vi nela muita imaginação, flexibilidade, instinto, ou visão", acrescentou.
[Com Florence Biedermann e Anna Cuenca da AFP]
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