“O ‘burnout’ é uma sensação que a pessoa tem de continuar a fazer algo que não está a conseguir fazer, ou que está em demasiado esforço para o conseguir, mas não pode deixar de o fazer, e é isto que leva as pessoas muitas vezes a estados dos quais resultam consequências sérias para a sua saúde e isto pode acontecer em qualquer área da nossa vida”, disse o presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da OPP.
Miguel Ricou, que falava à agência Lusa a propósito do Dia Mundial da Saúde Mental, assinalado em 10 de outubro, destacou o facto de se falar mais em saúde mental, para o qual contribuiu a situação de pandemia.
Para o psicólogo, a pandemia veio aumentar “o foco da sensibilidade” da população e “até dos decisores” para esta área e para a importância das pessoas se sentirem bem, para se protegerem em relação ao desenvolvimento de doenças do foro mental e psicológico.
Questionado se tem havido um aumento de problemas de saúde mental devido à pandemia, à guerra na Ucrânia e à crise económica, Miguel Ricou explicou que as consequências a nível da saúde mental “nunca são no imediato”.
“Aquilo que todos percebemos no imediato é que há problemas ao nível da saúde psicológica. Ou seja, as pessoas andam mais tensas, mais ansiosas, mais preocupadas com aquilo que poderá acontecer, com todas as notícias que surgem bastante negativas e assustadoras seja em relação à guerra, seja em relação à crise”, o que as deixa “mais suscetíveis e mais vulneráveis a desenvolver algum problema”, mas, disse, “a maioria é resiliente”.
Desde o dia 01 de janeiro, que o ‘burnout’, um estado de esgotamento físico e mental, faz parte da lista de doenças da Organização Mundial da Saúde, surgindo na secção consagrada aos "problemas associados" ao emprego e desemprego, sendo descrito como "uma síndrome resultante de stresse crónico no trabalho que não foi gerido com êxito.
Miguel Ricou explicou que o ‘burnout’ está associado ao trabalho porque é uma atividade que normalmente se faz com esforço.
“Não vamos trabalhar porque queremos, nem quando queremos (…) trabalhamos em função daquilo que é necessário, para o qual precisamos de obter uma compensação, que normalmente é económica e muitas vezes não é suficiente”, comentou.
Por isso, vincou, “quanto piores forem as condições de trabalho, mais em risco está a pessoa de não conseguir continuar”.
Mas esta situação pode acontecer em “muitas outras dimensões”, pode ser numa relação ou qualquer outra situação em que a pessoa viva “sistematicamente com insatisfação”.
“Vai chegar um dia em que a pessoa, se não conseguir adaptar-se, encontrar alternativas, fazer mudanças na sua vida vai provavelmente entrar em rutura” e ter consequências que resultam normalmente em ‘burnout’.
Para Miguel Ricou, é fundamental fazer intervenções psicológicas preventivas ao nível nos cuidados de saúde primários para ajudar as pessoas a se compreenderem melhor, para evitar que um problema se torne em “perturbações mentais mais sérias”.
Mas para isso, defendeu, é preciso investir mais em recursos humanos: “Há psicólogos, há profissionais de saúde mental formados e informados para trabalhar, o que não há é capacidade de contratar”, lamentou, considerando “ridículo” só haver 250 psicólogos nos centros de saúde.
Destacou, contudo, o facto do Plano de Recuperação e Resiliência prever um investimento nesta área. “É isso que é preciso fazer. No fundo, tornar prioritária uma área que é por natureza prioritária”.
Considerou também “um avanço muito grande” as “maiores seguradoras” já começarem a financiar parcialmente o recurso a consultas de psicologia sem precisarem de passar pelo crivo de uma receita médica.
“É uma coisa positiva no sentido de contribuir para a acessibilidade, naturalmente, mais a nível privado” dos doentes a estes cuidados.
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