Afundada numa grande poltrona, a octogenária evoca o seu bisavô, João Esan da Rocha, natural do estado de Osun, no sudoeste da Nigéria, capturado em 1850 e levado para a América do Sul como escravo, tendo sido libertado anos mais tarde. Foi assim que o "frejon" (conhecido como feijão de coco no Brasil), um prato feito a partir de grãos de feijão e leite de coco, degustado principalmente durante a Semana Santa, se tornou um prato muito popular na sua família e nas casas de muitos outros da etnia yoruba, no sul da Nigéria. "Eu não espero pela Sexta-feira Santa para comer frejon, eu cozinho e como ao longo de todo o ano", afirma.

Mas esta cultura está a perder-se. Poucas pessoas ainda falam o português em Lagos, e os edifícios da época, que ainda guardam o requinte das fachadas sob a pintura descascada, estão em ruínas. Uma casa de 1895, nas cores rosa e bege e com janelas ornadas com grades de ferro forjado, ainda está de pé, bem como a catedral católica, não muito longe.

Mas a mesquita de Shitta, construída em 1892 no mesmo bairro e inspirada nas igrejas coloridas da Bahia, foi destruída. Apenas o carnaval anual de Lagos, muito colorido, e alguns nomes de família, tais como Cardoso, Almeida, da Costa, da Silva ou Gonçalves, existem para lembrar os laços históricos entre a Nigéria e o Brasil.

40 casas ainda de pé

Também é possível constatar alguma influência afro-brasileira nas construções da cidade costeira de Badagry, a cerca de sessenta quilómetros de Lagos, de onde partiram milhares de escravos nigerianos para Salvador. A partir de 1850, os escravos libertos, na maioria convertidos ao catolicismo, começaram a voltar para a Nigéria, trazendo com eles novas crenças e novas influências culturais e arquitetónicas. Entre os ex-escravos, muitos tornaram-se políticos e empresários ricos, que queriam mostrar o seu novo status social. Desta forma, construíram edifícios impressionantes.

O avô da sra. Oyediran foi o primeiro milionário da Nigéria, segundo a lenda. Lagos passou por uma verdadeira metamorfose ao longo de décadas para se tornar a cidade mais populosa de África, com cerca de 20 milhões de habitantes, e o seu património arquitetônico tem sido negligenciado. As "fracas" tentativas de preservação da herança afro-brasileira têm "sido dificultadas pela falta de recursos e corrupção", afirma um funcionário do ministério do Turismo, que pediu anonimato. "Os filhos dos proprietários destes edifícios não ajudam. Muitos deles não têm ideia do valor histórico dos edifícios em que vivem", acrescentou.

Guia turístico, Abiola Kosoko lamenta que a maioria dos edifícios antigos afro-brasileiros tenham sido demolidos para dar lugar a grandes edifícios sem charme, mas mais rentáveis. "Há algumas décadas, contávamos com cerca de 900 destes edifícios na ilha de Lagos, (nos subúrbios de) Epe, Badagry e Ikorodu. Hoje, só menos de 40 ainda estão de pé", disse. "Mesmo o carnaval, que atraía muitos turistas estrangeiros, perdeu o seu esplendor", especialmente por causa dos gangues locais, que semeiam a confusão, lamenta Dayo Medeiros, cujos ancestrais foram escravos no Brasil.

Uma das casas de estilo afro-brasileiro desabou recentemente no subúrbio de Lagos, explica Kosoko, que é bisneto de um antigo rei de Lagos e que escreveu um livro sobre a história da cidade. "Ninguém tentou preservá-lo. Deixaram aquela construção de um andar, uma jóia arquitetónica, desintegrar-se", lamenta.