"Às nossas mãos chegaram cinco telas de um conjunto de seis. Estas obras já passaram pelo Instituto José Figueiredo, tendo uma delas acabado por ser restaurada. Agora, temos a exigente tarefa de restaurar as restantes cinco", explicou hoje à Lusa a coordenadora do centro de restauro diocesano, Joana Afonso.
"Trata-se de pinturas de estilo barroco que representam cenas do culto mariano e que estamos tratar com muita minúcia dada a importância cultural e histórica deste espólio", vincou a especialista em conservação e restauro.
As telas têm as dimensões de 200 centímetros de largura por cerca de 100 centímetros de altura e pertencem ao acervo da capela de Nossa Senhora de Jerusalém, localizada em Sendim da Serra, no concelho de Alfândega da Fé, distrito de Bragança.
O centro de restauro de arte sacra criado em 2015, em Sendim, que agrega investigadores, conservadores-restauradores e historiadores de arte, foi contactado para preceder à recuperação dos cinco quadros.
"É pouco comum encontrar pinturas em óleo sobre tela na região de Trás-os-Montes, uma razão pela qual estes exemplares ganham uma especial atenção, que requerer o domínio das técnicas e critérios da conservação e restauro, para tentar manter as características originais", enfatizou Joana Afonso à Lusa.
O restauro está em curso há já oito meses. Trata-se de um processo muito minucioso, que requer muita paciência e uma técnica apurada.
"Este tratamento é moroso, já que passa por várias fases de restauro, que vão desde tratamento do suporte da tela, que envolve uma limpeza mecânica, passando pela intervenção em alguns rasgões, lacunas, entre outros procedimentos. A parte de intervenção cromática é também muito exigente, dado o valor das peças e o pintor a quem são atribuídas", disse Joana Afonso à Lusa.
As obras encontram-se na fase de preenchimento de lacunas, antecedendo o processo de reintegração cromática, que culminará o restauro. Para a conclusão dos trabalhos falta intervir em duas telas, o que deverá acontecer dentro de um mês.
"Para nós conservadores-restauradores ter uma obra desta dimensão cultural e histórica em mão é sempre um privilégio, o que nos eleva o grau de exigência técnica", disse Joana Afonso à Lusa.
O pintor Bento Coelho da Silveira, que a história da arte portuguesa coloca entre os protagonistas do século XVII, identificando-o como um dos mais presentes na Lisboa anterior ao terramoto de 1755, foi nomeado pintor régio de Pedro II, em 1678, quando já servira as cortes de João IV e Afonso VI.
Por influência italiana, privilegiava o uso de óleo sobre tela, técnica e materiais inovadores no século XVII.
A sua obra sobrevive ainda em instituições como o Convento de São Pedro de Alcântara, onde se encontra "Êxtase de S. Pedro", o Convento dos Cardais, a Igreja da Madre de Deus e a Igreja de São Roque, em Lisboa, a Igreja Paroquial de Santo Antão, em Évora, a Sé Catedral de Castelo Branco, o Mosteiro de Santa Maria de Salzedas, em Tarouca, e a Igreja de Santa Maria de Almacave, em Lamego, entre outras igrejas e templos, como a capela de Nossa Senhora de Jerusalém, em Sendim da Serra, de onde provêm as obras em restauro.
Bento Coelho da Silveira está também presente em coleções como as do Palácio Nacional de Sintra, do Museu Diocesano de Santarém, do Museu de São São Roque, em Lisboa, e dos museus nacionais Soares do Reis, no Porto, e de Arte Antiga, na capital.
A Igreja de São Cristóvão, na Mouraria, um dos poucos edifícios de Lisboa que resistiu ao terramoto de 1755, reúne um dos maiores núcleos conhecidos de obras do pintor maneirista, com 44 telas, entre as quais a "Última Ceia", descoberta em 2014 e restaurada no âmbito de uma ação de financiamento coletivo, inserida no projeto "Arte por São Cristóvão", do Orçamento Participativo de Lisboa, que mobilizou artistas como Rui Chafes e Madalena Vitorino.
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