Falando à Lusa em Luanda, onde se juntou ao também escritor angolano José Eduardo Agualusa no teatro Elinga, que apresentou na capital de Angola o livro "A Sociedade dos Sonhadores Involuntários", lançado em Portugal em 2017, Mia Couto lamentou o "estigma" moçambicano de constante recomeço.
"É uma desgraça terrível [a devastação provocada pelo ciclone Idai]. Uma desgraça humana imediata. Há muita gente que morreu, gente que foi projetada anos para trás, do ponto de vista da construção da sua própria vida, e o país recuou 15 anos. É como se fosse um estigma, este país tem sempre de recomeçar, e recomeçar e recomeçar", sustentou.
Questionado sobre se a tragédia provocada a 14 de março pelo Idai - os mais recentes dados oficiais apontam para 602 mortos e mais de 1,5 milhões de pessoas afetadas -, em conjunto com o caso das "dívidas ocultas" - ligado à prestação de garantias no valor de cerca de 2.000 milhões de euros pelo anterior Governo moçambicano a favor de três empresas do Estado ligadas à segurança marítima e pesca, sem o conhecimento da Assembleia da República e do Tribunal Administrativo -, pode atrasar ainda mais o desenvolvimento do país, Mia Couto referiu que se trata de "um peso para os próximos anos".
"As dívidas ocultas serão um peso que vamos carregar nos próximos anos. Não só as ocultas, mas também aquelas declaradas", respondeu, salientando, porém, que não é só de más notícias que se pode falar de Moçambique.
"É importante também estar atento que Moçambique, durante esse escândalo e durante o momento que estivemos distraídos com isso, conseguiu fechar um capítulo muito sério, em que passou desapercebida a própria informação, que foi firmar os últimos acordos de paz, integrar a gente da Renamo e construir aquilo que eram as últimas etapas para que a gente tivesse paz", sublinhou.
Mia Couto disse também estar "esperançado com o futuro" do país.
"Tenho esperança sim. Mesmo que seja pessimista, sou um pessimista com esperança", concluiu.
Sobre o Idai, dados de sábado do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) moçambicano acrescentam mais quatro vítimas ao balanço de mortes, que permanecia inalterado desde terça-feira, com o de feridos a manter-se em 1.641.
A tabela atualizada eleva para mais de 1,5 milhões o total de pessoas afetadas (1.514.445), um grupo que inclui todas aquelas que necessitam de algum tipo de assistência, que perderam casas ou necessitam de alimentos.
Ao nível da assistência humanitária, os números registaram hoje um ligeiro aumento: há 160.927 pessoas em centros de acomodação.
Um quinto da população que está a receber assistência humanitária insere-se na classificação de grupos vulneráveis, que incluem grávidas e idosos.
Outros números continuam a subir: a contagem oficial indica que há 3.359 salas de aula danificadas e 263.181 alunos afetados.
O número de habitações totalmente destruídas (a maioria de construção precária) subiu para 111.163 e há 112.735 casas parcialmente danificadas.
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