"Durante algum um tempo tivemos a impressão de que a ameaça terrorista tinha ficado para segundo plano, porque surgiram outros problemas, como o dos coletes amarelos e a covid, mas na realidade os números mostram que continua alta desde 2015", explicou à AFP uma fonte das forças de segurança nacionais.

Nos últimos cinco anos, foram cometidos 20 ataques em solo francês, 19 falharam e 61 foram frustrados. Mas nas últimas semanas, uma combinação de fatores levou as autoridades a reavaliar o nível do risco.

Em primeiro lugar há o julgamento em andamento dos ataques de janeiro de 2015 - contra o semanário Charlie Hebdo e um supermercado kosher em Paris - que representa o risco de "ações de apoio aos acusados". Somado a isso está a recente republicação de caricaturas do profeta Maomé pelo Charlie Hebdo e a "instrumentalização" em França e no exterior de  discursos recentes do presidente Emmanuel Macron e a ação do governo contra o "separatismo islâmico".

Numa homenagem nacional ao professor Samuel Paty, decapitado por um islamita a 16 de outubro perto de Paris por mostrar tais desenhos numa aula sobre liberdade de expressão, Macron disse que França "não renunciaria à publicação de caricaturas".

Em alguns países de maioria muçulmana, os fiéis reagiram com raiva queimando retratos do presidente francês em manifestações. Foi também lançada uma campanha para boicotar a compra de produtos franceses.

Na quarta-feira, um ataque com explosivos deixou vários feridos no cemitério não-muçulmano de Jidá, na Arábia Saudita, durante uma cerimónia por ocasião do 11 de novembro, data em que se comemora o fim da Primeira Guerra Mundial, na presença de representantes do consulado francês e de outros países europeus.

O consulado francês em Jidá já havia sido alvo de um ataque com uma faca no dia 29 de outubro, no qual um guarda ficou ferido. No mesmo dia, dois paroquianos, incluindo uma brasileira, e um sacristão foram mortos por um tunisino em Nice.

Num mês, França sofreu três ataques em seu território: um ataque com faca que deixou dois feridos perto da antiga sede do Charlie Hebdo no final de setembro, o assassinato do professor Samuel Paty e o ataque com uma faca na basílica de Nice.

O ataque mais recente, em Viena, cometido por um simpatizante do Estado Islâmico, também foi um lembrete de que a ameaça tem como alvo toda a Europa.

Na terça-feira, após uma mini-cúpula europeia, Macron exortou aos parceiros europeus a necessidade de intensificar a luta comum contra o terrorismo.

Uma ameaça "endógena"

Para os serviços de inteligência, ao contrário de 2015, a ameaça em França, hoje, é principalmente "endógena". Indivíduos isolados e desconhecidos dos serviços de inteligência, presentes no país e que, inspirados pela propaganda jiadista, cometem ataques com facas que requerem pouca preparação.

As autoridades também levam muito a sério a ameaça de um ataque planeado do exterior, como os de 13 de novembro de 2015.

"Não é por o Estado Islâmico ter sofrido uma derrota militar que as suas capacidades foram aniquiladas", disse à AFP um funcionário que trabalha em contraterrorismo.

Entre 100 e 200 jiadistas franceses estão na zona síria-iraquiana, especialmente na província de Idlib, um importante reduto no noroeste da Síria.

"Eles têm armas, dinheiro, recursos e, portanto, acreditar que não são capazes de cruzar clandestinamente as fronteiras para chegar a França é ilusório", acrescentou a mesma fonte.

Para enfrentar a ameaça, França aumentou os efeitos da Direção-Geral de Segurança Interna - mais 1.250 agentes no período de cinco anos de Macron - e fortaleceu o arsenal legislativo.

Algumas medidas provocaram polémica, como operações de busca e apreensão sem ordem judicial ou o encerramento de locais de culto.

Outros textos também estão a ser preparados, incluindo uma lei contra o "separatismo islâmico".

Sobre a espinhosa questão de libertar pessoas radicalizadas da prisão, o governo francês prometeu reforçar os dispositivos existentes. O agressor de Viena tinha sido libertado no final de 2019, após oito meses de prisão por tentar viajar para a Síria. Um exemplo que preocupa os serviços de inteligência franceses.

Quase 40 detidos foram ou serão libertados antes do final de 2020 e 150 antes de junho de 2022.