Pela hora em que este artigo é escrito, o nome do juiz Neto de Moura ainda é um dos assuntos mais discutidos no Twitter em Portugal. Já o tinha sido no final do ano passado, quando a imprensa deu conta de um acórdão, datado de 11 de outubro de 2017, no qual o magistrado visa uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica. Nesse mesmo caso, Neto de Moura invocou a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a manutenção de pena suspensa para um homem que tinha agredido a sua mulher com uma moca de pregos após esta lhe ter sido infiel.

Em fevereiro deste ano, o nome do juiz desembargador voltou à praça pública após Neto de Moura ter mandado retirar a pulseira eletrónica a um homem que foi condenado pelo crime de violência doméstica, depois de ter perfurado o tímpano à companheira a soco, após sucessivas ameaças de violência. No acórdão, o juiz alega que os colegas da primeira instância que condenaram o agressor a usar pulseira eletrónica não justificaram na sentença a necessidade imprescindível de aplicar essa medida para proteger a vítima.

Para adensar a trama acima descrita, somam-se duas intervenções do Conselho Superior da Magistratura. Uma, relativa ao primeiro caso acima exposto, resultou numa advertência escrita para o juiz. Em relação à segunda decisão acima enunciada, o Conselho disse não ter competência para interferir na decisão jurisdicional de Neto de Moura.

A atualidade traduziu-se em sátira e os dois parágrafos acima serviram para alimentar os guiões dos vários programas e rubricas de humor em Portugal. Segundo a edição de sábado do jornal Expresso, Joaquim Neto de Moura ter-se-á sentido ofendido pelo que ouviu e anunciou querer processar por ofensa à honra quem fez comentários nos jornais, televisões e redes sociais. Ao todo, serão 20 pessoas as visadas por ofensas à honra pessoal e profissional, entre as quais se incluem nomes como Ricardo Araújo Pereira, Bruno Nogueira, João Quadros e Diogo Batáguas, assim como das políticas Mariana Mortágua e Joana Amaral Dias ou da jornalista Fernanda Câncio. “Estamos a fazer o levantamento dos casos que consideramos que são realmente relevantes e excessivos”, disse o advogado de Neto Moura, Ricardo Serrano Vieira, à TSF e ao jornal Público. Dos processos, o juiz quer retirar pedidos de indemnização, mas a defesa assume que ainda não está definido um valor.

Após a primeira página do semanário ter ido para as bancas, as últimas 24 horas foram de resposta. “Os humoristas são muito como as crianças, quando dizes que ela não pode fazer uma coisa, a tendência é para fazer pior”, disse Diogo Batáguas após a atuação neste domingo à noite no programa da SIC "Levanta-te e Ri!", depois ter desabotoado a camisa e exibido uma t-shirt com a hashtag #netodemouraécorno.

“Eu desconfio que a dada altura da sua vida Neto de Moura foi corno, mas corno muito corno. Um cornalhão... muito corno. E que desde então se dedica a punir todas as mulheres infiéis”, disse Diogo Batáguas num vídeo publicado no YouTube, para logo depois pedir a divulgação da dita hashtag. No vídeo, o humorista refere ainda que "esta fixação pela punição da mulher adúltera e pelo atenuar de penas de cornudos tem uma origem muito pessoal”. Palavras consideradas ofensivas pelo juiz desembargador, que incluiu o humorista na lista de visados de um eventual processo.

A noite de troco tinha começado horas antes, no final do "Jornal das 8" da TVI, quando Ricardo Araújo Pereira (RAP), no programa “Gente Que Não Sabe Estar”, após apresentar dois sketches de uma rubrica intitulada “Juiz Neto de Moura desvaloriza violência”, em que o magistrado satirizado pelo próprio RAP desvaloriza de forma absurda cenas de violência brutal, recorda a citação que levou o juiz a ameaçar processá-lo, proferida a 10 de fevereiro: “A sensação que tenho é que a única situação em que uma advertência [referindo-se à dada ao juiz pelo Conselho Superior da Magistratura] destas faria sentido é se for enrolada e enfiada no rabo do juiz. Pode parecer chocante, o juiz Neto de Moura se calhar discorda, mas há um precedente bíblico porque em Levítico 3:17, o senhor disse a Moisés enrolarás a advertência e enfiá-la-ás no rabo do juiz iníquos e ele permanecerá com ela enfiada sete dias e sete noites ou até começar a gostar. Uma das duas”.

Depois de recordar o programa que terá ofendido o juiz, RAP prosseguiu. “Há pessoas que se aborrecem com tudo. [...] Considerações como esta fazem dói-dói no meritíssimo e ele agora processa políticos e humoristas e lá estou eu também. Na perspetiva dele, rebentar o tímpano ainda é como ao outro. Agora escárnio? Sarcasmos? Isso aleija. Até um juiz que apela ao poder de encaixe das mulheres no que toca a socos, mas tem dificuldades em encaixar paródia. Fica a sugestão para as próximas mulheres a serem julgadas pelo juiz, basta dizerem 'meritíssimo ele realmente deu-me várias tareias, tudo bem, nada a dizer. Mas contou três anedotas que me amesquinharam tanto que fiquei mesmo macerada com aquilo'”, brincou Ricardo.

No entanto o momento alto estava reservado para minutos depois quando Ricardo Araújo Pereira apresentou um jogo disponível online baseado na recente polémica da ameaça de processos por Neto de Moura. “O jogo está disponível em www.salvaoneto.pt e [...] diz assim 'A opinião pública está a conspurcar a idoneidade do juiz Neto de Moura. Ajuda-o a escapar à censura social e a chegar a casa limpinho para escrever mais acórdãos infames", explicou Ricardo.

"Portanto cá em baixo temos o juiz Neto de Moura e em cima temos a opinião pública representada por vários rabos. A opinião pública lança imundas calúnias aqui representadas por cocó. [...] Se o Neto de Moura se abrigar debaixo do Conselho Superior de Magistratura não leva com cocó que eles protegem-no. Se carregares no espaço atira uma moca com pregos e destrói os rabos. Quando ela perde diz 'Vemo-nos em tribunal, rabos'. Mas quando se ganha, coisa que eu incentivo todos a tentarem, também tem uma mensagem de aquecer o coração: 'Parabéns. Ganhaste. Graças a ti, o juiz ilibou mais um vil agressor. Boa!', resumiu o apresentador.

Do grupo de humoristas visado apenas faltava a resposta de João Quadros e Bruno Nogueira, autores da rubrica Tubo de Ensaio que é emitido diariamente na TSF. Através do Twitter ambos prometeram responder “em sede própria”, ou seja esta segunda-feira no programa. E assim foi.

“Segundo percebi o senhor juiz sente-se ofendido, e de facto está no seu direito, e como sei que é um homem de confissões deixe-me confessar-lhe que se o senhor não se sentisse ofendido, provavelmente eu não estava a fazer bem o meu trabalho. Eu também me sinto ofendido com o que o senhor escreve nos seus acórdãos, e, já agora, nestas coisas deixe-me fazer como o senhor e recorrer aos mais antigos que dizem: amor com amor se paga”, disse Bruno Nogueira antes de afirmar que “isto das ofensas é tudo muito relativo, mesmo em termos judiciais posso recorrer a um recente acórdão, onde, além do senhor não ter considerado grave uma mulher ser agredida a soco pelo ex-marido ao ponto de ter ficado com um tímpano furado, acrescenta como facto de pouca gravidade as ofensas verbais e ameaças”. “Sendo assim, como vê, eu sinto-me defendido pelo seu próprio acórdão”, rematou.