Com mais de 100 anos de existência, a Casa Verde é um marco na chamada “rua das lojas” da capital algarvia, bastando lá entrar para que a arquitetura, as madeiras que a decoram ou o cheiro dos tecidos remetam para as visitas com a avó ou a mãe às antigas retrosarias.
Fechadas por imposição do Governo, as portas da loja voltaram a abrir-se assim que “foi possível”, apesar das restrições e incertezas colocadas pelas medidas de combate à pandemia da covid-19, contou à Lusa o gerente, Fernando Matos.
“Vamo-nos aguentando minimamente, mas não está fácil para ninguém. Dá para ver pelo tamanho do ‘bicho’ [loja], que o que está aqui não é fácil. Vamos puxando pela cabeça, em vez de comprar, manter [o stock], para depois fazer face às despesas. É tudo um pau de dois bicos”, desabafa.
Para Fernando Matos, não valerá a pena “abrir agora para salvar a situação” se tiverem de voltar a fechar outra vez. Já que se optou por iniciar uma nova fase do desconfinamento, as pessoas deveriam “resguardar-se” o máximo possível, para que não seja necessário fechar outra vez, o que não “seria nada fácil”.
Os empregados que estiveram em ‘lay-off’ regressaram assim que a atividade retomou, não tendo havido cortes no pessoal, e apesar dos poucos clientes na loja, não param um minuto, com o tempo a ser aproveitado para “fazer o inventário”.
Entre tecidos a metro, camisas, roupa interior e uma enorme palete de fitas ou formatos de botões, o acesso a uma parte da loja teve de ser condicionado para que se pudesse enquadrar nos estabelecimentos até aos 200 metros quadrados cuja abertura foi autorizada na segunda fase do desconfinamento.
O atual movimento permite “fazer face às despesas” e manter todos os empregados no ativo, trabalhando “como podem”, mas Fernando Matos afirma sentir que a “economia teve uma quebra muito acentuada nesta segunda fase”, em relação ao ano passado.
É no extremo oposto da “rua das lojas”, já numa zona mais moderna, que a reportagem da agência Lusa encontra outro exemplo de resiliência: uma das 11 lojas de uma cadeia de sapatarias no Algarve que irá manter “todos os 34 empregados”, revela à Lusa o proprietário.
Num negócio cuja dinâmica depende das mudanças de “estação”, houve a necessidade de fazer uma gestão das coleções “em função da atualidade” recorrendo ao “diálogo” e à “compreensão” dos fornecedores, apontou Manuel Silvestre.
“As encomendas já estavam todas feitas. Causámos algumas dificuldades a alguns dos nossos fornecedores e procurámos um entendimento para reduzir as quantidades. Algumas irão manter-se e acabaram por nos oferecer um prazo mais dilatado [para pagar]”, refere.
Na loja, os clientes já procuram sapatos da nova coleção de verão, mas, em relação ao futuro, a realidade dos países emissores de turistas e o combate à pandemia não trazem “alento” a Manuel Silvestre, que considera que apenas no “final do verão, princípio do inverno” a situação possa “começar a atenuar”.
A Associação do Comércio e Serviços da Região do Algarve (ACRAL) está a acompanhar as dificuldades do setor e tem no terreno um inquérito para levantamento da realidade e das principais necessidades dos empresários.
O presidente da ACRAL, Paulo Alentejano, aponta à Lusa que a grande maioria do comércio e serviços vai “retomar e abrir”, mas alerta para a “grande incerteza no ar” sobre se haverá, ou não, uma nova vaga, o que poderá ser “demolidor e comprometer o verão”.
Para aquele responsável, há a “expectativa” de que o verão possa ter movimento e seja possível “recuperar alguma coisa” de uma situação que tem sido “agravada nos últimos meses”.
Caso isso não se verifique, a região irá para o seu “terceiro inverno consecutivo”, levando ao “encerramento de empresas e despedimentos” e a uma “possível crise social”.
“Houve empresas que já encerraram. Sinceramente, acho que as pessoas estão a tentar o seu último balão de oxigénio nesta retoma e, se houver um verão que ‘se veja’, salva a situação”, calcula.
O responsável afirma haver, neste momento, “várias questões em cima da mesa”, como as moratórias, que “têm obrigatoriamente que ser alargadas” ou a situação de ‘lay off’ que “tem que ser enquadrada com a próxima época baixa”.
“Vive-se neste momento numa grande incerteza, não se consegue perspetivar o futuro e consolidar um plano de negócios para avançar nos próximos meses, porque não sabemos o que nos espera”, realça o presidente da ACRAL.
Quanto ao programa de apoio à região anunciado em julho de 2020 pelo Governo, Paulo Alentejano afirma que “nada chegou às empresas” e que nada se perspetiva a curto prazo, comparando a situação à “cura que chega depois do doente já ter morrido”.
“O Algarve tem características próprias, tem um setor do turismo abrangente e transversal a toda a economia e está a sofrer de uma ponta a outra, em todos os setores”, lamenta.
A ACRAL vai criar um gabinete de apoio ao pequeno empresário, que muitas vezes não tem “tempo e acesso à legislação” que sai “avulso, descoordenada e pouco entendível”.
“Há uma incerteza geral em relação a todo o processo, o que não nos permite perspetivar nada de futuro. Estamos numa situação de ‘empurrar com a barriga’ e de ver diariamente como é que se vai gerindo os negócios”, conclui.
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