O Pacto Climático de Glasgow foi aprovado às 19h42, hora em que Alok Sharma fez o anuncio, aceitando assim uma alteração de última hora feita pelo ministro do Ambiente indiano, Bhupender Yadav, para alteração do parágrafo sobre o carvão, alterando o fim do seu uso para a “diminuição” do seu uso e dos subsídios.
Assim, o pedido da Índia para substituir o fim progressivo - "phase-out"- por uma redução progressiva - "phase down" - foi aceite com manifestações de desagrado de várias delegações, como a Suíça, e a União Europeia, e ainda de países mais vulneráveis às alterações climáticas.
A Índia quis ainda acrescentar ao parágrafo o "apoio aos países mais pobres e vulneráveis em linha com as suas circunstâncias nacionais".
O vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, criticou a insistência da Índia em proteger o uso do carvão, algo que, argumentou, “não tem futuro” nem é “uma proposta económica inteligente”, frisando ainda que "a União Europeia queria ir ainda mais longe em relação ao carvão, consequência da sua própria experiência dolorosa". Expressando "desilusão" com a proposta indiana e salientando que continuar a apostar no carvão como fonte de energia não é economicamente viável, saudou no entanto a "histórica decisão" que considerou ser a declaração final.
“Isto não nos deve impedir de aprovar hoje uma decisão história”, concluiu.
A chefe da delegação da Suíça, Simonetta Sommaruga, não hesitou em "expressar profunda desilusão” pela alteração, lamentando que a linguagem sobre o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis tenha sido "diluída como resultado de um processo pouco transparente”.
Simonetta Sommaruga salientou que o texto adotado sai "ainda mais enfraquecido" e que "não é preciso reduzir, mas acabar" com o uso de carvão. Criticou ainda a forma como a alteração foi introduzida, mas, falando também em nome do Environmental Integrity Group (EIG), grupo que inclui a Coreia do Sul e México, entre outros, Sommaruga disse que não se opunha porque "não queria arriscar sair de Glasgow sem um resultado”.
Liechenstein e México queixaram-se de terem sido excluídos das negociações e de esta alteração ser uma “pílula envenenada”, e os representantes das ilhas Fiji e de Antigua e Barbuda destacaram as consequências das alterações climáticas para os territórios insulares.
Mas foi a enviada especial para o Ambiente das Ilhas Marshall, Tina Stege, que foi mais incisiva, ao dizer que a referência inédita ao carvão no texto tinha sido uma das poucas vitórias da Conferência.
“Era uma das poucas coisas que queríamos levar daqui de volta para casa com orgulho. E agora vemos essa luz diminuída”, lamentou, acrescentando que só aceitava a alteração "apenas”, e sublinhou “apenas”, porque “existem elementos críticos deste acordo” que as pessoas do seu país “precisam para sobreviver”.
Os diplomatas de quase 200 países chegaram desta forma ao acordo destinado a intensificar os esforços para combater as alterações climáticas, apelando aos governos para que regressem no próximo ano com planos mais fortes para reduzir as suas emissões e exortando as nações ricas a "pelo menos duplicar" o financiamento até 2025 para proteger as nações mais vulneráveis dos perigos de um planeta mais quente.
O novo acordo não irá, por si só, resolver o aquecimento global e deixa por resolver a questão crucial de quanto e com que rapidez cada nação deverá reduzir as suas emissões durante a próxima década. Além disso, ainda deixa muitos países em desenvolvimento muito aquém dos fundos de que necessitam para adotar uma energia mais limpa e lidar com desastres climáticos cada vez mais extremos.
Presidente de conferência emocionado pede desculpa por cedências finais
O presidente da conferência climática COP26, Alok Sharma, pediu desculpa de forma emocionada pela forma como as negociações de última hora decorreram para ser possível aprovar o texto final, 26 horas depois do previsto.
“Peço desculpa pela forma como este processo foi desenvolvido. Peço imensa desculpa. Também percebo a profunda desilusão. Mas também é crucial que protejamos este acordo”, afirmou, na sessão final, parando por momentos a intervenção para se recompor.
No final, disse que a versão revista da declaração final foi aprovada com alterações feitas oralmente, e encerrou oficialmente os trabalhos batendo com o martelo.
A 26.ª conferência do clima das Nações Unidas (COP26) decorreu seis anos após o Acordo de Paris, que estabeleceu como meta limitar o aumento da temperatura média global do planeta entre 1,5 e 2 graus celsius acima dos valores da época pré-industrial.
Apesar dos compromissos assumidos, as concentrações de gases com efeito de estufa atingiram níveis recorde em 2020, mesmo com a desaceleração económica provocada pela pandemia de covid-19, segundo a ONU, que estima que ao atual ritmo de emissões, as temperaturas serão no final do século superiores em 2,7 ºC.
Pacto Climático de Glasgow mantém ambição de limitar temperatura a 1,5ºC
O Pacto Climático de Glasgow, que sofreu alterações até ao último momento, reafirma o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC (graus celsius), decidido há seis anos no Acordo de Paris, e diz ser necessário reduzir as emissões de dióxido de carbono em 45% até 2030, em relação a 2010.
Reconhece-se que limitar o aquecimento global a 1,5ºC exige “reduções rápidas, profundas e sustentadas das emissões globais de gases com efeito de estufa, incluindo a redução das emissões globais de dióxido de carbono em 45% até 2030 em relação ao nível de 2010 e para zero por volta de meados do século, bem como reduções profundas de outros gases com efeito de estufa”.
O Pacto salienta a urgência de reforçar a ambição e a ação em relação à mitigação, adaptação e financiamento nesta “década crítica” para colmatar as lacunas na implementação dos objetivos do Acordo de Paris, e nele pede-se aos países em falta que apresentem até novembro do próximo ano as suas contribuições para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.
Os presentes em Glasgow instaram também, segundo o documento aprovado, os países desenvolvidos a “pelo menos duplicarem” o financiamento climático para a adaptação às alterações climáticas dos países mais pobres.
E apela-se aos países mais ricos e instituições financeiras para “acelerarem o alinhamento das suas atividades de financiamento com os objetivos do Acordo de Paris”.
Guterres afirma que conclusão de "compromisso" não atrasa catástrofe
O secretário-geral das Nações Unidas alertou hoje que "a catástrofe climática continua a bater à porta" apesar da aprovação de uma declaração final na cimeira do clima (COP26) que considerou cheia de contradições.
Em comunicado, António Guterres considerou que a 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas "deu passos em frente que são bem vindos", mas ressalvou que se trata de "um compromisso" cheio de "contradições".
"Ainda não chega", afirmou sobre o consenso a que se conseguiu chegar em Glasgow, apontando que "os textos aprovados são um compromisso, refletem os interesses, as condições, as contradições e o estado da vontade política no mundo de hoje".
Guterres lamentou que "infelizmente, a vontade política coletiva não tenha sido suficiente para ultrapassar algumas contradições profundas" e defendeu que "é altura de entrar em modo de emergência antes que a chance de chegar à neutralidade carbónica chegue a zero" e "o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis".
"Acabem com o carvão", exortou, usando a expressão "phase out", justamente a que foi retirada da declaração final a pedido da Índia, que preferiu a expressão "redução" ("phase down").
O secretário-geral da ONU apontou que não foi em Glasgow que se conseguiu cumprir o compromisso de 100 mil milhões de dólares anuais em financiamento climático, mas salientou que se conseguiram "alicerces para progresso".
Saudou que se tenha fechado o "livro de regras" de aplicação do Acordo de Paris para combate às alterações climáticas, com decisões sobre o mercado de licenças de emissões e a transparência no cálculo de créditos de carbono, mas frisou que "ainda não chega".
"A ciência diz-nos que a prioridade absoluta deve ser a redução rápida, profunda e sustentada de emissões durante esta década", concretamente, "um corte de 45 por cento em 2030, em relação aos níveis de 2010", defendeu António Guterres.
Mesmo que sejam cumpridas as contribuições nacionalmente determinadas - com compromissos de redução de emissões e de prazos para a neutralidade carbónica - "as emissões aumentarão esta década, num percurso que levará a um aquecimento global bem acima dos dois graus no fim do século em comparação com os níveis pré-industriais".
"Já fui primeiro-ministro do meu país. Imagino-me hoje no lugar do líder de um país vulnerável", disse Guterres, citando problemas como a escassez de vacinas contra a covid-19, a depressão económica, o aumento da dívida e os recursos internacionais para a recuperação que são "completamente insuficientes".
Argumentou que "proteger nações de desastres climáticos não é caridade, é solidariedade e interesse próprio esclarecido", apontando a outra "crise climática" que surge atualmente, o "clima de desconfiança" global a que não ajuda o falhanço no cumprimento dos compromissos de financiamento climático aos países menos desenvolvidos.
"Sei que muitos de vocês estão desapontados", disse António Guterres, dirigindo-se "à juventude, às comunidades indígenas, a quem lidera o exército da ação climática".
Contrapôs que "o caminho do progresso não é sempre linear, às vezes há desvios, às vezes há valetas" e frisou que "a COP27 começa agora".
COP26: Ambientalistas lamentam emenda da Índia em cimeira que "soube a pouco"
As organizações ZERO, Oikos e a Fundação Fé e Cooperação (FEC) consideraram hoje “lamentável” a emenda na declaração final da Cimeira do Clima proposta pela Índia de considerar a redução do uso de carvão, ao contrário da sua eliminação.
Para as organizações ZERO, Oikos e a FEC, esta emenda “mostra a enorme dependência de muitos países deste combustível fóssil em particular, que é um elemento fundamental da descarbonização global”.
Sobre o evento, afirmam que “as medidas adequadas no combate à crise climática exigiam uma resposta satisfatória em todos as frentes: mitigação, adaptação, financiamento e justiça climática”.
“Em nenhuma delas esta COP cumpriu inteiramente. Ficámos bem aquém de assegurar uma trajetória que garantisse um aquecimento não superior a 1,5°C em relação à era pré-industrial. Trata-se de um 'status quo' iníquo, para a resolução do qual a 26.ª Cimeira do Clima não deu os contributos necessários. Contudo, se o texto final não agrada inteiramente a ninguém, não deixa de ser uma base para progressos futuros”.
As três organizações, que estiveram presentes na 26.ª Cimeira do Clima, consideram que “a confirmação da ausência na cimeira do presidente Chinês, Xi Jinping, e a falta de novos compromissos significativos da parte da China na redução das emissões, nomeadamente já a partir de 2025, como a ciência indica ser imprescindível, foi uma desilusão”.
“Os presidentes da Rússia e do Brasil também decidiram não comparecer, o que não ajudou em termos do sinal que os líderes devem passar sobre a importância deste problema e destas negociações decisivas”, prosseguem as organizações.
E adiantam: “Na frente da ambição, eram precisas medidas de mitigação para conter o aquecimento do planeta em 1,5°C, o limite máximo de segurança para evitar um aumento dramático de fenómenos climáticos extremos”.
“A Índia apresentou um conjunto de metas, as quais, sem serem particularmente ambiciosas, tal como a da neutralidade climática apenas em 2070 ou a da incorporação de mais energias renováveis até 2030, representaram um sinal importante em termos de comprometimento futuro daquele que é o terceiro maior país em termos de emissões no mundo”.
Também o acordo alcançado de redução até 2030 das emissões de metano, o segundo gás mais importante em termos de emissões e responsável por cerca de 30% do aquecimento global, foi “um passo muito significativo, pois este gás é uma peça chave para reduzir as emissões até 2030”.
As organizações acreditam que a COP26 vai “a prolongamento” na Cimeira do Clima no Egito, em 2022.
[*Com Agência Lusa]
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