Estas posições foram transmitidas aos jornalistas por António Costa no final de uma reunião do Conselho de Superior de Segurança Interna (CSSI), no Palácio da Ajuda, tendo ao seu lado a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, que foi juíza do Tribunal Constitucional.

“É necessário agora proceder à elaboração de um novo dispositivo legal que respeite os limites do Tribunal Constitucional e que também os limites da decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia”, declarou o líder do executivo.

Perante os jornalistas, António Costa classificou como essencial que “o Estado de Direito não fique totalmente desprotegido no combate ao crime transnacional, em particular ao crime organizado e terrorismo”.

“A ministra da Justiça tem um grupo de trabalho que já está a funcionar, de forma a que, desejavelmente em junho, logo que a Assembleia da República se liberte do debate do Orçamento do Estado para 2022, se possa ter um novo quadro legislativo. Um novo quadro legislativo respeitando a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Tribunal Constitucional e que não desmunicie o Estado de Direito das ferramentas para combater a criminalidade mais grave”, frisou.

Nas suas declarações aos jornalistas, António Costa demarcou-se de parte das críticas antes feitas pelo PS ao projeto de lei anunciado pelo PSD sobre metadados, considerando que essa iniciativa legislativa “responde a parte dos problemas”.

“Há outro conjunto de problemas que não responde. No grupo de trabalho que está envolvida a Procuradoria Geral da República, a Polícia Judiciária e outros órgãos de polícia criminal, estamos a procurar identificar o conjunto dos problemas dentro dos limites da jurisprudência estabelecida pelo Tribunal de Justiça e da União Europeia. Temos de dotar a investigação criminal do máximo de ferramentas possíveis para proteger a sociedade contra o crime organizado”, assinalou.

António Costa acrescentou que, nesta questão, “estão vários valores constitucionais em causa” e que “compete ao poder político harmonizar da melhor forma possíveis esses diferentes valores constitucionais”.

O Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a preservação por um ano, pelas operadoras, dos dados de comunicações dos respetivos clientes. Questionado sobre o novo prazo que considera mais adequado, entre quatro semanas e seis meses, o primeiro-ministro recusou-se para já a avançar com uma proposta específica em relação a esta matéria.

“Estamos a falar de crimes que constituem uma séria ameaça à vida de todos nós e, como tal, colocar-se em causa a ferramenta dos metadados é desguarnecer o Estado de Direito democrático de uma ferramenta absolutamente essencial para o combate ao crime. Temos de restabelecer essa ferramenta nos limites muito apertados que resultam da nova jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia”, disse.

Para António Costa, em síntese, apesar de a margem para a solução ser apertada, “há margem a explorar” na futura proposta do Governo.

“Quanto mais tempo tivermos acesso a esses dados, mais informação é possível recolher para identificar possíveis redes criminosas. Ou seja, quanto mais tempo tivermos dados acessíveis, mais fácil é estabelecer conexões na identificação de redes criminosas. Quanto menos tempo tivermos menos informação ser´+a possível e maior será o risco de termos menos armas para combater organizações criminosas”, acrescentou.

Interrogado sobre a possibilidade de se abrir uma revisão constitucional para que o país disponha de um novo quadro legal em relação à utilização de metadados por parte das forças de segurança, o líder do executivo afastou esse caminho.

“Fora do que é necessário tratar em revisão constitucional para consolidar aquilo que o quadro legal já permite – e que o Tribunal o Constitucional já validou em matéria de serviços de informação -, no que diz respeito, em concreto, à investigação criminal, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, não é em sede de revisão constitucional que se poderá obter a melhor resposta”, alegou o primeiro-ministro.

A melhor resposta, segundo António Costa, “é ao nível legislativo do ponto de vista interno e ao nível da União Europeia. Na União Europeia, onde os países vão ter obviamente que debater quais são as consequências da decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia”, apontou.

Mas António Costa foi mais longe neste ponto, referindo que, apesar de nos últimos anos a Europa ter estado a ser poupada relativamente à ameaça terrorista, “convém não esquecer que essa ameaça não desapareceu”.

“Portanto, no âmbito da União Europeia, vamos ter de discutir qual é a forma adequada para se responder coletivamente. Não podemos desarmar o Estado de Direito democrático das ferramentas indispensáveis em relação ao crime organizado, transnacional e complexo”, vincou o líder do executivo.

Costa afirma que decisão do Tribunal Constitucional sobre metadados não atinge casos transitados em julgado

Esta posição foi defendida por António Costa depois de confrontado com a possibilidade de haver “um terramoto” na justiça, com a reabertura de muitos processos, após o Tribunal Constitucional ter declarado inconstitucional a lei dos metadados de 2008.

O líder do executivo referiu que, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional, o Estado não pode impedir as iniciativas dos advogados de defesa no sentido de “cumprirem também o seu papel no Estado de Direito, defendendo os interesses dos seus clientes”.

“Mas chamo a atenção que o artigo 282 número 3 da Constituição da República é muito claro: As declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não afetam os casos julgados, a não ser quando o Tribunal Constitucional não ressalva essa consolidação do caso julgado”, sustentou o primeiro-ministro.

Em defesa desta linha de interpretação, António Costa advogou que, no caso concreto dos metadados, o Tribunal Constitucional “não fez nenhuma ressalva”.

“Esta declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não afasta o que o diz o artigo 282 número 3 da Constituição da República. Ou seja, os casos julgados são casos julgados”, frisou o primeiro-ministro.

António Cosia disse estar consciente que o Código de Processo Penal prevê revisões extraordinárias, designadamente quando há declarações com força geral de inconstitucionalidade de uma norma.

“Mas o Código de Processo Penal tem de estar submetido à Constituição. Portanto, nessa normal do Código de Processo Penal, ninguém pode ler uma derrogação daquilo que está previsto no artigo 282 número 3 da Constituição. Este artigo é muito claro no sentido de serem preservados os casos julgados, mesmo quando há uma declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força geral”, reforçou o primeiro-ministro.