Depois de a presidente do executivo comunitário, Ursula von der Leyen, no seu discurso de abertura do debate no hemiciclo de Bruxelas, não ter adiantado novidades relativamente às propostas de um fundo de recuperação e de um ‘novo’ orçamento da União para os próximos sete anos, foram várias as críticas dos eurodeputados, incluindo à demora da Comissão em apresentar os seus planos, já que em finais de abril os líderes dos 27 pediram propostas com caráter de urgência, que eram esperadas na primeira quinzena de maio.

Uma das intervenções mais críticas partiu do antigo primeiro-ministro belga Guy Verhofstadt (Liberais), que disse já ter visto “os primeiros documentos que estão a circular no executivo comunitário” e opinado que os mesmos não auguram nada de bom.

“Devo dizer que, depois da intervenção da senhora Von der Leyen, só vejo ‘negócios como sempre’. Espero estar enganado, mas vi os primeiros documentos que estão a circular na Comissão e é mesmo ‘negócios como sempre’: velhos truques, reembalagem, antecipação massiva [de financiamento] e, depois, um multiplicador de 45. Nem Jesus no Novo Testamento era capaz de fazer isso: multiplicar por 45 quando multiplicava peixes e pão”, ironizou, referindo-se aos planos de alavancagem de investimento privado.

Verhofstadt também acusou a Comissão de estar no caminho errado ao tencionar “pedir mais garantias aos Estados-membros”, defendendo antes que se deveria apostas em novos recursos próprios, como por exemplo impostos sobre o digital e sobre a poluição.

“A senhora Von der Leyen disse hoje que vai pedir mais garantias aos Estados-membros [para a Comissão emitir obrigações]. Ora bem, isso é o que não se deve fazer. Todos os nossos Estados-membros vão estar em défice, todos os nossos Estados-membros vão estar endividados. Não se pode aumentar as contribuições nacionais dos Estados-membros ou pedir mais garantias no futuro”, sustentou, acrescentando que não é preciso criar nada de novo, já que “o financiamento da UE sempre foi baseado em recursos próprios”.

Numa sessão em que só é autorizada a intervenção presencial de eurodeputados – a grande maioria dos eleitos encontra-se nos respetivos Estados-membros, mas podem votar à distância -, também o deputado socialista português Pedro Marques disse que a Europa precisa hoje mais do que “muitos multiplicadores”.

“A crise que enfrentamos não tem precedentes no período posterior à II Grande Guerra, por isso precisamos de todo o nosso poder de fogo, e já. O plano de recuperação que a Comissão Europeia está a elaborar tem de ser muito ambicioso. Não basta levantar algum dinheiro no mercado, muitos multiplicadores e muito marketing para recuperar a economia europeia. Precisamos de investimento, transferências para as famílias”, sustentou.

Também interveniente no debate, a eurodeputada Lídia Pereira, do PSD, defendeu que “a estratégia para a recuperação económica desta pandemia tem de estar centrada nas pessoas, nos europeus, nos jovens que enfrentam já a segunda grande crise das suas vidas, dos empresários que lutam todos os dias par pagar salários, nos desempregados que vivem grandes momentos de dificuldade”.

“É para todos estes que precisamos de um plano e de um fundo de recuperação que transforme e modernize as nossas economias. E que todos saibam que não é o Parlamento, mas o Conselho, que está a bloquear as respostas tão urgentes”, disse.

Von der Leyen não ouviu a maioria das críticas, porque cedera entretanto o seu lugar ao vice-presidente Maros Sefcovic, que, na conclusão do debate, e falando em nome da Comissão, garantiu que esta não está a lidar com a atual crise como se tratasse de “negócios como sempre”, tal como acusou Verhofstadt, e disse que está em marcha “uma resposta muito ambiciosa”, mas também sem entrar em detalhes.

Na última cimeira de chefes de Estado e de Governo, celebrada por videoconferência em 23 de abril, os 27 encarregaram o executivo comunitário de apresentar, com caráter de urgência, uma proposta formal do fundo de recuperação, interligando-o ao próximo orçamento plurianual da União, mas volvidas praticamente três semanas o executivo comunitário ainda está a trabalhar nas propostas, não se tendo comprometido ainda com uma data para a sua apresentação.

Na sequência do debate de hoje, o Parlamento Europeu irá adotar, na sexta-feira, uma resolução sobre o fundo de recuperação e o próximo orçamento plurianual da União.

Ainda antes, na quinta-feira, adota um relatório de iniciativa legislativa a solicitar à Comissão Europeia que apresente um plano orçamental de contingência no caso de orçamento da UE para 2021-2027 não entrar em vigor em 01 de janeiro próximo.