É assim com Marco Cunha, gerente da Funerária Jorgense, que afirma que "vai ter de se ver caso a caso".
O responsável pela agência funerária sediada na ilha de São Jorge, onde foi confirmado um dos três casos positivos dos Açores de covid-19, sublinha que nem ele nem o seu pessoal vão "fazer nada sem falar com o delegado de saúde".
Face às medidas propostas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) na segunda-feira, que aconselham que não haja velórios e que os funerais sejam restritos aos familiares próximos, Marco Cunha adianta que já está a fazer isso desde quinta-feira da semana passada.
Além das cerimónias fúnebres, a DGS recomenda que, para casos confirmados ou suspeitos de infeção pelo novo coronavírus, os corpos devem ser cremados ou "embalados em sacos impermeáveis", ficando "em caixão fechado, estando as famílias também proibidas de os abrir".
A Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL) vai mais longe, dizendo que essas limitações "devem ser seguidas em todos os funerais, independentemente da causa da morte ou da região em que ocorreu o óbito".
É também aconselhado que "nenhum cadáver seja preparado (não se devem realizar atuações de limpeza nem intervenções de tanatopraxia), nem com simples vestimenta. O cadáver deve ser introduzido num sudário impermeável e após pulverização com uma solução desinfetante, acondicionado dentro da urna".
Apesar de concordar com a limitação de pessoas nos funerais e que não sejam realizados os velórios, Marco Cunha tem dificuldades em estender as medidas sugeridas pela ANEL a todos os casos.
"Vamos pôr-nos no lugar de um familiar que não esteja infetado com o coronavírus. Estamos a falar de um ser humano. Se não está infetado, por que é que vamos agir dessa forma?", questiona.
Para resolver estes dilemas, o jorgense conta com o apoio das autoridades: "É um pau de dois bicos, se o delegado de saúde disser que há razões para desconfiar, a gente vai tomar as precauções".
É na Terceira que estão sediados os serviços da secretaria e da direção regionais da Saúde e é também na ilha que fica o hospital designado para o tratamento de covid-19 nos Açores.
Na mais antiga funerária da ilha (e da região) vão ser seguidas "as regras que estão estipuladas", sem "abrir exceção nenhuma, seja ela para quem for", assegura Francisco Henriques, diretor técnico da Funerária Carvalho.
O responsável lamenta a falta de diretrizes: "É lamentável que se esqueçam de nós, porque nós somos a ponta final desta situação, em caso de haver alguma morte".
Ainda assim, Francisco Henriques diz ter tido o apoio "da ANEL e dos colegas" e acredita que, quando for necessário, a delegada de saúde da Terceira estará disponível para atender às questões das funerárias.
"Já falei com a delegada de saúde e o problema é que tudo o que se passa na região está a ser centralizado na ilha Terceira e, neste momento, ela anda tão atarefada que falámos muito vagamente sobre esta situação. A qualquer altura, caso haja alguma coisa, ela vai entrar em contacto connosco", asseverou.
O responsável apontou ainda a dificuldade em arranjar equipamento de proteção individual. Em 'stock' tem ainda batas descartáveis e luvas, e encomendou óculos e máscaras.
"Consegui arranjar uns fatos, improvisados, de pintor. Se não conseguir arranjar os fatos utilizados no hospital, é chegar a casa e ter um local onde deixar a minha roupa e essa roupa vai ser lavada separadamente", comentou.
O agente funerário disse ainda que de que “haver entendimento” entre as agências funerárias e o hospital.
Numa ilha em que o crematório abriu há pouco mais de um ano, em dezembro de 2018, grande parte da população ainda está apreensiva face a esta solução.
"Aqui funciona pouco. As pessoas têm sepulturas de família e querem pôr nessa sepultura. Em conversa de café já há alguma curiosidade. A maior parte das pessoas está sempre com essa indicação", explica Francisco Henriques.
São Miguel é a única outra ilha açoriana que também tem um crematório, em funcionamento desde 2007.
"A cremação, pelo menos aqui na ilha de São Miguel, começa a ser cada vez mais usual", aponta Roberto Ferreira, sócio-gerente da Agência Funerária Ferreira, sediada em Ponta Delgada.
Com cerca de 140 mil habitantes, mais de metade da população do arquipélago, a ilha de São Miguel tem sido poupada, não registando, até ao momento, qualquer caso positivo de covid-19.
Também por isso, Roberto Ferreira considera que "houve um conjunto de recomendações feitas pela ANEL até bastante severas".
"Acho que provavelmente vamos chegar a esse ponto, espero que não, mas se assim tiver de ser, será", afirmou, acrescentando que "restringir os funerais ao mínimo de pessoas e só mesmo à família mais próxima é a medida ponderada para o momento atual".
Também em São Miguel "o acesso ao delegado de saúde está muito condicionado".
"Ele não tem meios a medir, mas o que é necessário resolver, consegue-se resolver. Ainda estamos numa fase muito inicial, felizmente, e espero que fique por aqui", atirou.
O novo coronavírus responsável pela pandemia da covid-19 infetou mais de 250 mil pessoas em todo o mundo, das quais mais de 10.400 morreram.
Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde (DGS) elevou hoje o número de casos confirmados de infeção para 1.020, mais 235 do que na quinta-feira.
O número de mortos no país subiu para seis.
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