A entrada principal do mercado está fechada. Agora, faz-se pela zona onde se encontravam os feirantes, com as pessoas serpenteando pelas bancas que permanecem no local, mas sem os habituais vendedores que apregoavam alto e bom som os seus produtos.
O chão está marcado para que estas cumpram as distâncias de segurança e por isso, uma fila tem sempre uma imagem de ser muito concorrida. Apesar de tudo, a maioria chega a esperar mais de meia hora para entrar e hoje, com a chuva a teimar em cair a espaços, por ali estavam, seguramente, mais de 50 pessoas protegidas devido ao telheiro.
Maria Isabel, acompanhada do marido, disse à reportagem da Lusa ter esperado, na fila destinada aos maiores de 65 anos, cerca de 20 minutos para entrar no mercado de Benfica.
“Todas as semanas vimos”, disse, adiantando que hoje se vê mais gente, “muitas mais pessoas, nota-se mais o movimento”. Até agora, Maria Isabel e o marido estão de acordo com as normas seguidas pelo mercado: no espaço só podem entrar até 80 pessoas e têm uma pessoa à entrada que deita gel para desinfetarem as mãos.
A fruta já não pode ser tocada, são os donos das bancas que as escolhem e os cheiros da fruta madura tornam-se agora quase impercetíveis com as máscaras postas nas faces, uma outra obrigatoriedade em tempos de pandemia.
“Eu acho que está bom, as pessoas têm de ter cuidado, temos de nos resguardar senão será muito pior. [Vimos] com segurança sempre, para nós e para todos os que estão ao pé de nós, haja saúde”, afirmou.
Os pregões por estes dias não têm sido ouvidos, mas não é preciso chamar os clientes às bancas. As pessoas quando entram sabem, por norma, onde se vão dirigir.
Paula Brandão, peixeira no mercado, confidenciou não se poder queixar muito, já que esteve sempre a trabalhar.
“Têm sido uns dias bons, outros são beras, mas devagarinho a gente vai lá. Não nos podemos queixar muito porque nós estivemos sempre a trabalhar, com tranquilidade, com a equipa do mercado a ajudar”, contou, avançando que o patrão é o responsável pelas encomendas e entregas em casa, com as equipas da Junta de Freguesia.
Paula Brandão acrescentou que as pessoas têm “aderido bem” às encomendas para levar até casa, mas faz falta que venham ao mercado, confessou.
“Esperamos que venham as das encomendas, para saber quem são, e que venham ao mercado. Isto sem pessoas não é a mesma coisa”, disse.
O presidente da Junta de Freguesia de Benfica, Ricardo Marques, revelou à Lusa que nas sete últimas semanas fizeram mais de sete mil entregas e tiveram 37 mil clientes no mercado de Benfica.
“Foi um grande desafio nas primeiras semanas”, reconheceu. Ao faltarem algumas normas para se adaptar e aplicar ao espaço, “foi por tentativa erro, tentativa erro”.
Ricardo Marques contou que o apoio dos comerciantes do mercado tem sido “inexcedível”, ao cumprirem as regras e adaptando-se à nova realidade, sendo eles a preparar o que os clientes querem e a depositar num espaço próprio na banca os produtos embalados para serem recolhidos, sempre de máscara ou viseira.
“Estão a subir o número de clientes presenciais e de encomendas, mas o enfoque de toda a nossa estratégia é para as entregas que no dia seguinte as pessoas podem receber, com os produtos mais frescos da região”, explicou o responsável.
As encomendas, conforme adiantou, estão a ser asseguradas pelas equipas das escolas, que estão fechadas, e da área de desporto da Junta, contando com mais de 20 trabalhadores e sete viaturas para as encomendas, fora a equipa de 30 pessoas que assegura o controlo de todo o trabalho no mercado.
O público que encomenda a partir de casa tem entre 25 e 45 anos, tendencialmente, segundo explicou o autarca, referindo que os clientes que vão ao mercado têm, em média, entre 65 a 78 anos.
Foi com esses mesmos seniores que a reportagem da Lusa se cruzou nas ruas. José Madeira contou que vai buscar o pão à padaria na Estrada de Benfica “todos os dias”.
“O pão é ótimo, moro aqui nas Portas [de Benfica]. As filas são assim por hábito. Há dias em que se chega a esperar meia hora, 45 minutos”, afirmou, frisando que vale a pena esperar tanto tempo pela qualidade do pão que leva.
José Madeira avançou que nos últimos dias tem visto mais gente nas ruas e teme por “um retrocesso”, acrescentando que, por si e pelos seus, vai procurar manter o distanciamento e ficar confinado em casa.
Mais à frente, junto a uma retrosaria, a proprietária escusa-se a falar à Lusa “por vergonha”, mas autoriza a recolha de imagens da sua loja, deixando o resto à cliente “de uma vida”, Maria Delgado.
Maria contou à Lusa que mora em Benfica há 48 anos e que “fazia falta o comércio de bairro” estar aberta, salientando, também, que merecia “ser apoiado”, por serem “lojas pequeninas” e que se forem tomadas as devidas precauções “não haverá problema”.
“Já me estavam a fazer falta umas linhas”, contou. Hoje diz que já anda mais gente na rua, lembrando semanas anteriores em que, na caminhada até à mata, os espaços sem pessoas lhe faziam lembrar uma cena de um filme apocalíptico.
“Houve uns dias que era muito difícil. A partir de segunda-feira começou a ver-se algumas lojas abertas, um bocadinho de mais movimento e ajuda. Benfica é um bairro com movimento e era muito deprimente”, confessou.
Portugal entrou domingo em situação de calamidade, depois de três períodos consecutivos em estado de emergência desde 19 de março.
Esta nova fase de combate à covid-19 prevê o confinamento obrigatório para pessoas doentes e em vigilância ativa, o dever geral de recolhimento domiciliário e o uso obrigatório de máscaras ou viseiras em transportes públicos, serviços de atendimento ao público, escolas e estabelecimentos comerciais.
* Por Rosa Cotter Paiva (texto) e Mário Cruz (fotos), da agência Lus
Comentários