O sol reluzia e a chuva persistente que tem inundando a ilha de São Miguel nas últimas semanas deu tréguas na manhã deste sábado, no primeiro fim de semana em que entraram em vigor as novas medidas de combate à covid-19 na maior ilha açoriana.
As medidas, que obrigam a restauração a encerrar todos os dias às 15:00 e implementam o confinamento obrigatório ao fim de semana a partir da mesma hora, levaram os restaurantes a adaptar-se.
O Otaka, no centro da cidade, é um dos exemplos da adaptação exigida. Ao final da manhã de hoje, preparava-se já o almoço: algo inédito naquele restaurante, aberto há três anos e que combina a gastronomia japonesa com a peruana.
“Nós somos um restaurante que faz apenas jantares, normalmente. Ontem [sexta-feira] foi a primeira vez que fizemos almoços. Vamos fazer ‘take-away’ aos jantares e extraordinariamente abrimos esse fim de semana ao almoço para ver como corria”, disse à agência Lusa José Pereira, ‘chef’ e proprietário do Otaka, que tem oito funcionários.
Para quem fazia apenas jantares, o impacto das restrições “é muito grande”, até porque o ‘take-away’ “não é a mesma coisa ao nível de faturação”.
“A restauração é sempre uma das mais prejudicadas e eu acho que tem de haver medidas de compensação, se somos obrigamos a fechar. Eu não concordo com o fecho total dos restaurantes, pode-se limitar horas e a capacidade, mas fechar é demasiado duro”, defendeu.
Na mesma rua, mais acima, o restaurante Casa da Rosa também teve de ajustar os horários. Uma das alterações era visível esta manhã, onde alguns clientes aproveitaram a abertura mais cedo do 'brunch', que passou a funcionar a partir das 09:00 em vez das 11:00.
Ainda assim, apesar das adaptações, Elisério Medeiros da Casa da Rosa salientou que o encerramento às 15:00 implicará perder mais de “50% da receita”, uma receita que já por si era “pouca” nas últimas semanas.
“As previsões são muito negativas. Se o governo não fizer medidas para apoiar, esses próximos dois meses serão muito complicados. Haverá muitos sítios a fechar e muito empregado a ser despedido. É muito importante o governo ter atenção ao que se está a passar”, afirmou.
As dificuldades, aparentemente, não vão afetar apenas a restauração. Outros comerciantes alertam também para a necessidade de o Governo Regional compensar as perdas.
O gerente da Londrina, loja de roupa masculina, anteviu “impactos significativos” nas contas, uma vez que costumavam abrir aos sábados e domingos durante todo o ano.
“Eu tenho de concordar com as medidas, da maneira que as coisas estão. Eu concordo, mas a gente vai precisar de apoio, nós não sobrevivemos de porta fechada”, afirmou Tiago Sá, salientando que precisa de “estar a trabalhar” para pagar os nove funcionários da loja.
De qualquer forma, foi uma manhã habitual para um sábado nas ruas de Ponta Delgada. Exemplo disso foi a afluência ao Mercado da Graça, principal mercado da ilha.
De uma das bancas, onde o produto com mais saída é a banana regional, Vítor Santos disse concordar com as novas restrições.
“Eu concordo com essas medidas, temos de ter mais regras, isso está a aumentar muito cá”, argumentou o vendedor, referindo-se à situação epidemiológica em São Miguel.
O comerciante disse não esperar “ter grandes prejuízos no negócio”, porque “as pessoas precisam de comer”, mas mostrou-se preocupado com a obrigação de recolher obrigatório a partir das 15:00 ao fim de semana.
“Eu costumo sair daqui depois das 14:00 e tenho animais noutro prédio que não a minha casa. Não sei é se esse regime vai-me proibir de tratar os animais. Os animais têm de comer”, desabafou.
Com a afluência controlada, várias pessoas foram esta manhã fazer as compras ao mercado.
Fábio Manes, 42 anos, foi uma delas, mas depois do mercado, contava ir direto para casa para cumprir o recolher obrigatório.
“Eu concordo com as medidas. Já que as pessoas não estão a cumprir as regras como deviam de cumprir, eu acho que as medidas são importantes para ver se o número de infetados baixa”, salientou o patrão da estação de salva-vidas de Ponta Delgada.
A partir de sexta-feira, entraram em vigor novas medidas de contenção da covid-19 na ilha de São Miguel, como limitação de ajuntamentos, recolher obrigatório, limitação de horário de restaurantes e lojas, e encerramento de escolas.
Estão proibidos os ajuntamentos na via pública de mais de quatro pessoas que não façam parte do mesmo agregado familiar e será ainda obrigatório o encerramento de cafés e restaurantes às 15:00.
Segundo dados de sexta-feira, existem na região 621 casos positivos ativos de covid-19 na região: 575 em São Miguel, 40 na Terceira, três nas Flores e três no Faial.
Foram detetados até hoje nos Açores 2.430 casos de infeção pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, que causa a doença covid-19, verificando-se 22 óbitos e 1.692 recuperações.
A pandemia de covid-19 provocou pelo menos 1.914.057 mortos resultantes de mais de 88 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 7.701 pessoas dos 476.187 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
* Por Rui Pedro Paiva (texto) e Eduardo Costa (foto), da agência Lusa
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