Dois estudos do Observatório da Deficiência e dos Direitos Humanos (ODDH), do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-ULisboa), realizados durante e depois do período de confinamento, mostram que o impacto da pandemia se sentiu desde logo com a suspensão de vários serviços e apoios “essenciais para o dia-a-dia das pessoas com deficiência”.

Cerca de um terço das 725 pessoas inquiridas durante a fase de confinamento revelou que os apoios de assistência pessoal de que usufruíam tinham sido reduzidos ou suspensos, enquanto 40% disse mesmo que esses apoios lhes foram retirados, com destaque para a redução ou suspensão das terapias e o encerramento de Centros de Atividades Ocupacionais.

A coordenadora do ODDH apontou que ficar a trabalhar em casa ao mesmo tempo que se cuida de um jovem ou um adulto com autismo não é a mesma coisa que cuidar de uma criança ou jovem sem deficiência e que, por isso, é preciso acautelar os devidos apoios, defendendo que aqui “se poderia talvez fazer mais”.

“Entretanto, eles [os serviços] foram retomados, mas apenas parcialmente, ou estão ainda suspensos, e isto representa uma sobrecarga muito grande para as famílias porque são elas que nestas condições ficam na primeira linha dos cuidados”, sublinhou Paula Campos Pinto.

De acordo com a responsável, esta situação teve reflexos na saúde e bem-estar destas pessoas, não só das pessoas com deficiência, mas também dos seus cuidadores, algo que ficou demonstrado com os resultados dos estudos.

Entre as pessoas com deficiência, 37,2% tem a perceção que o seu estado de saúde se agravou desde o início da pandemia, enquanto 51% referiram que sentiam mais tristes ou deprimidos do que habitualmente ou mais ansiosos (58%).

Já entre os 88 cuidadores que participaram no segundo estudo (em que participaram 326 pessoas), 73,4% disse que se sentiu muito ou bastante cansado na fase de confinamento e 64% revelou que se sentiu muito ou bastante exausto, tendo havido mesmo quem admitisse (48,2%) que os cuidados prestados à pessoa com deficiência interferiram na sua atividade profissional.

“Esse sentimento de exaustão resultou logo na primeira fase, na fase do confinamento. Foi um dado que emergiu com grande força e depois do desconfinamento, apesar de terem sido retomados muitos desses apoios e dessas atividades, ainda há um cansaço significativo e um sentimento de terem sido esquecidos, que é também muito forte entre estes cuidadores e cuidadoras”, sublinhou Paula Campos Pinto.

Relativamente a este último dado, o estudo revela que 39,5% dos cuidadores sentiram-se esquecidos durante o período de confinamento, um valor que aumenta para os 42,6% na fase de desconfinamento.

“Eu acho que houve de facto pouca atenção e não se ouve sequer debater muito na esfera pública estas problemáticas, como em relação à questão dos idosos, das empresas, mas não se tem falado muito destas pessoas e dos seus cuidadores e portanto esse sentimento de esquecimento é natural que ele emerja”, defendeu a responsável.

Paula Campos Pinto admite que houve algumas medidas específicas para estas pessoas que depois foram sendo tomadas, nomeadamente informação no ‘site’ do Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) ou medidas sobre o uso de máscara tendo em conta as especificidades destas pessoas, mas entende que “foram sempre ou quase sempre tardias e com pouco eco público e mediático”.

“Há, portanto, esta perceção, que no meu entender corresponde à realidade, que estas pessoas não estiveram na primeira linha das preocupações dos nossos governantes nesta crise que temos atravessado”, defendeu.

Outra área que a investigadora defendeu como importante para as pessoas com deficiência foi a educação, pelo seu impacto a longo prazo, apontando que todas as alterações que foram feitas nestes últimos meses nas escolas não tiveram em conta as especificidades dos alunos com deficiência.

“Temos vários relatos que demonstram essas dificuldades, quer durante a fase de confinamento em que passamos muito rapidamente para o ensino à distância e estes alunos e as suas necessidades foram os últimos a ser contemplados, quer depois na fase de desconfinamento, quando as escolas já estão a funcionar, mas os apoios para estas crianças e jovens são mais tardiamente organizados e isso tem implicações na sua aprendizagem”, criticou.

Os dois estudos vão ser hoje apresentados, em Lisboa, no âmbito do V Encontro do ODDH, que este ano tem o tema “A deficiência face à crise pandémica: desafios e respostas”.

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